Os refugiados malditos
Diariamente chegam ao campo de Kapise, no Malawi, centenas de homens e mulheres exaustas e segurando crianças apáticas e exauridas. Mais de metade dos refugiados são crianças. Caminham dia e noite das aldeias da província de Tete, trazendo apenas a roupa do corpo. Chegam desesperados e vulneráveis, fugindo do conflito político- -militar que lavra na região de Tete, sobretudo, no distrito de Tsangano e parte norte de Moatize. As cenas de sofrimento humano, que volta e meia vão gerando um debate emotivo e politicamente carregado, são bem documentadas pelo nosso jornal, na longa e exaustiva reportagem do nosso colaborador André Catueira, que publicamos nesta edição. Os primeiros nacionais, provenientes de Tete, chegaram a Kapise, em Junho de 2015. Contudo a agência da ONU para os refugiados, o ACNUR, faz notar que o fluxo de refugiados tem vindo a crescer e prevê que o número possa aumentar de 3500 para 5000 nos próximos dias, ultrapassando a capacidade dos centros de acolhimento. É simplesmente assustador e arrepiante. Mas estamos perante refugiados de guerra ou simples emigrantes? A partir de Addis Abeba (Etiópia), onde participava em mais uma cimeira da União Africana, o Presidente Filipe Nyusi, atabalhoadamente, tentou dissipar equívocos e afastar fantasmas. Colocou em causa a autenticidade dos refugiados, quando questionado sobre informações postas a circular sobre a presença de moçambicanos em campos de acolhimento precários no vizinho Malawi. Disse que o assunto deveria merecer uma abordagem mais ampla e minuciosa. Socorreu-se da geografia e da história. Precisou que a linha de fronteira entre Moçambique e Malawi não é clara em determinadas regiões e que muitos cidadãos assumem a nacionalidade moçambicana ou malawiana em função das suas conveniências de momento. Nyusi prosseguiu. Afirmou que o mais alto representante diplomá- tico de Moçambique no Malawi está a acompanhar a evolução dos acontecimentos, “porque não queremos ter o problema de chamar de refugiados a um movimento migratório que é regular”. Disse ainda, que existe um movimento ao longo da fronteira que é desencadeado por uma série de factores, tais como seca e distribuição de fertilizantes. Mas o que dizem as Nações Unidas? Um emigrante é aquele que busca condições melhores de vida noutro país, enquanto que um refugiado é alguém que foge de perseguição, conflito ou guerra. Quanto a nós, é simplesmente falso falar de emigrantes moçambicanos em Kapise, enquanto há um claro conflito político-militar em curso no país, que está a atingir níveis preocupantes em Tete. Claro que reconhecer a existência de refugiados é embaraçoso para o Governo. É tão embaraçoso como reconhecer que lavra um con- flito de baixa intensidade em Gaza, em Inhambane, em Sofala, na Zambézia e em Tete com mortes frequentes escondidas do público devido a razões políticas. Nestas circunstâncias, os moçambicanos dos campos do Malawi são um embaraço para o governo e por isso são, para já, tratados como um mero expediente político. Bem sabemos que, cinicamente, o governo gostaria que o foco das atenções fossem as populações afectadas pela seca no sul do país, para ver se acorrem ao país as tradicionais ajudas internacionais e para depois, no fim do ano, se justificarem incumprimentos de programas e metas por culpa da falta de chuva ou precipitação pluviométrica a mais. Pessoas que fogem de um conflito merecem apoios e quando os apelidamos de emigrantes e não refugiados, estamos a desprovê-los e privá-los de apoios que merecem. Do nosso ponto de vista é simples e evidente: estamos perante refugiados de guerra que precisam de uma abordagem diferente e séria. Apesar das excepções já registadas, as organizações humanitárias, de direitos humanos, nacionais e internacionais, a comunidade dos países e os organismos das Nações Unidas por pressão, ou por “solidariedade” com o governo de Moçambique não podem continuar a ignorar que há milhares de moçambicanos em situação de necessidade do outro lado da fronteira com o Malawi. O país Moçambique, os seus governantes, a sua sociedade civil não lhes podem virar as costas. Como parece estar a acontecer actualmente.
O dia 5 de Fevereiro da SCC da Frelimo tem sido analisado em Moçambique, naquilo que muito forçosamente chamaríamos de espaço público, em termos de fim ou de permanência, mas muito pouco se faz uma análise cerrada sobre aquilo que é a economia e sociologia política do funcionamento da Frelimo. Não poderei neste pequeno texto pretender fazer isso, mas tentarei colocar algumas ideias daquilo que penso sobre a economia política da Frelimo. Em 1925 Robert Michel publicava uma obra seminal da sociologia política moderna, sociologie du parti dans la démocratie moderne. Nesta obra de mais de 800 páginas interessa-me para este texto o quinto capítulo que se preocupa com a etiologia do fenómeno dirigente, pois ele permite analisar aquilo que são as propriedades constitutivas dos dirigentes. Depois da morte de Samora, a Frelimo transformou-se gradual e depois radicalmente numa organização semelhante a uma empresa privada onde diferentes grupos, indivíduos têm acções e podem fazer investimentos, acumular capitais, formar coalizões económicas. Ou seja, a Frelimo transforma-se numa verdadeira bolsa de valores onde presta-se mais atenção às dinâmicas diárias da evolução da economia que, não se limitando apenas às questões pecuniárias, estende-se a economia de ocupação de posições que permitem alargar o horizonte dos investimentos e de ascensão social. Desta forma, não é a política como projecto de sociedade que está no centro, mas política como instrumento que permita que processos de acumulação primitiva do capital sejam possíveis. Como podemos deduzir, não é a questão das ideias políticas, percepções de projecto de sociedade, orientação do projecto de desenvolvimento que está em causa, mas a base A empresa Frelimo? Por Régio Conrado infra-estrutural (Marx, Lukács,G. Achcar) dos membros que alimenta e guia quase todas as lutas internas da Frelimo actual. Se pensarmos com alguma atenção depois de Chissano, Guebuza e hoje Filipe Nyusi, o debate interno da Frelimo tem sido miserável em termos de projectos societais, mas rico em termos de quem é que ocupa este ou aquele posto, mas não são os postos em si que preocupam mas que tipo de acessos económicos isso dá ( J.K. Galbraith). A nomeação do governo não é em função do projecto polí- tico, mas em termos de distribuição de favores, acomodação, fortificação de alianças, consolidação de posições, abertura de novas filiais de investimento, etc (Daniel Bach). O governo e a direcção do partido vai, assim, reflectir a economia política da distribuição interna dos recursos, distribuição essa que tem orientado a fidelidade dos que participam dela como classe privilegiada. Se pensarmos nestes termos, não penso que devíamos debater em termos de fim do tal «guebuzismo» ou de sua continuidade, mas das dinâmicas internas de rupturas de contratos, continuidades dos investimentos e consolidação do valor das acções de uns em relação aos outros. Não podemos deixar de dizer que se há uma coisa que permite que a Frelimo continue «unida» é sobretudo o mecanismo do seu funcionamento, isto é, ela como um lugar privilegiado de acumula- ção de capital económico e social e menos porque são unidos ou porque há laços de amizades indestrutíveis. Não é a Frelimo enquanto ideias e projecto de sociedade que está no centro, porque não me parece que ainda exista. Nos últimos 20 anos os manifestos e programas da Frelimo são maioritariamente repetições sem grandes evoluções, mas isso não significa não movimento interno porque o processo de consolidação de grandes, pequenos e médios accionistas, funcionários sem acções tem sido um elemento presente e dominante. O dia 5 não deveria ser visto apenas como ponto de ruptura ou continuidade porque há os que podem ser retirados dos seus postos porém isso não significa perca do seu lugar como empresário na empresa Frelimo. Penso que nos últimos anos vimos que a mudança de um posto não significa mudança das dinâmicas internas da Frelimo. A obsessão pelas mudanças formais das análises que se fazem negligenciam os aspectos dos mecanismos internos de funcionamento que permitem e perpetuam grande parte dos nossos problemas como país já que a morte da Frelimo como empresa ou lugar de acumulação parece-me ser o grande problema para os seus accionistas. Uma grande parte, senão todos, dos membros da Frelimo são dependentes dessa máquina para a sua reprodução económica, social. A protecção dos interesses privados e de grupo tem ultrapassado todas as possíveis rupturas internas. Exemplos sobre isso não faltam. Basta recordar os últimos episódios da eleição de Filipe Nyusi como candidato à presidência da República. Ademais, aceitar que a Renamo governe ou não não tem nada que ver, em minha opinião, com questões ligadas às ideias mas, sobretudo, a necessidade da máquina estatal para distribuir postos, posições que permitem acumulação e fidelização. Perder seis províncias significa igualmente perca de possibilidade de nomear, de acumulação e criação de fracturas entre os grandes accionistas e pequenos/ médios accionistas e funcionários sem acções mas dependentes dessa máquina. A questão é profundamente séria. É a sobrevivência da Frelimo que está em causa. Sabemos que nesse processo de acumulação, o Estado ocupa esse lugar privilegiado da estruturação da Frelimo como empresa.
