"Foi para mim uma humilhação terrível o Presidente de Moçambique ter ido a Angola aprender como mataram Savimbi"
Numa rara entrevista, D. Jaime Gonçalves, arcebispo emérito da Beira, defende que é tempo de a Igreja Católica se envolver outra vez no processo político moçambicano e travar um suposto plano para eliminar o líder da oposição, Afonso Dhlakama
O arcebispo emérito da Beira e principal construtor do Acordo Geral de Paz em Moçambique, Jaime Gonçalves, considera que o entendimento celebrado em 1992 em Roma não está a ser cumprido, e acusa a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), partido no poder desde a independência, de precipitar o país para um novo conflito.
Numa rara entrevista, o mediador do Vaticano no entendimento que ditou o fim da guerra civil acha que é tempo de a Igreja Católica se envolver outra vez no processo político e travar um suposto plano para eliminar o líder da oposição, Afonso Dhlakama, que permanece escondido desde outubro, algures na serra da Gorongosa. E recorda ainda os primeiros momentos da construção da paz, quando dava prisão falar de guerra, e o papel decisivo de George Bush, ex-Presidente dos EUA, para sentar as partes beligerantes na capital italiana.
Quais os maiores sucessos e insucessos nos acordos de Roma?
O primeiro sucesso foi conseguirmos que o Vaticano desse a sua ‘sombra’ às conversações e aceitasse convencer as partes para o diálogo direto. O segundo foi [ex-Presidente Joaquim] Chissano aceitar ir a Roma. Foi difícil. O partido [Frelimo] e Chissano não queriam brincadeiras de diálogo e Chissano nomeou Armando Guebuza como chefe da delegação, justamente porque era dos que, no partido, mais se opunha ao diálogo com a Renamo.
E os insucessos?
Quando chamámos para o processo as Nações Unidas, disseram que devia haver um só exército no país, senão começavam [a guerra] outra vez. Então, metade soldados da Renamo, metade soldados do Governo. Ficou também decidido que a Renamo podia manter a segurança para defender os seus líderes e foi assim que se concordou: a Renamo tem a sua segurança, a Frelimo tem a sua segurança. Até quando? Até às primeiras eleições democráticas [em 1994]. Mas o problema permanece até hoje. Fizemos as eleições democráticas à maneira da Frelimo, unificaram o exército, a Frelimo cumpriu, integraram-se os efetivos da Renamo e os da Frelimo, mas Chissano saiu da Presidência e entrou Guebuza. E ele [Guebuza, chefe de Estado entre 2005 e 2015] não tinha mudado as suas ideias, nunca aceitou o diálogo com a Renamo. Esteve em Roma, mas era brincadeira. Os da Renamo que tinham sido integrados pela ONU para unificar o exército foram todos postos de fora. Havia também homens da Renamo que deviam ir para Maputo fazer segurança e a Frelimo disse não: ‘Chega, não queremos mais’. Então, a Renamo ficou em casa com os seus homens, ficou um movimento descamisado.
Qual a relação dessas circunstâncias com a crise atual?
Aqui é que está! A dado momento, a Renamo começa a perguntar ‘que brincadeira é esta?’ e surge o conflito. Dhlakama tem nas mãos homens que devia mandar para o exército mas que Guebuza e companhia recusaram. É a história de Maringué [graves confrontos no final de 2013 no Norte da província de Sofala e marco do reinício da escalada de violência em Moçambique]. Quem fica em Maringué? Homens que deviam integrar o exército mas que foram tirados de lá. E também os homens que deviam integrar a segurança. Falar de Maringué é tocar na situação atual. Não se pode perceber a dificuldade do diálogo, não se pode entender esse problema, sem Maringué, porque a Renamo já não aceita ficar fora do exército.
Quase 25 anos depois, o Acordo Geral de Paz continua a ser um documento atual e necessário?
