O único sobrevivente dos atentados em Paris quer “explicar-se” em França. O seu advogado assegura que não sabia dos ataques a Bruxelas, apesar de várias ligações aos terroristas. Põe-se a hipótese de segundo fugitivo.
Salah Abdeslam mudou de ideias sobre ser extraditado da Bélgica e quer agora partir “o mais rapidamente possível” para a França para se poder explicar em relação ao papel desempenhado nos atentados de 13 de Novembro. A decisão foi anunciada na manhã desta quinta-feira pelo seu advogado, Sven Mary, depois de uma primeira sessão num tribunal de Bruxelas, adiada para o dia 7 de Abril a pedido da defesa, que disse precisar de tempo para estudar o dossier da acusação.
O único atacante vivo dos atentados de Novembro em Paris prometeu até hoje resistir ao pedido de extradição avançado pela Justiça francesa. Mas o seu advogado diz que Abdeslam compreende agora que “a parte mais importante do caso está em França” e que é para lá que as “suas explicações devem ir”. “Vou encontrar-me com o juiz de instrução para o informar de que ele já não se opõe à partida”, disse Sven Mary aos jornalistas.
Os atentados de terça-feira em Bruxelas foram executados pela mesma rede de jihadistas que atacou Paris há quatro meses e sugere-se que Salah Abdeslam tenha estado em contacto com a última equipa de terroristas nos dias que antecederam a sua captura, na sexta-feira. O próprio ataque à capital belga parece ter sido antecipado alguns dias — desta quinta-feira, véspera de feriado, para terça-feira, como avança o Financial Times — para evitar queAbdeslam denunciasse os planos à investigação.
Apesar das ligações, o advogado de Abdeslam nega a ideia de que o seu cliente sabia que o atentado estava a ser preparado. “Ele não o sabia”, afirmou Sven Mary, que se recusou a dizer aos jornalistas se Abdeslam estava ainda a cooperar com a investigação, alegando protecção do segredo de justiça.
Estabelecer ligações concretas sobre a participação de Abdeslam nos atentados desta terça-feira será crucial para o próprio processo de extradição. O ministro belga do Interior, Jan Jambon, disse na quarta-feira que a posição do Governo sobre o processo de extradição se poderia alterar, caso se provasse que Abdeslam está implicado nos últimos atentados — a deslocação de um arguido pode ser recusada, se ele for acusado dos mesmos crimes nos dois países.
Quinto suspeito em fuga?
A investigação coloca agora a hipótese de um segundo suspeito em fuga, para além do homem de casaco branco que transportou uma mala cheia de explosivos para o aeroporto, mas não se fez explodir como os dois companheiros. Este novo homem — a confirmar-se, o quinto elemento dos atentados de terça-feira — aparece ao lado do bombista que se fez explodir no metro. Transportava um saco e é visto a falar com Khalid el Bakraoui, o bombista suicida. A notícia é avançada na imprensa francesa e belga e não foi ainda confirmada pela investigação.
O número de mortos continua nos 31 contados terça-feira, apesar dos mais de 60 feridos em cuidados intensivos. Apenas três vítimas foram identificadas: Adelma Tapia Ruiz, peruana de 37 anos; Leopold Hecht, de nacionalidade belga, 20 anos; e Oliver Delespesse, também belga.
Dois ministros belgas propuseram demitir-se face às perguntas incómodas que surgem com o avançar da investigação, que não parou de estabelecer ligações aos atentados de há quatro meses em Paris e põe de novo a nu a incapacidade de as autoridades belgas reconhecerem a ameaça de ex-combatentes do Estado Islâmico no país — a Turquia revelou na quarta-feira que um dos bombistas suicidas desta semana foi extraditado duas vezes por ameaça de radicalismo islâmico.
Jan Jambon, ministro do Interior, e Koen Geens, ministro da Justiça, puseram os seus cargos à disposição na reunião de conselho de ministros da manhã desta quinta-feira, mas o primeiro-ministro, Charles Michel, recusou demiti-los. “Em tempos de guerra, não podemos abandonar o terreno”, terá respondido Michel.
Pode Abdeslam ser a peça central dos ataques a Bruxelas?
Teses sugerem que prisão do fugitivo de Paris pode ter precipitado os atentados. Repete-se mal-estar entre autoridades francesas e belgas.
Bruxelas foi atacada como Paris há quatro meses. As tácticas não foram exactamente as mesmas: os terroristas não abriram fogo durante vários minutos antes de se fazer explodir, por exemplo, nem atingiram locais pouco protegidos, como aconteceu nos cafés e bares da capital francesa. Desta vez escolheram alvos mais tradicionais, mas nem por isso há menos suspeitas de que os ataques desta terça-feira estão ligados aos atentados que em Novembro mataram 130 pessoas. Foi o mesmo grupo Estado Islâmico a reivindicá-los e tudo sugere que foram orquestrados por uma rede próxima da que atingiu Paris. Ou até a mesma.