N a conferência de imprensa que concedeu no último domingo, 31 de Janeiro, aos jornalistas que o acompanharam a Adis Abeba, Etiópia, para onde se deslocara para participar em mais uma cimeira da União Africana (UA), o Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, pronunciou-se sobre o excessivamente prolongado impasse negocial entre o Governo de que ele é chefe e a Renamo, o maior partido da oposição em Moçambique, liderado por Afonso Dhlakama. Disse o PR, basicamente, o seguinte: que está difícil chegar à fala com Dhlakama; que, na ausência deste [Dhlakama], não se sabia quem era número dois, número três, na Renamo, o que tudo complicava; que a única coisa clara é o facto de o número um ser Dhlakama. Poderíamos nos ater na discussão da veracidade ou não do que o PR Da lamentação e omissão de Nyusi disse, mas tal não nos parece ser o mais importante neste momento. Se, num contexto clara e declaradamente de guerra (a que decorreu por 16 anos, entre 1976 e 1992), foi possí- vel negociar com a Renamo até que se assinasse, a 4 de Outubro de 1992, em Roma, o Acordo Geral de Paz (AGP), será que, na actual situação, tal é mesmo uma tarefa quase que impossível, ou extremamente difícil? Antes mesmo, talvez devamos questionar: depois que Dhlakama se fez, novamente, às matas da Gorongosa, após escapar ao segundo de dois ataques à sua comitiva, em Setembro de 2015, o que terá concorrido para que o líder da Renamo, uma vez saído das matas e se estabelecido na sua residência, na cidade da Beira, tivesse que se decidir, outra vez, em se refazer à ‘parte incerta’? Será que o desarmamento compulsivo a que a sua guarda foi sujeita, na manhã imediatamente a seguir à noite da sua chegada, não terá concorrido para que ele, se sentindo, como dizem, publicamente, influentes círculos renamistas, se decidisse nesse sentido? Nyusi se pronunciou em torno da alegada desorganização da Renamo alguns dias depois do secretário-geral daquele partido, Manuel Bissopo, ter sido vítima de um atentado contra a sua vida, na cidade da Beira, estando neste momento a beneficiar de relevante assistência médica numa clínica algures na vizinha África do Sul. Já agora, nos parece até verídico que se não sabe quem é o número três, quatro, na Renamo, depois de Dhlakama, indiscutivelmente número um, e de Bissopo, formalmente número dois. E na Frelimo? Sabe-se quem é o número três? Formalmente, o presidente e o secretário-geral são, respectivamente, números um e dois. A dimensão material pode ser controvertida nos dois principais partidos políticos do país, talvez se exceptuando nisso Dhlakama, cuja liderança partidária não encerra dúvidas, mesmo para o próprio PR. Aliás, no próprio Governo, se os números um e dois são, respectivamente, o PR e o Primeiro-Ministro (PM), qual era o posicionamento hierárquico de Armando Guebuza, na altura ministro dos Transportes e Comunicações, quando funcionou negociador-chefe da equipa governamental? E de José Pacheco, ministro da Agricultura [e Segurança Alimentar], mais recentemente? Se dúvidas ainda houvesse, já que houve quem festejasse o desarmamento compulsivo de parte da guarda de Dhlakama, o que foi por alguns confundido como o desarmamento da Renamo como um todo, há agora clareza quanto ao impacto negativo que tal está a ter sobre o processo de diálogo, que vinha decorrendo em moldes, há que confessar, insustentáveis e até nocivos ao próprio Estado de Direito Democrático, já que o Parlamento, pelo menos para o que fosse consensualizado ali, não passava de uma espécie de ‘cartório notarial’. Sendo Nyusi comandante-chefe das Forças de Defesa e Segurança (FDS), conforme estabelecido pela Constituição da República de Moçambique (CRM), e não tendo, até hoje, condenado os dois ataques de que Dhlakama foi vítima em Setembro de 2015, tendo sucedido o mesmo quanto ao desarmamento compulsivo de parte da guarda do líder da Renamo, ao aparecer, agora, a afirmar, sem reservas, que o facto de Dhlakama se achar neste momento em ‘parte incerta’ di- ficulta o restabelecimento efectivo da paz, o PR está, até prova em contrá- rio, a admitir que, naturalmente sem querer, cremos, está, ele próprio, a contribuir para que cada passo signifique coisa outra e não avanço. A única coisa que Nyusi fez foi apelar aos comandos das FDS para que primassem pela ponderação, como se ele fosse um mero analista. E, nos últimos dias, há notícias, quase que diá- rias, de ocorrência de confrontos, ali e acolá, com o que se estão a perder vidas e se está a recuar ainda mais. Achamos nós que talvez se deva, mesmo, relativizar esse posicionamento de Nyusi, segundo o qual o facto de Dhlakama estar em ‘parte incerta’, esteja a dificultar tudo. Terá, alguma vez, o Governo endereçado uma correspondência ao gabinete de Dhlakama, não tendo, a mesma, sido respondida? Até onde estamos informados, não. Por outro lado, sabemos, de fontes da Renamo e do próprio partido no poder, que Jacob Zuma, presidente da África do Sul, já se manifestou, designadamente em Novembro do ano passado, disponí- vel a mediar, mas que a solicitação, à luz do Direito Internacional, deve ser feita pelo Estado moçambicano e não por um partido político, neste caso a Renamo. O que Nyusi tem a dizer quanto a este aspecto? Sabe-se que a carta-resposta de Zuma chegou ao gabinete de Dhlakama por via da Embaixada de Moçambique em Pretória! A falta de confiança entre as partes, que existe desde os primórdios da nossa democracia, há-de estar, por estes dias, naturalmente mais agudizada, sobretudo depois dos dois ataques à comitiva de Dhlakama, do assalto oficial à residência deste e do atentado contra a vida de Bissopo, este último há duas semanas. Mas o PR não deve desfalecer, não deve nos transmitir cansaço, não deve se limitar a lamentações. Diferentemente de Guebuza, antecessor de Nyusi, que dizia que Dhlakama não tem palavra, o PR parece estar a esbarrar-se com algo mais grave ainda. Se a mediação interna já não se mostrar efectiva, julgamos nós que, pela paz, amigos e irmãos de fora nos podem apoiar. Ou se crê mesmo que pela via militar é possível resolver-se o diferendo? Bem, nós nos inclinamos, de forma inequívoca, aos que apregoam o diálogo como o princípio e o fim. Aliás, a história dos conflitos assim ensina!
E nquanto eu encontro o meu refúgio no vinho, nos livros e na música, a minha mulher tem o seu oásis na igreja, nas peregrinações anuais, nas deposições de flores e nas visitas aos idosos abandonados em enfermarias. De entremeio, cultiva uma paixão incondicional por tudo o que é programa televisivo ou radiofónico onde a mensagem seja essencialmente baseada em valores como honestidade, fraternidade, solidariedade. Estamos a escassos 2 anos de celebrar as nossas bodas de ouro e, como acontece frequentemente nesta fase da vida, enfrentamos muitas vezes a situação de nos vermos os dois sós nesta casa imensa, visto que os filhos estão criados e na diáspora, os netos na peugada dos pais e a maior parte dos nossos amigos ou morreram ou não têm pachorra para andar a fazer visitas de cortesia. De tal modo que, num certo domingo, ela convenceu-me a ver um desses programas. Começava pelas 19 e acabava um pouco antes do telejornal. O mentor desse programa era um tal Reverendo Manja. Sentei-me e preparei-me psicologicamente para enfrentar o martírio de ver alguém a perorar sobre honestidade, fraternidade e coisas que tais. Apareceu-me um setentão barbudo, de aspecto respeitável, careca. Mas antes mesmo de ele começar a falar, fiquei siderado: aquele Manja que me aparecia pela frente no televisor não era nem mais, nem menos do que o Humberto Gregório Manja. O Humberto Manja tinha sido meu amigo de infância em Xinavane, onde os dois nascemos e crescemos. Ele era o quinto e último filho dos seus pais. Para além de ser o último, tinha a particularidade de ser o único rapaz. Tudo isto, aliado ao facto de ter um aspecto franzino e um pouco amolecido, fez com que ele tivesse tido todos os cuidados possíveis. Era o que, na altura, chamávamos um menino mimado e chorão. Eram cuidados por parte da mãe, do pai e das quatro irmãs mais velhas. Ele não era particularmente brilhante, em termos de inteligência, nem particularmente dotado fisicamente. Mas era um menino bem-educado. De sorte que, aos onze anos, para além de frequentar a quarta classe, era sacristão na Paróquia de Xinavane. Esta era, na altura, uma vila onde o principal motor económico e social era a açucareira. O seu pai era guarda- -livros nesta companhia e a sua mãe professora. Aconteceu que num desses domingos, depois do ofertório, o menino Humberto se lembrou de meter a mãozinha no saco de sarja onde os fiéis depositavam os seus contributos. Era infalível – e tanto ele como o pároco sabiam – que dentre as moedas de 1 escudo, 50 centavos ou 5 escudos avultasse uma maior, que era o ofertório do Eng.º Lucas Gomes, da açucareira: era uma moeda de 20 escudos. Quando, nesse Domingo, o Humberto Manja meteu a mão pelo saco, facilmente entrou em contacto com a moeda e ficou de posse dela. O padre, que não era nenhum parvo, achou estranho que naquele dia a moeda lá não estivesse. Não podia, por razões morais, violentar o miúdo apalpando-lhe os bolsos ou obrigando-o a confessar que tinha roubado o dinheiro. E o Humberto sabia perfeitamente disso. Resistiu ao interrogatório do padre estoicamente e jurou a pés juntos que nunca tinha metido a mão no saco. Sei disto de forma certa não só porque o Humberto me contou mais tarde, como também porque compartilhei com ele o festim que fez com aqueles 20 escudos, uma semana mais tarde, numa tarde folgada de domingo. Foi bonito: nunca bebi tanta limonada na minha vida. Mas o vírus tinha ficado. Anos mais tarde, a caminho dos 30 anos, o Humberto tinha emprego como recepcionista num hotel de primeira, já em Maputo. Em cumplicidade com o contabilista do hotel, cultivou um sofisticado esquema de desvio de parte significativa das receitas dos hóspedes. Quando a sua conta bancária já estava muitíssimo acima da média e uma vez que o patronato já começava a desconfiar do facto de os lucros não corresponderem à rotação dos hóspedes, Humberto Gregório Manja deu às de Vila Diogo. Foi parar à África do Sul e desapareceu do meu radar durante muitos anos. Fiquei escandalizado quando naquele domingo, com a minha mulher, perante o televisor, vi aquele mesmo Humberto Manja, com sotaina de reverendo, a dar lições de moral sobre o valor da honestidade, da sinceridade e da fraternidade, e sobre a importância que temos de dar a nós próprios, comportando- -nos de forma a não merecermos nunca o reparo de ninguém. Dizia ele, a encerrar o seu programa: “Nunca devemos dar o flanco ao Diabo.” Quando deram o programa por terminado, ela perguntou-me: “Gostaste, Cesinando?” De joelhos, na pia, vomitei copiosamente.
