segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Quando Joana Simeão recusou ser manipulada pela PIDE...(1971)


Joana Francisca Fonseca Simão, também conhecida por Ivette Tshilenge, ou simplesmente Joana Simeão nasceu em Nampula, aos 4 de Novembro de 1937. Era filha de José Luís Simeão e de Leopoldina Rebelo Fonseca Simeão. O pai fora motorista dos Bispos D. Teófilo José Pereira de Andrade e D. Manuel de Medeiros Guerreiro. (Abordarei a vida da Joana numa ocasião próxima). Em 1952, em companhia de sua irmã, Ana Simeão, foi enviada para Portugal. Em 1971 regressa, em definitivo, para Moçambique. 
Antes de Joana Simeão seguir para Lourenço Marques, teve que passar pelos interrogatórios, em vários momentos, enquanto residia em Dondo, na casa do engenheiro Jorge Jardim. Um grupo de peritos em segurança e actividades subversivas foi constituído para recolher dados sobre a vida da Joana, analisa-los e sugerir o que devia ser feito e se ela era aproveitável para a propaganda colonial «por aqueles que se entregam». O relatório final foi negativo e sugeria que melhor era fazer de tudo para que a Joana fosse a Paris, ao encontro do marido. Num seu relatório de mais de 30 páginas, um agente confessa que «Lia-se-lhe nos olhos, nos gestos, na voz, nas hesitações e silêncios das respostas e no veneno de certas observações: era uma verdadeira leoa com as garras de fora, que nem sempre respeitava o chicote do domador. Odiava a miséria. Estas anomalias sociais (pobreza e miséria) deram-lhe volta ao miolo, fizeram-na regressar às recordações de Nampula e do Colégio de Santa Cruz e destrambelhou-se: na noite de 26 de Abril, após um festival de para-quedistas civis na pista da Lusalite, Ivette levanta-se a desonras e escreve as seguintes frases a carvão, nas paredes da residência: FRELIMO VENCERÁ. CONTRIBUAM PARA VITÓRIA. LIBERTAÇÃO MOÇAMBIQUE. VIVA FRELIMO. A BAS OS OPRESSORES. VIVA MOÇAMBIQUE INDEPENDENTE. FRELIMO, FRELIMO». Ivette é, mas é um osso muito duro de roer! Está longe a sua recuperação política - se é que disso se pode falar» e recomenda «assim, em qualquer actividade profissional e qualquer ponto do território da Província, Ivette, tal como o seu espírito se encontra hoje, será sempre uma testa de ponte IN na nossa retaguarda, tornando-se difícil ou até impossível destrinçar amanhã quando é que está a trabalhar dentro da Lei ou à margem dela».

Aqui vão algumas das partes de uma síntese das suas entrevistas
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Interlocutor - Amanhã, quando sair daqui (na casa de Jorge Jardim) e se integrar na sociedade,a história da sua vida vem ao de cima e o público vai saber quem é e por onde andou. Tem pois de tomar uma posição e de mostrar uma faceta política: os seus futuros amigos vão exigir que se pronuncie como pensa reagir?