O documento do Acordo Geral de Paz ainda é a luz para a solução dos conflitos. Aquele que Dhlakama e Guebuza fizeram, a chamada cessação de hostilidades [a 5 de setembro de 2014, em Maputo] foi o jeito de Guebuza contemporizar, dar calma a Dhlakama enquanto ele concebia um exército novo e o Ematum [escândalo de frota pesqueira estatal usada para aquisição de material militar]. É essa coisa que estamos a viver: Bissopo [secretário-geral da Renamo, baleado por desconhecidos na Beira a 20 de janeiro], os quatro atentados de Dhlakama [incidentes entre setembro e outubro do ano passado, envolvendo a comitiva do líder da oposição]. Portanto o Acordo Geral de Paz não está a ser praticado pela Frelimo. O que eles dizem é que depois do Acordo fizeram a Constituição, mas é preciso resolver os problemas antes e esse é o problema fundamental. Até hoje falam de diálogo, mas o diálogo não é possível com morte. Foi para mim uma humilhação terrível o nosso Presidente da República, o máximo magistrado da nação, ter ido a Angola aprender como mataram Savimbi [referência a uma controversa declaração do atual chefe de Estado, Filipe Nyusi, proferida em novembro, em Luanda, quando apontou Angola como um exemplo de um país onde a oposição não anda armada].
* Serviço especial da Agência Lusa para a VISÃO
LEIA A ENTREVISTA COMPLETA NA EDIÇÃO DESTA SEMANA
O hábito não faz o monge
Há vezes que me pergunto a mim próprio como é que certas pessoas conseguem chegar até aos lugares cimeiros de certas instituições. Claro, a inteligência conta. Ser médico-chefe significa, em princípio, que se é bom médico. Bom, neste contexto, significa competência técnica. Ajuda também respeitar o lado ético da profissão, mas não me parece essencial. Agora, ser Bispo, Cardeal ou mesmo Papa depende menos de competência técnica. Se dependesse disso todos os Papas seriam professores de teologia como foi Ratzinger. Acho que atingir os lugares cimeiros da hierarquia eclesiástica significa que alguém é um exemplo do bom cristão, aquele que não só conhece o evangelho como também o pratica, portanto, um indivíduo que se define na sua maneira de estar no mundo por essa crença.
Digo isto a propósito do Arcebispo Emérito da Beira e da entrevista cujos excertos partilho aqui. Que tipo de cristão é este indivíduo? Como é que conseguiu ser Arcebispo com tanto ódio no coração, tanta maldade em relação aqueles com os quais não concorda, tanta indiferença em relação ao sofrimento humano, tanto desprezo pelo papel conciliador da Igreja? Não percebo. Num momento em que o país é posto em chamas pela irresponsabilidade do seu protegido a única coisa que lhe ocorre dizer ao mundo é que se sente humilhado pela interpretação despudoradamente errónea que ele faz do que Nyusi foi fazer em Angola – claro que não foi lá aprender como mataram Savimbi; se alguém devia ir a Angola é o seu protegido para aprender como não acabar como Savimbi (destruindo toda a sua obra política e reduzindo o seu partido à insignificância) – e desfiar teorias de conspiração que nem mesmo o diabo era capaz de tecer.
E é a Igreja que este indivíduo representa que é chamada a fazer a mediação. Uma parte do conflito vai ser mediadora! Só o respeito que tenho pelos amigos e familiares que são religiosos (e católicos) me impede de dizer mais sobre a vergonha que um indivíduo destes é para uma instituição que se define pelo bem. Mas uma coisa podemos aprender duma mente torturada como esta, pois este é o principal problema que muitos têm na Pérola do Índico: o seu ódio pela Frelimo – com ou sem razão, não importa – tolda a sua mente e impede-os de analisarem a situação do país como ela merece ser analisada e de forma útil para a ideia de Moçambique que eles próprios poderiam ter. Só ódio é muito pouco para formular uma alternativa política, pois o ódio leva-nos a desejar que tudo corra mal para disso tirarmos proveito e finalmente provarmos quão maus os outros são. Quem sabe, da mesma maneira que eu sonho com o Palácio do Governo de Gaza, o nosso prelado deve sonhar com uma República Autónoma onde ele, ao estilo dos Ayatolahs, será o líder espiritual. Uma República livre de Masenas, Matsua, Matxanganas, Machuabos e onde a língua oficial é Ndau. Que pecados cometeram os cristãos daquela zona para Deus ter decidido não esperar pelo Juízo Final e enviar já este representante como seu pastor?
1 comentário:
A situação militare em Moz xta a piorar, vamonos esquecer d kem é culpado e pedir ao chefe de estado e o líder da renamo pra k dialoguem porque xtao a morrer nossos irmãos de ambas partes. O meu apelo é: Deixem de fazer emboscadas ao Dhlakama, e confiem-se um ao outro pra se ultrapassar o k se vive actualmente.
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