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Escrito por Adérito Caldeira em 31 Março 2016 |
É notável o trabalho feito nas últimas décadas pelo Ministério da Educação, ora de Desenvolvimento Humano, em formar sujeitos passivos que não só escrevem mal a sua língua oficial, como também não sabem fazer contas. E são milhares os doutorados em servir o partido Frelimo. São jovens que desconhecem que o Direito à manifestação está consagrados na Constituição e nem percebem que o Estado, que nunca foi verdadeiramente democrático, está a passar de policiado a militarizado. Nesta quarta-feira(30), em pleno mês da mulher, foi deportada do nosso país uma cidadã de nacionalidade espanhola por apenas ter participado de uma reunião pública na qual reivindicava, na companhia de outras cidadãs, o fim da violência contra a rapariga nas escolas e não contestava, como se quer fazer crer, o comprimento das saias das alunas.
A meio da manhã do passado dia 18 um contingente de agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) armados reprimiu, com alguma violência, o exercício do direito de reunião pacífica de algumas dezenas de cidadãs que se juntaram nas proximidades da Escola Francisco Manyanga, na cidade de Maputo.
As cidadãs pretendiam chamar a atenção da sociedade para “o carácter brutal e machista das práticas de violência contra as raparigas, vigentes e “normais” em muitas escolas do país. Pretendia-se que o material fosse provocador, de modo a incentivar e promover o debate. O sentimento que se tem, é que estes assuntos são constantemente ignorados, pelo que é necessário obrigar as pessoas a reflectir sobre o tema e a tomar posições para combater de uma vez por todas estas situações que afugentam as raparigas da escola”, refere um artigo escrito pelo Fórum Mulher, Organização Não Governamental (ONG) que organizou o encontro onde se pretendia também apresentar uma peça teatral.
Cinco activistas, duas delas estrangeiras, foram detidas até ao fim da tarde desse dia na 7ª esquadra pelas autoridades policiais que não quiseram ouvi-las cantar “Quando as mulheres se unirem, o patriarcado vai cair/Quando as meninas se unirem, o machismo vai cair/ Quando as mulheres se unirem, a violência vai cair/Vai cair, vai cair, vai cair...”.
Graças a mais esta acção ilegal da PRM - que nunca tem meios para lidar com a criminalidade, cada vez mais violenta, que aflige os cidadãos no nosso país mas está sempre de prontidão para reprimir os cidadãos não passivos - o objetivo das cidadãs foi alcançado levando inclusive o ministro da Educação, Jorge Ferrão, a clarificar que “a escola não é um local de passagem de modelo”.
Uma mensagem enfaticamente repetida por inúmeros sujeitos passivos arregimentados e alinhados com o partido no poder, um dos quais sugeriu num artigo de opinião anónimo, no jornal diário estatal, que “Identificadas as estrangeiras, a Polícia junto à Migração e ao Ministério do Trabalho devem iniciar o processo de expulsão imediata das mesmas do país e demonstrar que somos um Estado soberano e que não admitimos a ingerência nos nossos assuntos internos”.
A "Constituição da República não serve nestes casos”, Arlindo Mavie
Ora o ministro do Interior, Jaime Basílio Monteiro, parece ter ouvido e acatado a sugestão pois nesta segunda-feira uma das cidadãs estrangeiras que participou na manifestação foi detida ilegalmente e encaminhada para o aeroporto de Mavalane para ser deportada para o seu país de origem.
“Ao participar numa manifestação ilegal, dirigindo um grupo de crianças vestidas de uniforme escolar e empunhando dísticos com dizeres ofensivos aos bons costumes da República de Moçambique, a cidadã Eva Anadon Moreno violou de forma clara e manifesta a lei (…) determino a expulsão da cidadã”, lê-se num despacho assinado pelo ministro que só existiu várias horas depois da detenção que aconteceu sem mandato judicial.
“O despacho do ministro só apareceu depois da meia noite (primeiros minutos do dia 29) depois da Procuradora Chefe da cidade de Maputo ter soltado a vítima” esclareceu Laurindos Saraiva, o advogado da cidadã.