Bastaram alguns minutos depois de explodirem as primeiras bombas no aeroporto de Bruxelas para que Salah Abdeslam surgisse já como a grande figura das investigações. O ministro do Interior belga alertara logo na segunda-feira para o risco de um atentado terrorista como represália pela captura do único presumível sobrevivente dos ataques de Paris. Pode não ser assim, mas é um facto que os dias que antecederam a sua detenção revelaram que a rede jihadista em que se inserira no bairro de Molenbeek era afinal muito maior do que as autoridades pensavam.
Abdeslam foi capturado na sexta-feira e quatro dias podem não ser tempo suficiente para se pôr em marcha uma vaga de ataques como os desta terça-feira. “Não se organizam ataques estruturados e coordenados em quatro dias”, explicou à rádio Europe 1 o especialista em terrorismo Alain Bauer. Mas Abdeslam confessou aos investigadores que já estava a preparar um novo atentado quando foi detido. E, dias antes de ser preso, polícias belgas e franceses viram-se envolvidos num tiroteio com três suspeitos jihadistas numa comuna de Bruxelas — Forest, perto de Molenbeek — onde procuravam indícios sobre os ataques de Paris e acabaram por dar com o rasto de Abdeslam. Dois homens fugiram e um foi abatido. Na casa, as autoridades descobriram detonadores, um manual de salafismo e uma bandeira do Estado Islâmico.
Pode ter sido esse o momento que precipitou os atentados desta terça-feira em Bruxelas, por resposta à morte de um companheiro jihadista ou receio de que a investigação estivesse prestes a atingir uma nova rede de radicais belgas. “Qualquer uma destas hipóteses parece ser suficientemente importante para justificar que o Estado Islâmico acelerasse um processo que já estaria preparado há muito tempo”, argumenta Bauer. “É também muito possível que a rede extremista quisesse actuar antes que as agências de segurança agissem por via de informação divulgada por Abdeslam”, afirma o jornalista e especialista em radicalismo islâmico Jason Burke, no Guardian.
Desconfiança franco-belga
Um alto responsável belga afirmou sob anonimato ao portal Politico que Salah Abdeslam participou na orquestração dos ataques de Bruxelas. Em todo o caso, a investigação está ainda numa fase inicial e pouco se avança para além de terem sido encontrados novos engenhos explosivos e indícios da presença do Estado Islâmico em Molenbeek, em buscas realizadas durante a tarde desta terça-feira. Daí também que se pergunte — à semelhança do que aconteceu em Novembro — como é que as autoridades belgas foram outra vez incapazes de travar um atentado planeado no bairro do costume e o mesmo que policiaram intensamente nos últimos quatro meses.
Um alto responsável belga afirmou sob anonimato ao portal Politico que Salah Abdeslam participou na orquestração dos ataques de Bruxelas. Em todo o caso, a investigação está ainda numa fase inicial e pouco se avança para além de terem sido encontrados novos engenhos explosivos e indícios da presença do Estado Islâmico em Molenbeek, em buscas realizadas durante a tarde desta terça-feira. Daí também que se pergunte — à semelhança do que aconteceu em Novembro — como é que as autoridades belgas foram outra vez incapazes de travar um atentado planeado no bairro do costume e o mesmo que policiaram intensamente nos últimos quatro meses.
“Pode ser que seja uma forma de ingenuidade”, sugeriu esta terça-feira o ministro das Finanças francês, Michel Sapin, numa repetição do ambiente de mal-estar entre vizinhos que se seguiu aos atentados de Paris, quando os franceses acusaram as autoridades belgas de incompetência no policiamento de Molenbeek. Os últimos quatro meses de investigações foram partilhados com a polícia francesa, que participou em várias operações neste bairro. Mas nem isso impediu que a desconfiança entre os dois países se reavivasse com a detenção de Abdeslam. “Somos mais reservados porque isso não põe o inquérito em risco”, ripostou Jan Janbom, ministro do Interior belga, quando o procurador-geral francês revelou dados do interrogatório a Abdeslam durante o fim-de-semana.
O Governo belga respondeu aos dois últimos atentados em Paris (Charlie Hebdo e 13 de Novembro) com novas medidas securitárias, já que em ambos se descobriu um rasto até Molenbeek. Em Novembro, por exemplo, o Executivo prometeu mais 400 milhões de euros para as suas forças antiterrorismo, colocou Bruxelas em alerta máximo de segurança durante cinco dias, anunciou buscas a toda a hora em casos de suspeita de terrorismo e prometeu a prisão de todos os belgas que regressassem de lutar contra o Estado Islâmico na Síria — na Bélgica são 534, mais em termos per capita do que qualquer outro país na Europa.
Perante um novo atentado, porém, é possível que a justificação das autoridades belgas seja a mesma que foi dada no passado: não há meios suficientes para controlar todas as ameaças credíveis de radicalização islâmica. Entrevistado no fim-de-semana sobre a detenção de Abdeslam, o vice-presidente da Câmara de Molenbeek revelou que só no seu bairro há ainda 85 moradores sob investigação depois de regressarem de combater com grupos jihadistas no Médio Oriente. “Precisamos de descobrir quem é perigoso e quem não o é”, disse Ahmed al-Khannouss à revista Time.
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