Uma tese: quanto maior for a desigualdade social maior será o coefi- ciente de crime existente. As sociedades que puderam distribuir melhor a riqueza social são aquelas com um menor coeficiente criminal. O criminoso não é um fenómeno natural, mas social. Temos o hábito de fazer das consequências das relações sociais as suas causas. Bem mais complicado é aceitar como causas as condições sociais que geram os comportamentos que transformamos em consequências, aceitar que a violência é iminentemente social e não natural. A terminar, permitam-me dar- -vos conta da seguinte citação: “O fortalecimento penal do Estado não diminui a insegurança social, uma vez que actua diretamente contra os criminosos e não contra as causas do crime.” (Débora Regina Pastana, “Cultura do medo, Reflexões sobre a violência criminal, controle social e cidadania no Brasil”. São Paulo, IBCCRIM, 2003, p. 89).
Matola
No momento em que o SAVANA sair à rua estará reunido, na Matola, o Comité Central do partido Frelimo. Pelas salas e corredores do edifício da Escola daquele partido estarão a circular homens e mulheres sorridentes, estarão a estalar pancadinhas amistosas nas costas, cantar- -se-ão, possivelmente, velhas canções da luta armada. Sempre com o tratamento de “camarada” na ponta das línguas. Como tem sido sempre. Pelo menos perante os órgãos de informação e a opinião pú- blica. Mas também como tem sido quase sempre, nas caves do edifício afiam-se punhais políticos e destilam-se venenos de oratória para os combates que vão decorrer à porta fechada. Frente a frente deverão estar duas linhas diferentes, em grande parte opostas: as da renovação, encabeçadas por Filipe Nyusi, e as da continuidade, conduzidas (abertamente ou dos bastidores) por Armando Guebuza. Como ruídos de fundo nesta encenação, chegam os ecos de tiros disparados no centro e sul do país. E gritos de agonia. O resultado das desavenças e alianças, dos conluios e das traições, dos convencimentos e da compra de votos é imprevisível. Na anterior reunião do Comité Central Armando Guebuza entrou eufórico e triunfalista para sair, poucos dias depois, humilhado e ofendido, pela porta das traseiras. Mas aí pode-se pensar que ele foi apanhado de surpresa e só sentiu os punhais a entrarem-lhe nas costas quando já não havia nada a fazer. Desta vez estará mais consciente e terá, imagina-se, movimentado as suas poderosas peças no tabuleiro do jogo. E as suas peças não podem ser desprezadas. De qualquer forma se, para os jogadores na Matola, a questão é saber quem vai controlar os destinos do país daqui para a frente e, portanto, o acesso aos recursos de todo o tipo de que Moçambique é rico, para os vinte e tal milhões de outros mo- çambicanos o significado de vencerem uns ou vencerem outros pode traduzir-se na Paz ou na Guerra, no bem- -estar ou na pobreza miserá- vel para a maioria. Pode ainda acontecer, como no futebol, haver um empate técnico. E ser necessário um prolongamento até próximo encontro do Comité Central ou ir a penáltis com um Congresso extraordinário. Mas a situação político-militar, muito agravada, e a economia, em queda livre, não me parecem aconselhar nem uma coisa nem outra. A ver vamos...
O 3 de Fevereiro, como já se previa, “enfadonhou-se” no seu conhecido ritual focalizado na exaltação de dirigentes e guerrilheiros bafejados pela “sorte” de não serem esquecidos. A data em si tem o seu conteúdo. Mas, continua a ser uma espécie de pecado questionar os feitos deste ou daquele considerado oficialmente como herói ou heroína. Um tabu psicologicamente assumido como tal. Não basta dizer que heróis somos todos nós que acordamos e batalhamos pela sobrevivência nas machambas, nas empresas, nos “my love”, e por aí em diante. A heroicidade cabe aos heróis, o que significa que o tempo encarrega-se (sempre) de ajustar as contas com heróis de base administrativa. Alguns preferem mesmo dizer que “há heróis e heróis”. Em tempo: “Olá Paz!” Sim, como dizia, houve exaltação deste e daquele herói, mais de uns que de outros, o que é perfeitamente compreensível, mas a tónica dos discursos e entrevistas estiveram inequivocamente virados para a questão da paz e concórdia nacional. Quando há bem pouco tempo o “Olá Paz!” atingiu o seu pico alto conseguindo “tirar” A. Dhlakama da suposta “parte incerta” para a cidade da Beira praticamente todos aplaudimos. Entretanto, este grande ganho depressa se transformou, uma vez mais, no reforço da desconfiança entre o Governo e a Renamo. Assistiu-se depois a uma espécie de abrandamento da marcha relativamente ao interesse num encontro entre o PR e o Líder da Renamo motivado pelo atentado a Dhlakama. Enquanto os repetidos bombardeamentos radiofónicos iam dando a ideia de uma total abertura, por parte do PR, num encontro com Dhlakama eis que surge mais um atentado no rol de uma série de outros. M. Bissopo, considerado segundo homem forte da Renamo, escapa por um triz. Retoma-se então com mais pujança o discurso de abertura ao diálogo no final de Janeiro e princípios de Fevereiro (1ª semana). A ideia básica é apresentar em palco quem não está interessado no diálogo, o que cria muitas dúvidas, porque o árbitro destaca-se como jogador que sempre foi. O “árbitro” diz que a Renamo é um partido “totalmente desorganizado e sem estrutura” mas sabe-se que em vinte anos (tempo de Chissano) conseguiu contribuir para a manutenção da paz em Moçambique. Isto faz lembrar a ideia segundo a qual “quando o inimigo/adversário te elogia é porque algo não está bem”. O “Olá paz!” não vincou, mas ainda não está a um nível assumidamente disfuncional. Este acenar, esta saudação parece não ter sido chancelada como palavra de ordem tendente a pôr de lado as nossas divergências e a comungarmos um ideal de entendimento rumo ao desenvolvimento de Moçambique. Só com coragem é que podemos alcançar a paz, é verdade. Mas de que coragem é que uns e outros falam? Cá entre nós: o som do batuque endurece a maçaroca e espanta a perdiz. Diz-se que esta ave prefere produzir o seu próprio som a partir do seu próprio batuque. Estes adversários esqueceram-se de trocar elogios entre si. Não queremos ser o capim que vai sofrer com as batucadas nessa forte sessão de dança que perigosamente se aproxima (ou que parece ter-se iniciado).
Execuções sumárias, raptos, violações, agressões, assolam Bujumbura, ameaçando o retorno às guerras entre hutus e tutsis que devastaram o Burundi desde os anos 1970 até ao início deste século. A candidatura a um terceiro mandato presidencial de cinco anos do hutu Pierre Nkurunziza degenerou num conflito político que está a assumir rapidamente contornos de ajuste de contas étnico. Contam-se cerca de meio milhar de mortes desde Abril de 2015, mas no confronto entre apoiantes e opositores de Nkurunziza sobressai agora a retórica governamental de defesa dos interesses dos patriotas hutus contra os inimigos do Burundi em que, ignominiosamente, predominam tutsis. Um país abandonado à sua sorte A cimeira da União Africana em Addis Ababa recuou este fim-de-semana na intenção, anunciada em Dezembro, de enviar um contigente de 5 mil militares para o Burundi. O artigo 4.º da Carta da UA permite uma intervenção sem consentimento do governo legalmente reconhecido em caso de “crimes de guerra, genocídio ou crimes contra a humanidade”. Bujumbura ameaçara resistir pela força à entrada de tropas estrangeiras e, na ausência de acordo maioritário entre os demais 53 Estados, a UA abandonou a ideia de uma acção militar sem precedentes desde a fundação da organização em 2002. O Conselho de Segurança da ONU constatou, por sua vez, em Novembro, não dispor de meios para estancar a violência crescente no Burundi. Na formulação fatalista da presidente do CS, a norte-americana Samantha Power, o Burundi “está a caminho do Inferno”. A instrumentalização política Após quatro dos sete juízes do tribunal constitucional terem aceitado em Maio a candidatura de Nkurunziza, o antigo chefe de Estado-maior do Exército, o hutu Godefroid Niyimbare, lançou um golpe de Estado, tendo o fracasso da rebelião gerado as primeiras vagas de repressão na capital. Os protestos organizados por partidos hutus e tutsis culminaram no boicote pela oposição da eleição presidencial em Julho e, apesar de dissensões entre dirigentes do partido governamental hutu, Conseil National Pour la Défense de la Démocratie-Forces pour la Défense de la Démocratie, a maioria dos militantes alinhou com Nkurunziza. Na sequência de atentados contra figuras proeminentes do partido do presidente e oposicionistas a 11 de Dezembro foram atacadas bases militares e uma escola do exército em Bujumbura. A reactivação de milícias do tempo da guerra civil e a intervenção de diversos bandos armados agudizaram a atmosfera de violência, tendo as retaliações governamentais centrado-se sobretudo em bairros de maioria tutsi da capital onde a contestação ao presidente tem sido mais virulenta. Censura e perseguição de jornalistas e observadores estrangeiros não obstaram a que tenham sido identificados centenas de mortos e assinaladas valas comuns, numa altura em que mais de 230 mil dos 9 milhões de habitantes já fugiram para Congo, Ruanda e Tanzânia. Indícios de uma purga nas forças armadas, onde cerca de 60% dos oficiais são hutus, proclamações de combate contra inimigos da nação e do Estado, denotam a instrumentalização de filiações étnicas por parte da elite associada ao Presidente. Oficiais dissentes, como o tenente-coronel, Edouard Nshimirimana, anunciaram, entretanto, a formação de frentes militares como a Force Républicane do Burundi, para combaterem o Presidente que conta com forte apoio na zonas rurais de maioria hutu. Paz precária, guerra latente A partilha equitativa de poder entre hutus (85% da população) e tutsis (14%, contando-se, ainda, 1% de pigmeus caçadores Twa) aceite nos acordos de paz mediados pela Tanzânia, África do Sul e Estados Unidos, esteve na base da pacificação do Burundi a partir de 2005. Desde a independência da Bélgica, em 1962, o Burundi registou mais de 250 mil mortes em conflitos armados e dois genocídios - em 1972, vitimando em particular hutus, e 1993, dizimando essencialmente tutsis -, nos termos da definição de tentativa de destruição da totalidade ou parte de grupo étnico (Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, 1948). A guerra civil que se prolongou por mais de uma década a partir de Outubro de 1993 provocou, posteriormente, para cima de 300 mil mortos no quadro das convulsões que assolaram toda a Região dos Grandes Lagos. Para o homem-forte do Ruanda, Paul Kagame, é intolerável uma repetição de chacinas de tutsis por parte de radicais hutus no país vizinho o que ameaça a rápida internacionalização do conflito. À espera do pior A ameaça de recusa de vistos de entrada, o congelamento de contas bancárias e o arresto de bens em países como a África do Sul ou o Quénia podem revelar-se eficazes contra alguns apoiantes influentes de Nkurunziza, mas a aplicação de san- ções dificilmente irá alterar a dinâmica do conflito. Impor a retirada dos 5.432 militares que o Burundi mobilizou para a Missão da União Africana na Somália, fazendo mossa nos soldos do exército, contribuiria para maior desestabiliza- ção. Impotência internacional para pressionar as partes em conflito, em particular o governo e o exército, ausência de diálogo político sob mediação do Vaticano, ONU ou UA, e ameaça de intervenção do Ruanda caracterizam o impasse. O controlo da administração estatal é a chave para negócios, influência e poder num país agrícola dependente do rendimento das exportações de café, com fortíssima densidade populacional - a segunda maior da África Continental a seguir ao Ruanda. Sem saídas no mercado de trabalho para uma população muito jovem, cerca de 40% dos habitantes têm 15 anos ou menos, qualquer confronto político no Burundi corre o risco de acentuar clivagens étnicas em que muito contam memórias de actos de extrema violência.