Embora o despacho tenha a data do dia 28 a cidadã Eva Anadon Moreno foi detida a meio da manhã desse dia por agentes da autoridade que não apresentaram nenhum documento legal mas cumpriam ordens verbais. “Não existe ordem verbal de detenção seja de ministro seja de quem for, é ilegal” enfatizou o advogado.
Ademais o despacho do ministro do Interior, um acto administrativo, carece de “fundamentação, tem apenas acusações”, explicou Laurindos Saraiva.
A lei 5/93 de 28 de Setembro estabelece ainda “Da medida de expulsão o interessado poderá interpor recurso hierárquico ao Conselho de Ministros ou jurisdicional ao tribunal Supremo em instância única”.
A pronta intervenção dos seus advogados e da Procuradoria da cidade de Maputo só conseguiu adiar a consumação da deportação por mais um dia.
Assinale-se ainda, entre outras ilegalidades, o cumprimento de ordens “superiores” por parte do chefe do posto da PRM no aeroporto de Mavalane, Arlindo Mavie, que não teve receio em mostrar o seu poder diante da Procuradora da capital moçambicana e afirmou que a "Constituição da República não serve nestes casos”.
Até ao fecho da edição nenhum pronunciamento público foi feito quer pela Procuradora Geral da República ou pelo novo ministro da Justiça relativamente à esta arbitrariedade e aos atropelos que foram cometidos às leis moçambicanas. Não houve também posicionamento sobre estas ilegalidades por parte dos Diplomatas acreditados em Moçambique, nem mesmo da Espanha ou da União Europeia.
Este é mais um alerta do Governo de Nyusi para que os moçambicanos tenham medo de se manifestar
Enquanto isso os sujeitos passivos formados pela Educação à moçambicana julgam ser correcta a decisão do Executivo ignorando que professores assediam e violam as suas alunas independentemente do comprimento das suas saias, e até mesmo aquelas que usam calças.
De acordo com o ministro da Educação e Desenvolvimento Humano a decisão sobre os fardamentos não é unilateral do Ministério que dirige mas é sugerida e apoiada pelos encarregados de educação e pela sociedade em geral.
A propalada “cultura africana” baseia-se na perpetuação das desigualdades de direitos entre mulheres e homens. Por exemplo a bigamia é crime no nosso país mas a sociedade admite que um homem possa ter mais do que uma mulher em simultâneo. Os casamentos só são permitidos depois dos 18 anos de idade mas a lei permite que aconteçam casamentos prematuros se os pais da menor o autorizarem, uma situação que se repete com bastante frequência. A nossa cultura é também cúmplice da caça e assassinato de cidadãos portadores de albinismo, para rituais de feitiçaria.
Importa recordar que se não fossem estas “campeãs de defesa dos direitos das mulheres e raparigas” até hoje o Código Penal permitiria que os violadores sexuais das mulheres reparassem o seu crime casando-se com elas. Foram elas que alertaram e marcharam para o Parlamento onde as dezenas de deputadas, que até lideram a chamada casa do povo, pouco os nada fazem para melhorar os seus próprios direitos.
Os doutorados em servir o partido dominante e que sugerem que activistas estrangeiras, que participaram do acto público reprimido pela PRM, representam as modas ocidentais esquecem que são as “ONG’s ao serviço do Ocidente com agendas claramente ocultas” que pagam os nossos medicamentos, abrem furos de água, pagam à Educação que temos e até distribuem comida perante a incompetência dos sucessivos Governos do partido Frelimo.
Governo que não se coíbe de fazer dívida para comprar material de guerra, para armar não apenas militares como também polícias, que são formados para reprimirem violentamente qualquer tipo de manifestação popular. Um Governo que tem esquadrões da morte para matar quem pense diferente e ouse partilhar essas ideias.
Este é mais um alerta do Executivo de Filipe Nyusi para que os moçambicanos tenham medo de se manifestar publicamente mesmo que não concordem com as suas decisões políticas e prioridades de governação.
Talvez a deportação não seja de todo má, quiçá Eva tenha se salvo de um destino trágico, como aconteceu com o professor Gilles Cistac.
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quinta-feira, 31 de março de 2016
Governo de Filipe Nyusi expulsa cidadã espanhola, num claro aviso de intolerância a quem queira manifestar-se em Moçambique
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