Joana Simeão: «Bien Sure, a minha posição será a única posição que devo tomar: a de um realismo político absoluto. Esses que se entregam e vêm depois para os Jornais com declarações demagógicas repudiando o passado, estão cometendo uma farsa. Veja o caso daquele que se entregou há dias, o Rachide «... contei tudoo que sabia, arrependi-me do que fiz e hoje sou um homem livre. Estou contente e jáposso viver junto da minha família».. isto é uma farsa. Como é que este homem se arrependeu em tão pouco tempo? Ele está porque se convenceu que é melhor para ele estar deste lado. Eu nunca faria uma confissão destas. Quem é que acreditava no meu arrependimento? Mas arrependimento de quê? Eu nunca fui militar. Sou política. E, como mulher política, quero ajudar a promoção dos moçambicanos. Simplesmente, em vez de trabalhar na ilegalidade, trabalharei na legalidade. Só porque vim para cá, não vou agora dizer amen a tudo o que o Governo quiser. Isso é bom para uma Doutora Custódia Lopes, que é um fantoche. O que é que ela já fez ou já disse na Assembleia Nacional a favor das populações que representa? É por isso que vou continuar a luta, procurando, até onde as autoridades me deixarem ir, ajudar os negros na sua promoção social e política. Esta é a vitória dos movimentos de libertação. A luta pelas armas é difícil, mas a luta no interior, na legalidade, procurando agir através das brechas que o Governo for abrindo e no terreno que nos for cedendo, é muito fácil. Este trabalho, o trabalho dos elementos do interior na legalidade má maior brilho e prestígio aos movimentos de libertação periféricos. Miguel Murupa é um fantoche. É um indivíduo intelectualmente medíocre e não tem a importância que lhe atribuem. De contrário, nunca se prestava àquela palhaçada das conferências de imprensa. Ele veio para cá porque não teve coragem para ficar lá. Não pense mal de mim. Veja que sou coerente. O meu idealismo político é positivo. Já atravessei a fase das fantasias e dos sonhos. Agora quero ser realista. Eu podia fazer um acto de contrição como os murupas, os kavandames, etc. mas não devo, porque isso seria forçar-me.
Interlocutor: Se realmente houvesse um jeito de independência por parte dos brancos, isso serviria os interesses da Frelimo?
Joana Simeão: «Não. Creio que não. Lá fora diz-se que não. Os dirigentes dizem que depois seria pior. O racismo seria mais acentuado. Só haveria vantagens se se formasse um Governo de coligação, com larga representação negra nos órgãos governativos. (...) O preto já não é mais o mesmo preto de 1964. E o branco também mudou.
Interlocutor: Quais foram os motivos que a conduziram à embaixada de Portugal em Paris?
Joana Simeão: Cheguei a Paris, fui abordada pelo Dr. Campos, a quem Bahule escrevera. O Dr. Campos queria saber o que se passou em Lusaka com a carta e ameaçou-me de uma denúncia ao Governo Francês, fazendo chantagem, mais uma vez, com a minha falsa nacionalidade congolesa. Chegou mesmo a dizer-me que eu havia traído a luta de libertação e que, portanto, devia ser eliminad. Muito veladamente, mas bastante claro para eu perceber, disse-me que Embaixada da China Comunista em Paris gostaria de saber a minha atitude… Fiquei assustada, tanto mais que o meu marido também se atirara a mim: não tinha outra saída, era preciso safar-me dali. Depois de ter uma última disputa com o Serge e aproveitando a hora que estava fora, peguei nos miúdos, deixei tudo e fui para a Embaixada de Portugal onde pedi auxílio. Fui recebida por um funcionário, que disse que ia contactar Lisboa. Obtida a resposta, o Dr. Vilela acompanhou-me ao aeroporto e eu embarquei de avião com um salvo-conduto. Os franceses nem perceberam nada. Em Lisboa fui conduzida para um Hotel, necessariamente muito bem controlado pela polícia e fui ouvida na DGS, mas muito sumariamente devido ao meu estado de cansaço, esgotamento e confusão. A nove de Abril levaram-me ao aeroporto e embarquei nos TAP com os meus filhos para Beira.
«Nenhumas intenções sub-reptícias escondem a minha vida aqui. Vim para aqui porque Moçambique é a minha terra; sou moçambicana, devo lutar pela melhoria das classes menos favorecidas e isto abertamente e às claras. Quero morrer em Moçambique. Não sou uma adolescente política, mas sou consciente dos problemas que se desenvolvem no interior de Moçambique: a falta de representantes nativos para defenderem sem demagogias a solução de problemas imediatos, dos tais problemas de cuja solução depende a paz. Quero refazer a vida de solitária em condições normais e a minha reintegração deverá fazer-se em condições e tendo em conta o factor tempo. No futuro, quero trabalhar para ganhar a minha vida, educar os meus filhos e sustentar o meu velho pai.
Eu não posso continuar aqui. Aqui não é a minha casa. Quando vier o senhor engenheiro quero ver se me arranjam um emprego em qualquer lado. Eu gostava de me continuar a dedicar à acção social, especialmente entre as crianças e as mulheres. Quero ajudar as crianças e as mulheres africanas a encontrarem-se. Não pense que vou fazer subversão. Claro que não. Mas o que estiver errado tenho de lhes dizer que está errado. São o meu povo. Tenho de educá-los. Eu não vou fazer nada contra vocês, mas tenho de apontar os defeitos que encontrar e de proteger as mulheres e as crianças que me forem confiadas. É uma missão nobre, de que eu sempre gostei. Se fosse possível, gostava de ter um lugar de assistente social em qualquer lado.


Fonte: (todo o relatório): PIDE/DGS, 2ª Divisão de Informação, Joana Simião, CI (2) 1225/73 folhas 187-227



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Danito Joao BT, Matheus Khossa Kelvy, Haquilene Daniel Galimoto e 30 outras pessoas gostam disto.
Comments
Jorge Antonio Calane Kito
Jorge Antonio Calane Kito Volto ja
Sic Spirou
Sic Spirou Poxa...isto deve estar em livro...ler no celular dói...história de facto é isto...