Os sinais de retoma do diálogo político entre o governo e a Renamo, para se ultrapassar a tensão político-militar no país, estão cada vez mais longe, dada a troca de acusações entre as partes. Enquanto o chefe de Estado, Filipe Nyusi, diz que a falta de clareza na estrutura hierárquica da Renamo dificulta o reatamento do diálogo, o maior partido da oposição acusa Nyusi de falta de seriedade e capacidade de liderança, uma vez que os seus antecessores conseguiram negociar com o movimento, mesmo desconhecendo a sequência da sua estrutura hierárquica. Numa altura em que já iniciou a contagem decrescente para Março, mês em que o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, diz que vai começar a governar as seis províncias onde reclama vitória eleitoral, o rumo do país mostra-se cada vez mais incerto. Enquanto Dhlakama estica a corda, o Presidente da República vai dando tiros a vários alvos, numa acção que pode ser vista como tentativa de fragilizar os intervenientes do di- álogo político. No ano passado, Filipe Nyusi falou da existência de oportunistas que, do nada, pretendiam integrar o processo negocial, como mediadores, sem nenhuma experiência na área. Depois atacou os observadores que, além de os ter chamado oportunistas, também os acusou de não transmitirem fielmente as mensagens às partes pelo protagonismo que pretendiam tirar do processo. Esta semana virou os canos para a sua contraparte do diálogo e disse estar a enfrentar dificuldades para reatar o diálogo por falta de clareza na hierarquia da segunda maior força política nacional. Isto porque, como Dhlakama não é visto publicamente desde 9 de Outubro de 2015, não sabe com quem dialogar, uma vez que a sequência do partido não permite saber quem segue a quem. Esta terça-feira, o SAVANA contactou o porta-voz da Renamo, António Muchanga, que, prontamente, deplorou as acusações do chefe de Estado, tendo de seguida o acusado de falta de seriedade e capacidade de liderança. Muchanga diz não perceber porque é que Nyusi levanta a questão da hierarquia da Renamo, uma vez que os seus antecessores, Joaquim Chissano e Armando Guebuza, entraram em negociações com a “perdiz”, que resultaram no Acordo Geral de Paz e entendimento sobre a cessação das hostilidades militares, respectivamente. Refere o deputado que, em ambos os processos, ninguém procurou saber da estrutura hierárquica da Renamo, nem quem era o número dois ou três. Prosseguindo, disse que, no ano passado, o seu partido enviou uma correspondência à Presidência da República, solicitando o reatamento do diálogo e uma nova composição da equipa de mediação, que integraria bispos católicos e Jacob Zuma, Presidente sul-africano, mas, até ao momento, a Renamo diz que ainda obteve nenhuma resposta. Muchanga diz não perceber o sentido das declarações de Filipe Nyusi, numa altura em que o mais importante é o estabelecimento da paz no país e não a posição dos membros do seu partido. Lamentou o facto de o chefe de Estado fazer referência à hierarquia no principal partido da oposição, sem se ter pronunciado sobre os atentados contra Afonso Dhlakama e Manuel Bissopo. Devido a estes atentados, a Renamo, adiantou António Muchanga, descarta por enquanto a possibilidade da realização de um encontro entre Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama e aponta como saída a utilização de emissários, tal como fizeram os antigos presidentes da república. No entanto, o porta-voz da Renamo acusa Nyusi de falta de liderança, referindo que, enquanto presidente da Frelimo diz uma coisa e a comissão política, juntamente com os primeiros secretários, quer provinciais ou distritais fazem o contrário, desmentindo as suas declarações.
Diariamente chegam ao campo de Kapise, no Malawi, centenas de homens e mulheres exaustas e segurando crianças apáticas e exauridas. Mais de metade dos refugiados são crianças. Caminham dia e noite das aldeias da província de Tete, trazendo apenas a roupa do corpo. Chegam desesperados e vulneráveis, fugindo do conflito político- -militar que lavra na região de Tete, sobretudo, no distrito de Tsangano e parte norte de Moatize. As cenas de sofrimento humano, que volta e meia vão gerando um debate emotivo e politicamente carregado, são bem documentadas pelo nosso jornal, na longa e exaustiva reportagem do nosso colaborador André Catueira, que publicamos nesta edição. Os primeiros nacionais, provenientes de Tete, chegaram a Kapise, em Junho de 2015. Contudo a agência da ONU para os refugiados, o ACNUR, faz notar que o fluxo de refugiados tem vindo a crescer e prevê que o número possa aumentar de 3500 para 5000 nos próximos dias, ultrapassando a capacidade dos centros de acolhimento. É simplesmente assustador e arrepiante. Mas estamos perante refugiados de guerra ou simples emigrantes? A partir de Addis Abeba (Etiópia), onde participava em mais uma cimeira da União Africana, o Presidente Filipe Nyusi, atabalhoadamente, tentou dissipar equívocos e afastar fantasmas. Colocou em causa a autenticidade dos refugiados, quando questionado sobre informações postas a circular sobre a presença de moçambicanos em campos de acolhimento precários no vizinho Malawi. Disse que o assunto deveria merecer uma abordagem mais ampla e minuciosa. Socorreu-se da geografia e da história. Precisou que a linha de fronteira entre Moçambique e Malawi não é clara em determinadas regiões e que muitos cidadãos assumem a nacionalidade moçambicana ou malawiana em função das suas conveniências de momento. Nyusi prosseguiu. Afirmou que o mais alto representante diplomá- tico de Moçambique no Malawi está a acompanhar a evolução dos acontecimentos, “porque não queremos ter o problema de chamar de refugiados a um movimento migratório que é regular”. Disse ainda, que existe um movimento ao longo da fronteira que é desencadeado por uma série de factores, tais como seca e distribuição de fertilizantes. Mas o que dizem as Nações Unidas? Um emigrante é aquele que busca condições melhores de vida noutro país, enquanto que um refugiado é alguém que foge de perseguição, conflito ou guerra. Quanto a nós, é simplesmente falso falar de emigrantes moçambicanos em Kapise, enquanto há um claro conflito político-militar em curso no país, que está a atingir níveis preocupantes em Tete. Claro que reconhecer a existência de refugiados é embaraçoso para o Governo. É tão embaraçoso como reconhecer que lavra um con- flito de baixa intensidade em Gaza, em Inhambane, em Sofala, na Zambézia e em Tete com mortes frequentes escondidas do público devido a razões políticas. Nestas circunstâncias, os moçambicanos dos campos do Malawi são um embaraço para o governo e por isso são, para já, tratados como um mero expediente político. Bem sabemos que, cinicamente, o governo gostaria que o foco das atenções fossem as populações afectadas pela seca no sul do país, para ver se acorrem ao país as tradicionais ajudas internacionais e para depois, no fim do ano, se justificarem incumprimentos de programas e metas por culpa da falta de chuva ou precipitação pluviométrica a mais. Pessoas que fogem de um conflito merecem apoios e quando os apelidamos de emigrantes e não refugiados, estamos a desprovê-los e privá-los de apoios que merecem. Do nosso ponto de vista é simples e evidente: estamos perante refugiados de guerra que precisam de uma abordagem diferente e séria. Apesar das excepções já registadas, as organizações humanitárias, de direitos humanos, nacionais e internacionais, a comunidade dos países e os organismos das Nações Unidas por pressão, ou por “solidariedade” com o governo de Moçambique não podem continuar a ignorar que há milhares de moçambicanos em situação de necessidade do outro lado da fronteira com o Malawi. O país Moçambique, os seus governantes, a sua sociedade civil não lhes podem virar as costas. Como parece estar a acontecer actualmente.