66 h
Alvaro Guimaraes
Alvaro Guimaraes Eusebio????? Os seus camaadas nao vao gostar de ler isto

35 h
Eusébio A. P. Gwembe
Eusébio A. P. Gwembe Porque assim acha, oh,Guimaraes! Isso não tem nada a ver com a camaradagem, mas com a ciência. Monteiro Lobato já disse que «Um país se faz com homens e livros».

75 h
Alvaro Guimaraes
Alvaro Guimaraes Estou de acordo consigo e subscrevo o. so que o que publicou entra em conflito com o que a propaganda do seu partido tem apregoado. De qualquer maneira os meus sinceros parabens caro Eusebio.

25 h
Alvaro Guimaraes
Alvaro Guimaraes E mais uma opiniao caro Eusebio; dizzendo a verdade a paz sera mais facil de atingir. E as nossas almas revoltadas voltarao a encontrar a paz.

15 h
Eusébio A. P. Gwembe
Eusébio A. P. Gwembe Alvaro Guimaraes lendo com calma, a gente acaba vendo que a Joana não era contra a independência, nem contra a Frelimo. Na mesma disse «O tempo da palmatória acabou porquê? Porque o negro já canta revolta e vocês tiveram que vergar ao peso das evidências. Isto é uma coisa que se sente. E será esta maioria silenciosa, apoiada pelos militares lá de fora, que há-de conquistar a independência»

15 h
Alvaro Guimaraes
Alvaro Guimaraes Li e entendi caro Eusebio. So que nao quero adiantar mais. Deixo lhe a honra de ser o primeiro mocambicano em democracia a abrir as portas do nosso passado tenebroso. E nao recue; nos o apoiaremos. e olhe que o nosso passado tenebroso eh do tamanho do mundo

35 hEditado
Joanguete Celestino
Joanguete Celestino Força Eusébio A. P. Gwembe! muitos arquivos da Torre Tombo foram desclassificado. Continue a ir ao fundo ha documentos com testemunhos vivos. Alegra-me saber que há Moçambicanos que querem reescrever a história de Moçambique.

25 hEditado
Candido Junior
Candido Junior Eusébio A. P. Gwembe peço uma aula sobre as fontes de história... tudo o que está adjacente e subdacente às fontes, o que as influencia e tudo que possa ajudar a compreender o porque de certa trajectoória da história.

15 h
Eusébio A. P. Gwembe
Eusébio A. P. Gwembe Acho que já explicou a sua preocupação,Candido Junior.
Candido Junior
Candido Junior Obrigado Eusébio A. P. Gwembe, talvez publicar informação cruzada ou pelo menos mais que uma versão sobre o mesmo facto histórico e deixar que cada um extraia a sua conclusão... que tal.

15 h
Eusébio A. P. Gwembe
Eusébio A. P. Gwembe Candido Junior parto do princípio de que a outra parte da versão é sobejamente conhecida e está ao alcance de todos. Todavida, como disse lá acima, vou escrever algo sobre o que se disse da Joana e o que não se disse.

15 h
Inusso Jamal
Inusso Jamal Creio que o Candido Junior pode fazer esse trabalho (informação cruzada), seria de um grande apoio ao debate.

25 h
Candido Junior
Candido Junior Caro Inusso, não creio que o possa fazer melhor que o Eusébio pessoa de reconhecida idoniedade e competência para o efeito.
Mateus Navaia
Mateus Navaia Não é fácil trazer factos históricos duma forma imparcial e não selectiva.

24 h
Germano Milagre
Germano Milagre Parabéns Eusébio ... A história deve ser o mais verdadeira possível para servir de lição para as gerações futuras ... Moçambique assim será diferente para melhor.
Mateus Navaia
Mateus Navaia O ilustre Eusébio A. P. Gwembe, desta vez esqueceu trazer a sua foto para todo mundo conhecer.
Lindo A. Mondlane
Lindo A. Mondlane Eu ja disse Sic Spirou

15 h
Armindo Silva Tomas Tomas
Armindo Silva Tomas Tomas Mulher com principios!
Lindo A. Mondlane
Lindo A. Mondlane Uau.. Essa senhora... Um aplauso

15 h
Ariel Sonto
Ariel Sonto Eusebio!!!!
Eusébio A. P. Gwembe
Eusébio A. P. Gwembe Ariel Sonto???
Ariel Sonto
Ariel Sonto Não conheço a história de Moz.
Abel Philip
Abel Philip Mas uma vez Parabens EUSEBIO A. P. Gwembe...
Eduardo Domingos
Eduardo Domingos Volta e meia a frelimo atira sobre ela!!!!!
Brazao Catopola
Brazao Catopola Gostei de ver, ler e saber disso rapaz... agora muitos questionamentos se levantam. Exacto. Ciência e política dois inimigos abrutos...