O dia 5 de Fevereiro da SCC da Frelimo tem sido analisado em Moçambique, naquilo que muito forçosamente chamaríamos de espaço público, em termos de fim ou de permanência, mas muito pouco se faz uma análise cerrada sobre aquilo que é a economia e sociologia política do funcionamento da Frelimo. Não poderei neste pequeno texto pretender fazer isso, mas tentarei colocar algumas ideias daquilo que penso sobre a economia política da Frelimo. Em 1925 Robert Michel publicava uma obra seminal da sociologia política moderna, sociologie du parti dans la démocratie moderne. Nesta obra de mais de 800 páginas interessa-me para este texto o quinto capítulo que se preocupa com a etiologia do fenómeno dirigente, pois ele permite analisar aquilo que são as propriedades constitutivas dos dirigentes. Depois da morte de Samora, a Frelimo transformou-se gradual e depois radicalmente numa organização semelhante a uma empresa privada onde diferentes grupos, indivíduos têm acções e podem fazer investimentos, acumular capitais, formar coalizões económicas. Ou seja, a Frelimo transforma-se numa verdadeira bolsa de valores onde presta-se mais atenção às dinâmicas diárias da evolução da economia que, não se limitando apenas às questões pecuniárias, estende-se a economia de ocupação de posições que permitem alargar o horizonte dos investimentos e de ascensão social. Desta forma, não é a política como projecto de sociedade que está no centro, mas política como instrumento que permita que processos de acumulação primitiva do capital sejam possíveis. Como podemos deduzir, não é a questão das ideias políticas, percepções de projecto de sociedade, orientação do projecto de desenvolvimento que está em causa, mas a base A empresa Frelimo? Por Régio Conrado infra-estrutural (Marx, Lukács,G. Achcar) dos membros que alimenta e guia quase todas as lutas internas da Frelimo actual. Se pensarmos com alguma atenção depois de Chissano, Guebuza e hoje Filipe Nyusi, o debate interno da Frelimo tem sido miserável em termos de projectos societais, mas rico em termos de quem é que ocupa este ou aquele posto, mas não são os postos em si que preocupam mas que tipo de acessos económicos isso dá ( J.K. Galbraith). A nomeação do governo não é em função do projecto polí- tico, mas em termos de distribuição de favores, acomodação, fortificação de alianças, consolidação de posições, abertura de novas filiais de investimento, etc (Daniel Bach). O governo e a direcção do partido vai, assim, reflectir a economia política da distribuição interna dos recursos, distribuição essa que tem orientado a fidelidade dos que participam dela como classe privilegiada. Se pensarmos nestes termos, não penso que devíamos debater em termos de fim do tal «guebuzismo» ou de sua continuidade, mas das dinâmicas internas de rupturas de contratos, continuidades dos investimentos e consolidação do valor das acções de uns em relação aos outros. Não podemos deixar de dizer que se há uma coisa que permite que a Frelimo continue «unida» é sobretudo o mecanismo do seu funcionamento, isto é, ela como um lugar privilegiado de acumula- ção de capital económico e social e menos porque são unidos ou porque há laços de amizades indestrutíveis. Não é a Frelimo enquanto ideias e projecto de sociedade que está no centro, porque não me parece que ainda exista. Nos últimos 20 anos os manifestos e programas da Frelimo são maioritariamente repetições sem grandes evoluções, mas isso não significa não movimento interno porque o processo de consolidação de grandes, pequenos e médios accionistas, funcionários sem acções tem sido um elemento presente e dominante. O dia 5 não deveria ser visto apenas como ponto de ruptura ou continuidade porque há os que podem ser retirados dos seus postos porém isso não significa perca do seu lugar como empresário na empresa Frelimo. Penso que nos últimos anos vimos que a mudança de um posto não significa mudança das dinâmicas internas da Frelimo. A obsessão pelas mudanças formais das análises que se fazem negligenciam os aspectos dos mecanismos internos de funcionamento que permitem e perpetuam grande parte dos nossos problemas como país já que a morte da Frelimo como empresa ou lugar de acumulação parece-me ser o grande problema para os seus accionistas. Uma grande parte, senão todos, dos membros da Frelimo são dependentes dessa máquina para a sua reprodução económica, social. A protecção dos interesses privados e de grupo tem ultrapassado todas as possíveis rupturas internas. Exemplos sobre isso não faltam. Basta recordar os últimos episódios da eleição de Filipe Nyusi como candidato à presidência da República. Ademais, aceitar que a Renamo governe ou não não tem nada que ver, em minha opinião, com questões ligadas às ideias mas, sobretudo, a necessidade da máquina estatal para distribuir postos, posições que permitem acumulação e fidelização. Perder seis províncias significa igualmente perca de possibilidade de nomear, de acumulação e criação de fracturas entre os grandes accionistas e pequenos/ médios accionistas e funcionários sem acções mas dependentes dessa máquina. A questão é profundamente séria. É a sobrevivência da Frelimo que está em causa. Sabemos que nesse processo de acumulação, o Estado ocupa esse lugar privilegiado da estruturação da Frelimo como empresa.
N a conferência de imprensa que concedeu no último domingo, 31 de Janeiro, aos jornalistas que o acompanharam a Adis Abeba, Etiópia, para onde se deslocara para participar em mais uma cimeira da União Africana (UA), o Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, pronunciou-se sobre o excessivamente prolongado impasse negocial entre o Governo de que ele é chefe e a Renamo, o maior partido da oposição em Moçambique, liderado por Afonso Dhlakama. Disse o PR, basicamente, o seguinte: que está difícil chegar à fala com Dhlakama; que, na ausência deste [Dhlakama], não se sabia quem era número dois, número três, na Renamo, o que tudo complicava; que a única coisa clara é o facto de o número um ser Dhlakama. Poderíamos nos ater na discussão da veracidade ou não do que o PR Da lamentação e omissão de Nyusi disse, mas tal não nos parece ser o mais importante neste momento. Se, num contexto clara e declaradamente de guerra (a que decorreu por 16 anos, entre 1976 e 1992), foi possí- vel negociar com a Renamo até que se assinasse, a 4 de Outubro de 1992, em Roma, o Acordo Geral de Paz (AGP), será que, na actual situação, tal é mesmo uma tarefa quase que impossível, ou extremamente difícil? Antes mesmo, talvez devamos questionar: depois que Dhlakama se fez, novamente, às matas da Gorongosa, após escapar ao segundo de dois ataques à sua comitiva, em Setembro de 2015, o que terá concorrido para que o líder da Renamo, uma vez saído das matas e se estabelecido na sua residência, na cidade da Beira, tivesse que se decidir, outra vez, em se refazer à ‘parte incerta’? Será que o desarmamento compulsivo a que a sua guarda foi sujeita, na manhã imediatamente a seguir à noite da sua chegada, não terá concorrido para que ele, se sentindo, como dizem, publicamente, influentes círculos renamistas, se decidisse nesse sentido? Nyusi se pronunciou em torno da alegada desorganização da Renamo alguns dias depois do secretário-geral daquele partido, Manuel Bissopo, ter sido vítima de um atentado contra a sua vida, na cidade da Beira, estando neste momento a beneficiar de relevante assistência médica numa clínica algures na vizinha África do Sul. Já agora, nos parece até verídico que se não sabe quem é o número três, quatro, na Renamo, depois de Dhlakama, indiscutivelmente número um, e de Bissopo, formalmente número dois. E na Frelimo? Sabe-se quem é o número três? Formalmente, o presidente e o secretário-geral são, respectivamente, números um e dois. A dimensão material pode ser controvertida nos dois principais partidos políticos do país, talvez se exceptuando nisso Dhlakama, cuja liderança partidária não encerra dúvidas, mesmo para o próprio PR. Aliás, no próprio Governo, se os números um e dois são, respectivamente, o PR e o Primeiro-Ministro (PM), qual era o posicionamento hierárquico de Armando Guebuza, na altura ministro dos Transportes e Comunicações, quando funcionou negociador-chefe da equipa governamental? E de José Pacheco, ministro da Agricultura [e Segurança Alimentar], mais recentemente? Se dúvidas ainda houvesse, já que houve quem festejasse o desarmamento compulsivo de parte da guarda de Dhlakama, o que foi por alguns confundido como o desarmamento da Renamo como um todo, há agora clareza quanto ao impacto negativo que tal está a ter sobre o processo de diálogo, que vinha decorrendo em moldes, há que confessar, insustentáveis e até nocivos ao próprio Estado de Direito Democrático, já que o Parlamento, pelo menos para o que fosse consensualizado ali, não passava de uma espécie de ‘cartório notarial’. Sendo Nyusi comandante-chefe das Forças de Defesa e Segurança (FDS), conforme estabelecido pela Constituição da República de Moçambique (CRM), e não tendo, até hoje, condenado os dois ataques de que Dhlakama foi vítima em Setembro de 2015, tendo sucedido o mesmo quanto ao desarmamento compulsivo de parte da guarda do líder da Renamo, ao aparecer, agora, a afirmar, sem reservas, que o facto de Dhlakama se achar neste momento em ‘parte incerta’ di- ficulta o restabelecimento efectivo da paz, o PR está, até prova em contrá- rio, a admitir que, naturalmente sem querer, cremos, está, ele próprio, a contribuir para que cada passo signifique coisa outra e não avanço. A única coisa que Nyusi fez foi apelar aos comandos das FDS para que primassem pela ponderação, como se ele fosse um mero analista. E, nos últimos dias, há notícias, quase que diá- rias, de ocorrência de confrontos, ali e acolá, com o que se estão a perder vidas e se está a recuar ainda mais. Achamos nós que talvez se deva, mesmo, relativizar esse posicionamento de Nyusi, segundo o qual o facto de Dhlakama estar em ‘parte incerta’, esteja a dificultar tudo. Terá, alguma vez, o Governo endereçado uma correspondência ao gabinete de Dhlakama, não tendo, a mesma, sido respondida? Até onde estamos informados, não. Por outro lado, sabemos, de fontes da Renamo e do próprio partido no poder, que Jacob Zuma, presidente da África do Sul, já se manifestou, designadamente em Novembro do ano passado, disponí- vel a mediar, mas que a solicitação, à luz do Direito Internacional, deve ser feita pelo Estado moçambicano e não por um partido político, neste caso a Renamo. O que Nyusi tem a dizer quanto a este aspecto? Sabe-se que a carta-resposta de Zuma chegou ao gabinete de Dhlakama por via da Embaixada de Moçambique em Pretória! A falta de confiança entre as partes, que existe desde os primórdios da nossa democracia, há-de estar, por estes dias, naturalmente mais agudizada, sobretudo depois dos dois ataques à comitiva de Dhlakama, do assalto oficial à residência deste e do atentado contra a vida de Bissopo, este último há duas semanas. Mas o PR não deve desfalecer, não deve nos transmitir cansaço, não deve se limitar a lamentações. Diferentemente de Guebuza, antecessor de Nyusi, que dizia que Dhlakama não tem palavra, o PR parece estar a esbarrar-se com algo mais grave ainda. Se a mediação interna já não se mostrar efectiva, julgamos nós que, pela paz, amigos e irmãos de fora nos podem apoiar. Ou se crê mesmo que pela via militar é possível resolver-se o diferendo? Bem, nós nos inclinamos, de forma inequívoca, aos que apregoam o diálogo como o princípio e o fim. Aliás, a história dos conflitos assim ensina!