14 h
José de Matos
José de Matos Eusébio A. P. Gwembe, kanimambo, eu reitero que um Pais em que se manipula o passado dificilmente pode ter futuro ,todos esses subsidios devem ser reunidos com caracter de urgencia, publicados e divulgados! Tentaram obliterar a verdadeira Historia, nao vao conseguir, a Joana Simeao foi uma verdaeira heroima e nacionalista!

24 hEditado
Siachukeni Lucas
Siachukeni Lucas Então, o porquê de a terem fuzilado?
Chil Emerson David
Chil Emerson David Bebendo historia, sim senhor!
Manuel Paulo A. Cossa
Manuel Paulo A. Cossa História de Moçambique (Próximo volume)
Carlos De Sousa Tivir
Carlos De Sousa Tivir Tudo se farà para que os filhos dessa senhora nao cheguem ao poder.
Jonas Antonio Francisco
Jonas Antonio Francisco Parabéns Eusébio A. P. Gwembe com esta outra face da tua história!
Isalcio Mahanjane
Isalcio Mahanjane Bravo Eusébio A. P. Gwembe, a revelação destes documentos afigura-se importante para cruzá-las com outras fontes, já lidas/conhecidas e outras por conhecer, para depois daí encontramos uma versão razoável dos factos... sempre disponíveis para serem contrariados/rebatidos... tenho dito.
Fernando Jorge Francisco Cumbana
Fernando Jorge Francisco Cumbana diga me doutor ,pk foi considerada reacoonaria ?
Afonso Nassone Macaiele
Afonso Nassone Macaiele Ora consta me que em todas revoluções havidas no planeta Terra sempre ficou alguma coisa mal contada, na revolução industrial, francesa, americana, na Líbia revolução árabe, na Síria, na então união soviética com Lvov depois Lenine em 1918, chinesa com a morte de mão Tsé tung, boliviana na Venezuela, cubana com a prisão de fidel castro depois liberto com a fuga de Fulgencio Baptista, zimbabwe, em fim a moçambicana, o importante de todas estas revoluções é que o primeiro objectivo da maioria foi alcançado libertar o povo, agora cabe a nós produzirmos uma investigação para produzirmos uma história aceitável ao momento actual pois de tempos em tempos ela deve ser ajustada.
Germano Milagre
Germano Milagre Pelo que aprendi as coisas bem contadas tendem a vir com a plena liberdade...
Afonso Nassone Macaiele
Afonso Nassone Macaiele Errata onde se lê boliviana deve se entender boliveriana, psiu
Hélder Laissone
Hélder Laissone A Guembe ndalola kuti dziko ndi wanthu osati mabuko!
Germano Milagre
Germano Milagre Tive a sorte de assistir a um comicio da Joana Simeao ( embora um puto eu na altura ) para os lados do Xipamanine ... Pelo que me recordo e que me ficou foi "o ideal de uma sociedade Moçambicana, independente, livre, justa e com uma democracia representativa" ... Neste ultimo ponto foi onde entrou em choque c a Frelimo de Samora, Marcelino, Chissano etc, que não admitiam mais nenhum partido para além da frelimo. Se tivesse sido poupada teria visto o seu sonho perto de ser concretizado em 94.
Jemusse Abel
Jemusse Abel Há dias li uma revista despertai que no seu Segundo capitulo começa com uma pergunta: podemos confiar num conhecimento histórico? Logo no primeiro parágrafo o autor do artigo afirma: “se a história fosse escrita com fidelidade seria uma ciência que iria corrigir o mundo” porque de facto os erros do passado não seriam repetidos. Infelizmente dada a sua natureza “ não só ciência mas também tribunal”, quando o passado é repleto de maleficência, os seus protagonistas controlam e manipulam os historiadores para que produzam só e só aquilo que os eleva como heróis (porque deste heroísmo conquistam tudo o que desejam) neste caso ela é tenebrosa , ao contrário temem o julgamento que as novas gerações podem levar a cabo.

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