E nquanto eu encontro o meu refúgio no vinho, nos livros e na música, a minha mulher tem o seu oásis na igreja, nas peregrinações anuais, nas deposições de flores e nas visitas aos idosos abandonados em enfermarias. De entremeio, cultiva uma paixão incondicional por tudo o que é programa televisivo ou radiofónico onde a mensagem seja essencialmente baseada em valores como honestidade, fraternidade, solidariedade. Estamos a escassos 2 anos de celebrar as nossas bodas de ouro e, como acontece frequentemente nesta fase da vida, enfrentamos muitas vezes a situação de nos vermos os dois sós nesta casa imensa, visto que os filhos estão criados e na diáspora, os netos na peugada dos pais e a maior parte dos nossos amigos ou morreram ou não têm pachorra para andar a fazer visitas de cortesia. De tal modo que, num certo domingo, ela convenceu-me a ver um desses programas. Começava pelas 19 e acabava um pouco antes do telejornal. O mentor desse programa era um tal Reverendo Manja. Sentei-me e preparei-me psicologicamente para enfrentar o martírio de ver alguém a perorar sobre honestidade, fraternidade e coisas que tais. Apareceu-me um setentão barbudo, de aspecto respeitável, careca. Mas antes mesmo de ele começar a falar, fiquei siderado: aquele Manja que me aparecia pela frente no televisor não era nem mais, nem menos do que o Humberto Gregório Manja. O Humberto Manja tinha sido meu amigo de infância em Xinavane, onde os dois nascemos e crescemos. Ele era o quinto e último filho dos seus pais. Para além de ser o último, tinha a particularidade de ser o único rapaz. Tudo isto, aliado ao facto de ter um aspecto franzino e um pouco amolecido, fez com que ele tivesse tido todos os cuidados possíveis. Era o que, na altura, chamávamos um menino mimado e chorão. Eram cuidados por parte da mãe, do pai e das quatro irmãs mais velhas. Ele não era particularmente brilhante, em termos de inteligência, nem particularmente dotado fisicamente. Mas era um menino bem-educado. De sorte que, aos onze anos, para além de frequentar a quarta classe, era sacristão na Paróquia de Xinavane. Esta era, na altura, uma vila onde o principal motor económico e social era a açucareira. O seu pai era guarda- -livros nesta companhia e a sua mãe professora. Aconteceu que num desses domingos, depois do ofertório, o menino Humberto se lembrou de meter a mãozinha no saco de sarja onde os fiéis depositavam os seus contributos. Era infalível – e tanto ele como o pároco sabiam – que dentre as moedas de 1 escudo, 50 centavos ou 5 escudos avultasse uma maior, que era o ofertório do Eng.º Lucas Gomes, da açucareira: era uma moeda de 20 escudos. Quando, nesse Domingo, o Humberto Manja meteu a mão pelo saco, facilmente entrou em contacto com a moeda e ficou de posse dela. O padre, que não era nenhum parvo, achou estranho que naquele dia a moeda lá não estivesse. Não podia, por razões morais, violentar o miúdo apalpando-lhe os bolsos ou obrigando-o a confessar que tinha roubado o dinheiro. E o Humberto sabia perfeitamente disso. Resistiu ao interrogatório do padre estoicamente e jurou a pés juntos que nunca tinha metido a mão no saco. Sei disto de forma certa não só porque o Humberto me contou mais tarde, como também porque compartilhei com ele o festim que fez com aqueles 20 escudos, uma semana mais tarde, numa tarde folgada de domingo. Foi bonito: nunca bebi tanta limonada na minha vida. Mas o vírus tinha ficado. Anos mais tarde, a caminho dos 30 anos, o Humberto tinha emprego como recepcionista num hotel de primeira, já em Maputo. Em cumplicidade com o contabilista do hotel, cultivou um sofisticado esquema de desvio de parte significativa das receitas dos hóspedes. Quando a sua conta bancária já estava muitíssimo acima da média e uma vez que o patronato já começava a desconfiar do facto de os lucros não corresponderem à rotação dos hóspedes, Humberto Gregório Manja deu às de Vila Diogo. Foi parar à África do Sul e desapareceu do meu radar durante muitos anos. Fiquei escandalizado quando naquele domingo, com a minha mulher, perante o televisor, vi aquele mesmo Humberto Manja, com sotaina de reverendo, a dar lições de moral sobre o valor da honestidade, da sinceridade e da fraternidade, e sobre a importância que temos de dar a nós próprios, comportando- -nos de forma a não merecermos nunca o reparo de ninguém. Dizia ele, a encerrar o seu programa: “Nunca devemos dar o flanco ao Diabo.” Quando deram o programa por terminado, ela perguntou-me: “Gostaste, Cesinando?” De joelhos, na pia, vomitei copiosamente.
Uma tese: quanto maior for a desigualdade social maior será o coefi- ciente de crime existente. As sociedades que puderam distribuir melhor a riqueza social são aquelas com um menor coeficiente criminal. O criminoso não é um fenómeno natural, mas social. Temos o hábito de fazer das consequências das relações sociais as suas causas. Bem mais complicado é aceitar como causas as condições sociais que geram os comportamentos que transformamos em consequências, aceitar que a violência é iminentemente social e não natural. A terminar, permitam-me dar- -vos conta da seguinte citação: “O fortalecimento penal do Estado não diminui a insegurança social, uma vez que actua diretamente contra os criminosos e não contra as causas do crime.” (Débora Regina Pastana, “Cultura do medo, Reflexões sobre a violência criminal, controle social e cidadania no Brasil”. São Paulo, IBCCRIM, 2003, p. 89).
Matola
No momento em que o SAVANA sair à rua estará reunido, na Matola, o Comité Central do partido Frelimo. Pelas salas e corredores do edifício da Escola daquele partido estarão a circular homens e mulheres sorridentes, estarão a estalar pancadinhas amistosas nas costas, cantar- -se-ão, possivelmente, velhas canções da luta armada. Sempre com o tratamento de “camarada” na ponta das línguas. Como tem sido sempre. Pelo menos perante os órgãos de informação e a opinião pú- blica. Mas também como tem sido quase sempre, nas caves do edifício afiam-se punhais políticos e destilam-se venenos de oratória para os combates que vão decorrer à porta fechada. Frente a frente deverão estar duas linhas diferentes, em grande parte opostas: as da renovação, encabeçadas por Filipe Nyusi, e as da continuidade, conduzidas (abertamente ou dos bastidores) por Armando Guebuza. Como ruídos de fundo nesta encenação, chegam os ecos de tiros disparados no centro e sul do país. E gritos de agonia. O resultado das desavenças e alianças, dos conluios e das traições, dos convencimentos e da compra de votos é imprevisível. Na anterior reunião do Comité Central Armando Guebuza entrou eufórico e triunfalista para sair, poucos dias depois, humilhado e ofendido, pela porta das traseiras. Mas aí pode-se pensar que ele foi apanhado de surpresa e só sentiu os punhais a entrarem-lhe nas costas quando já não havia nada a fazer. Desta vez estará mais consciente e terá, imagina-se, movimentado as suas poderosas peças no tabuleiro do jogo. E as suas peças não podem ser desprezadas. De qualquer forma se, para os jogadores na Matola, a questão é saber quem vai controlar os destinos do país daqui para a frente e, portanto, o acesso aos recursos de todo o tipo de que Moçambique é rico, para os vinte e tal milhões de outros mo- çambicanos o significado de vencerem uns ou vencerem outros pode traduzir-se na Paz ou na Guerra, no bem- -estar ou na pobreza miserá- vel para a maioria. Pode ainda acontecer, como no futebol, haver um empate técnico. E ser necessário um prolongamento até próximo encontro do Comité Central ou ir a penáltis com um Congresso extraordinário. Mas a situação político-militar, muito agravada, e a economia, em queda livre, não me parecem aconselhar nem uma coisa nem outra. A ver vamos...
O 3 de Fevereiro, como já se previa, “enfadonhou-se” no seu conhecido ritual focalizado na exaltação de dirigentes e guerrilheiros bafejados pela “sorte” de não serem esquecidos. A data em si tem o seu conteúdo. Mas, continua a ser uma espécie de pecado questionar os feitos deste ou daquele considerado oficialmente como herói ou heroína. Um tabu psicologicamente assumido como tal. Não basta dizer que heróis somos todos nós que acordamos e batalhamos pela sobrevivência nas machambas, nas empresas, nos “my love”, e por aí em diante. A heroicidade cabe aos heróis, o que significa que o tempo encarrega-se (sempre) de ajustar as contas com heróis de base administrativa. Alguns preferem mesmo dizer que “há heróis e heróis”. Em tempo: “Olá Paz!” Sim, como dizia, houve exaltação deste e daquele herói, mais de uns que de outros, o que é perfeitamente compreensível, mas a tónica dos discursos e entrevistas estiveram inequivocamente virados para a questão da paz e concórdia nacional. Quando há bem pouco tempo o “Olá Paz!” atingiu o seu pico alto conseguindo “tirar” A. Dhlakama da suposta “parte incerta” para a cidade da Beira praticamente todos aplaudimos. Entretanto, este grande ganho depressa se transformou, uma vez mais, no reforço da desconfiança entre o Governo e a Renamo. Assistiu-se depois a uma espécie de abrandamento da marcha relativamente ao interesse num encontro entre o PR e o Líder da Renamo motivado pelo atentado a Dhlakama. Enquanto os repetidos bombardeamentos radiofónicos iam dando a ideia de uma total abertura, por parte do PR, num encontro com Dhlakama eis que surge mais um atentado no rol de uma série de outros. M. Bissopo, considerado segundo homem forte da Renamo, escapa por um triz. Retoma-se então com mais pujança o discurso de abertura ao diálogo no final de Janeiro e princípios de Fevereiro (1ª semana). A ideia básica é apresentar em palco quem não está interessado no diálogo, o que cria muitas dúvidas, porque o árbitro destaca-se como jogador que sempre foi. O “árbitro” diz que a Renamo é um partido “totalmente desorganizado e sem estrutura” mas sabe-se que em vinte anos (tempo de Chissano) conseguiu contribuir para a manutenção da paz em Moçambique. Isto faz lembrar a ideia segundo a qual “quando o inimigo/adversário te elogia é porque algo não está bem”. O “Olá paz!” não vincou, mas ainda não está a um nível assumidamente disfuncional. Este acenar, esta saudação parece não ter sido chancelada como palavra de ordem tendente a pôr de lado as nossas divergências e a comungarmos um ideal de entendimento rumo ao desenvolvimento de Moçambique. Só com coragem é que podemos alcançar a paz, é verdade. Mas de que coragem é que uns e outros falam? Cá entre nós: o som do batuque endurece a maçaroca e espanta a perdiz. Diz-se que esta ave prefere produzir o seu próprio som a partir do seu próprio batuque. Estes adversários esqueceram-se de trocar elogios entre si. Não queremos ser o capim que vai sofrer com as batucadas nessa forte sessão de dança que perigosamente se aproxima (ou que parece ter-se iniciado).
Execuções sumárias, raptos, violações, agressões, assolam Bujumbura, ameaçando o retorno às guerras entre hutus e tutsis que devastaram o Burundi desde os anos 1970 até ao início deste século. A candidatura a um terceiro mandato presidencial de cinco anos do hutu Pierre Nkurunziza degenerou num conflito político que está a assumir rapidamente contornos de ajuste de contas étnico. Contam-se cerca de meio milhar de mortes desde Abril de 2015, mas no confronto entre apoiantes e opositores de Nkurunziza sobressai agora a retórica governamental de defesa dos interesses dos patriotas hutus contra os inimigos do Burundi em que, ignominiosamente, predominam tutsis. Um país abandonado à sua sorte A cimeira da União Africana em Addis Ababa recuou este fim-de-semana na intenção, anunciada em Dezembro, de enviar um contigente de 5 mil militares para o Burundi. O artigo 4.º da Carta da UA permite uma intervenção sem consentimento do governo legalmente reconhecido em caso de “crimes de guerra, genocídio ou crimes contra a humanidade”. Bujumbura ameaçara resistir pela força à entrada de tropas estrangeiras e, na ausência de acordo maioritário entre os demais 53 Estados, a UA abandonou a ideia de uma acção militar sem precedentes desde a fundação da organização em 2002. O Conselho de Segurança da ONU constatou, por sua vez, em Novembro, não dispor de meios para estancar a violência crescente no Burundi. Na formulação fatalista da presidente do CS, a norte-americana Samantha Power, o Burundi “está a caminho do Inferno”. A instrumentalização política Após quatro dos sete juízes do tribunal constitucional terem aceitado em Maio a candidatura de Nkurunziza, o antigo chefe de Estado-maior do Exército, o hutu Godefroid Niyimbare, lançou um golpe de Estado, tendo o fracasso da rebelião gerado as primeiras vagas de repressão na capital. Os protestos organizados por partidos hutus e tutsis culminaram no boicote pela oposição da eleição presidencial em Julho e, apesar de dissensões entre dirigentes do partido governamental hutu, Conseil National Pour la Défense de la Démocratie-Forces pour la Défense de la Démocratie, a maioria dos militantes alinhou com Nkurunziza. Na sequência de atentados contra figuras proeminentes do partido do presidente e oposicionistas a 11 de Dezembro foram atacadas bases militares e uma escola do exército em Bujumbura. A reactivação de milícias do tempo da guerra civil e a intervenção de diversos bandos armados agudizaram a atmosfera de violência, tendo as retaliações governamentais centrado-se sobretudo em bairros de maioria tutsi da capital onde a contestação ao presidente tem sido mais virulenta. Censura e perseguição de jornalistas e observadores estrangeiros não obstaram a que tenham sido identificados centenas de mortos e assinaladas valas comuns, numa altura em que mais de 230 mil dos 9 milhões de habitantes já fugiram para Congo, Ruanda e Tanzânia. Indícios de uma purga nas forças armadas, onde cerca de 60% dos oficiais são hutus, proclamações de combate contra inimigos da nação e do Estado, denotam a instrumentalização de filiações étnicas por parte da elite associada ao Presidente. Oficiais dissentes, como o tenente-coronel, Edouard Nshimirimana, anunciaram, entretanto, a formação de frentes militares como a Force Républicane do Burundi, para combaterem o Presidente que conta com forte apoio na zonas rurais de maioria hutu. Paz precária, guerra latente A partilha equitativa de poder entre hutus (85% da população) e tutsis (14%, contando-se, ainda, 1% de pigmeus caçadores Twa) aceite nos acordos de paz mediados pela Tanzânia, África do Sul e Estados Unidos, esteve na base da pacificação do Burundi a partir de 2005. Desde a independência da Bélgica, em 1962, o Burundi registou mais de 250 mil mortes em conflitos armados e dois genocídios - em 1972, vitimando em particular hutus, e 1993, dizimando essencialmente tutsis -, nos termos da definição de tentativa de destruição da totalidade ou parte de grupo étnico (Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, 1948). A guerra civil que se prolongou por mais de uma década a partir de Outubro de 1993 provocou, posteriormente, para cima de 300 mil mortos no quadro das convulsões que assolaram toda a Região dos Grandes Lagos. Para o homem-forte do Ruanda, Paul Kagame, é intolerável uma repetição de chacinas de tutsis por parte de radicais hutus no país vizinho o que ameaça a rápida internacionalização do conflito. À espera do pior A ameaça de recusa de vistos de entrada, o congelamento de contas bancárias e o arresto de bens em países como a África do Sul ou o Quénia podem revelar-se eficazes contra alguns apoiantes influentes de Nkurunziza, mas a aplicação de san- ções dificilmente irá alterar a dinâmica do conflito. Impor a retirada dos 5.432 militares que o Burundi mobilizou para a Missão da União Africana na Somália, fazendo mossa nos soldos do exército, contribuiria para maior desestabiliza- ção. Impotência internacional para pressionar as partes em conflito, em particular o governo e o exército, ausência de diálogo político sob mediação do Vaticano, ONU ou UA, e ameaça de intervenção do Ruanda caracterizam o impasse. O controlo da administração estatal é a chave para negócios, influência e poder num país agrícola dependente do rendimento das exportações de café, com fortíssima densidade populacional - a segunda maior da África Continental a seguir ao Ruanda. Sem saídas no mercado de trabalho para uma população muito jovem, cerca de 40% dos habitantes têm 15 anos ou menos, qualquer confronto político no Burundi corre o risco de acentuar clivagens étnicas em que muito contam memórias de actos de extrema violência.
Os sinais de retoma do diálogo político entre o governo e a Renamo, para se ultrapassar a tensão político-militar no país, estão cada vez mais longe, dada a troca de acusações entre as partes. Enquanto o chefe de Estado, Filipe Nyusi, diz que a falta de clareza na estrutura hierárquica da Renamo dificulta o reatamento do diálogo, o maior partido da oposição acusa Nyusi de falta de seriedade e capacidade de liderança, uma vez que os seus antecessores conseguiram negociar com o movimento, mesmo desconhecendo a sequência da sua estrutura hierárquica. Numa altura em que já iniciou a contagem decrescente para Março, mês em que o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, diz que vai começar a governar as seis províncias onde reclama vitória eleitoral, o rumo do país mostra-se cada vez mais incerto. Enquanto Dhlakama estica a corda, o Presidente da República vai dando tiros a vários alvos, numa acção que pode ser vista como tentativa de fragilizar os intervenientes do di- álogo político. No ano passado, Filipe Nyusi falou da existência de oportunistas que, do nada, pretendiam integrar o processo negocial, como mediadores, sem nenhuma experiência na área. Depois atacou os observadores que, além de os ter chamado oportunistas, também os acusou de não transmitirem fielmente as mensagens às partes pelo protagonismo que pretendiam tirar do processo. Esta semana virou os canos para a sua contraparte do diálogo e disse estar a enfrentar dificuldades para reatar o diálogo por falta de clareza na hierarquia da segunda maior força política nacional. Isto porque, como Dhlakama não é visto publicamente desde 9 de Outubro de 2015, não sabe com quem dialogar, uma vez que a sequência do partido não permite saber quem segue a quem. Esta terça-feira, o SAVANA contactou o porta-voz da Renamo, António Muchanga, que, prontamente, deplorou as acusações do chefe de Estado, tendo de seguida o acusado de falta de seriedade e capacidade de liderança. Muchanga diz não perceber porque é que Nyusi levanta a questão da hierarquia da Renamo, uma vez que os seus antecessores, Joaquim Chissano e Armando Guebuza, entraram em negociações com a “perdiz”, que resultaram no Acordo Geral de Paz e entendimento sobre a cessação das hostilidades militares, respectivamente. Refere o deputado que, em ambos os processos, ninguém procurou saber da estrutura hierárquica da Renamo, nem quem era o número dois ou três. Prosseguindo, disse que, no ano passado, o seu partido enviou uma correspondência à Presidência da República, solicitando o reatamento do diálogo e uma nova composição da equipa de mediação, que integraria bispos católicos e Jacob Zuma, Presidente sul-africano, mas, até ao momento, a Renamo diz que ainda obteve nenhuma resposta. Muchanga diz não perceber o sentido das declarações de Filipe Nyusi, numa altura em que o mais importante é o estabelecimento da paz no país e não a posição dos membros do seu partido. Lamentou o facto de o chefe de Estado fazer referência à hierarquia no principal partido da oposição, sem se ter pronunciado sobre os atentados contra Afonso Dhlakama e Manuel Bissopo. Devido a estes atentados, a Renamo, adiantou António Muchanga, descarta por enquanto a possibilidade da realização de um encontro entre Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama e aponta como saída a utilização de emissários, tal como fizeram os antigos presidentes da república. No entanto, o porta-voz da Renamo acusa Nyusi de falta de liderança, referindo que, enquanto presidente da Frelimo diz uma coisa e a comissão política, juntamente com os primeiros secretários, quer provinciais ou distritais fazem o contrário, desmentindo as suas declarações.
Milhares de cabanas de
pau-a-pique e outras
centenas tendas brancas
do ACNUR, num campo
aberto no cimo de um conjunto
de montanhas a sudeste da vila de
Mwanza, distrito fronteiriço do Malawi,
denunciam a dimensão da vaga
de refugiados moçambicanos no país
vizinho, que fogem ao refluxo das confrontações
militares entre o Governo
e a Renamo, em povoados do distrito
de Moatize, província de Tete, uma
situação que Maputo prefere ignorar
e Lilongwe alerta para o risco de uma
catástrofe a continuar, com o aumento
do fluxo de refugiados nos próximos
meses.
Na cadeia de montanhas, um pátio
gigante de argila – a cerca de 45 quilómetros
da vila de Mwanza, que se
fazem por uma acidentada estrada de
terra batida - alberga homens, mulheres
e crianças em Kapise, um campo
de refugiados, o maior, e que tem recebido
milhares de moçambicanos, que,
alegadamente, fogem do seu próprio
Governo.
Após fugir das atrocidades militares
em Moçambique, os refugiados têm de
encarar uma vida miserável, com restrições
no número de refeições diárias,
fome, saneamento, água potável, frio
e mau tempo em cabanas desavisadas
para suportar temporais, próprias da
altitude do terreno de seus novos lares,
além da negação, pelo Governo, da sua
existência.
No drama, que inclui percorrer a pé
mais de 70 quilómetros das zonas
de confrontos – Ndande, Mazibaue,
Nhanje, Macolongwe, Kabango,
Ndinde, Nagulo e Guingue – à procura
de segurança em Kapise, muitos
Refugiados moçambicanos no Malawi relatam atrocidades na origem e fome na chegada
Os deixados para trás
Por André Catueira, nosso enviado a Kapise
são obrigados a dormir no chão, sem
cobertores, para escapar de frio insuportável
e os húmidos nevoeiros rotineiros
à noite.
Apesar de o governo de Moçambique
tentar evitar a terminologia refugiados,
esta semana, o Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR), organismo que já está a
intervir junto dos moçambicanos que
fogem para o outro lado da fronteira,
alertou para a subida do número de
pessoas em situação de crise, afirmando
que nos últimos 15 dias de Janeiro
chegaram 1.297 pessoas ao campo de
refugiados de Kapise, com um cumulativo
de 3.900 pessoas desde Julho de
2015, quando eclodiu o fenómeno.
Só de 20 a 27 de Janeiro chegaram a
Kapise 632 pessoas. O número total de
refugiados agora em Kapise é mais que
o dobro do total da população da vila,
estimada em 1.500 habitantes.
Nos corredores serpenteados das tendas,
milhares de mulheres circulam
com peito nu – o tronco apenas tapado
com uma capulana ou manta, que serve
de cobertor à noite - e as “janelas”
nas traseiras dos calções de centenas
de rapazes, denunciam a complexidade
da situação, sustentando os relatos de
tudo ter sido “queimado por camaradas”.
A organização Médicos Sem Fronteira,
que tinha uma clínica móvel quatro
vezes por semana em Kapise, passou a
funcionar todos os dias desde a semana
passada, estando a enfrentar com
frequência a malária e má nutrição,
sobretudo nas crianças.
A entidade, com a ajuda de uma outra
organização, está a construir um comboio
de latrinas para evitar a eclosão da
cólera nesta época chuvosa e desencorajar
o fecalismo a céu aberto, que era
chegou com oito filhos ao campo de
refugiados a 8 de Janeiro.
A camponesa, que garante ter sobrevivido
pela sua experiência militar, como
Destacamento Feminino da Frelimo,
admite ter escapado por quatro vezes
em aldeias diferentes, primeiro em
Ndande, e depois em Macongwa e, na
terceira vez, em Kadjia, antes de decidir
em refugiar-se para o Malawi.
“Eu vi blindados dos militares do governo
a entrar, então eu pensei que
um dia vai criar problema e um dia
podiam-me matar”, explicou Fátima
Niquisse, em Chichewa, a língua do
Malawi, falada por milhares de refugiados,
acrescentando que na primeira
vez que fugiu, apanhou, no regresso
seu cão morto e atirado dentro de casa.
Admite que sobrevive em Kapise de
peditórios de farinha e verduras, para
garantir única refeição servida ao dia
para os filhos, adiantando ter ficado viúva há alguns anos, mas não da guerra.
“Estamos a sofrer com fome. Há
crianças que às vezes vão pedir comida
nas casas (na vila de Mwanza)”, conta
Fátima Niquisse, que olha para as
nuvens escuras a norte da sua palhota
como o anúncio para repetir “uma
noite debaixo da chuva”, por ainda não
ter tenda. Ela dorme numa pequena
cabana coberta com sacos de sisal na
companhia dos filhos.
Também Rogério Conselho, outro
camponês de 57 anos, relata que sobreviveu
milagrosamente depois de
incendiada a sua casa por forças governamentais
a 9 Setembro passado,
tendo nesta ocasião fugido de Nkondezi
para Ceta.
“Os homens da Renamo vieram e
acamparam. A Frelimo (As FDS na
linguagem governamental) veio também
ocupar um lugar próximo e começou
a vingar, queimar casas e matar
pessoas”, contou ao SAVANA, o homem,
pálido e de lábios rasgados pela
fome.
Com sete filhos e uma esposa no centro
de refugiados de Kapise, onde chegou
a 7 de Dezembro, Conselho exibe
cicatrizes nos pés provocadas por pedras
e galhos de árvores no percurso
para chegar a Kapise e emociona-se
pela “desgraça que a guerra me trouxe”,
lembrando ter deixado seu gado, que
inclui porcos e cabritos.
Numa sala de triagem improvisada,
dois jovens malawianos ao serviço da
ACNUR entrevistam cuidadosamente
um a um os recém chegados, enquanto
outros sentados em chão do pátio,
entre gargalhadas e murmúrios, aguardam
pela sua vez.
Muitos chegam a Kapise sem identificação,
e nem precisam passar pela
fronteira oficial para alcançar o centro
de refugiados depois de as autoridades
locais terem decidido simplificar o
trânsito para quem procura abrigo no
campo.
Aliás, durante as entrevistas no campo
de refugiados o jornalista do SAVANA
foi escoltado por dois militares
malawianos, sugerindo que entre
os refugiados pode haver militares e
outros elementos ligados ao aparelho
securitário.
“Eu vivia próximo da estrada, num
cruzamento onde todos os dias passavam.
Era comerciante, e um dia começaram os tiros. Depois dos confrontos,
a FIR começou a queimar casas, neste
dia oito casas foram queimadas. A minha
roupa, produtos e uma mota foram
queimados. Eu tinha fugido. Quando
voltei a casa para recuperar umas coisas,
havia um homem morto no meu
quintal, com um saco branco amarrado
na cara”, relatou outro refugiado,
Waisson Scinala, 49 anos, sete filhos,
que a 7 de Janeiro chegou a Kapise.
Os testemunhos seguem-se, sempre
com a garantia de que “nós nunca vimos
um soldado da Renamo. Nós não
somos Renamo”.
Viúvas de tiros
Fugas e chegadas
Os refugiados no Malawi relataram ao
SAVANA que as forças estatais quando
chegam às aldeias, além de ataques
armados e sexuais, tortura físicas, incendeiam
as casas e celeiros, alegando
que a população alberga apoiantes da
Renamo de Afonso Dhlakama.
“Os camaradas das fademos (Forças
Armadas) dispararam lá em casa (ficou
num fogo cruzado) e queimaram todas
as trouxas”, conta Fátima Niquisse, 45
anos, uma camponesa de Ndande que O conflito político-militar entre a
Renamo e o Governo, além de estar a
causar a vaga de refugiados, tem provocado
a desestruturação de famílias,
com dezenas de viúvas e órfãos, com
um futuro marginalizado, admitindo
a falta de assistência, sobretudo
para educação das crianças.
“Estava em Ndande quando
comum entre os refugiados.
As autoridades malawianas, segundo
Bestone Chisamile, do ministério dos
Assuntos Internos do país, citado pelo
diário malawiano de The Nation, edi-
ção de 27 de Janeiro, ponderam reabrir
o campo de refugiados de Luwani, que
acolheu os refugiados da guerra civil
durante os 16 anos.
tudo começou em Julho de
2015. Começou a guerra, lutavam
a Frelimo e Renamo.
Um dia dispararam perto da
minha casa, conseguimos fugir, já
no mato vimos a casa arder”, conta
Lídia José, uma camponesa de 24
anos, com duas filhas em Kapise,
que ficou viúva.
A mulher conta que depois que
cessaram os confrontos fizeram-se
à rua para caminhar “mas a FIR viria
a encontrar-nos pelo caminho, e
eu estava a frente com as crianças
e meu marido atrás. Pegaram meu
marido e eu consegui fugir”.
“Três dias depois voltei para casa
em busca de notícias do meu marido
que desapareceu na ocasião, e
só encontrei roupa dele com sangue,
não tinha sinais de balas e nem
faca. Fui remeter a preocupação na
sede do distrito de Moatize e disseram
para esperar ele vai voltar,
mas até agora não disseram nada
e pessoas vieram-me dizer que já
morreu”, conta a mulher, que não se
despega do celular – que opera com
sinal de uma operadora moçambicana
– para receber do Governo a
informação oficial.
Ao contrário da sua vizinha de tenda,
Belarmina Fungai relata que o
seu marido desapareceu durante os
confrontos em Ndande e pode estar
no grupo de homens, detidos pelas
forças estatais e queimados vivos no
interior de uma cabana.
“Desde aquele dia nunca mais o vi”,
precisou Belarmina Fungai, que se
entristece com as notícias de novos
confrontos que chegam pelo celular
de seu tio, que ainda tem amigos
em zonas próximas e ainda não
muito atingidas pelo conflito.
Regresso recusado
Quando a nossa reportagem se deslocava
a Mwanza, poucos minutos
após deixar a sede distrital de Moatize,
a quase três quilómetros de
Nhanssossa (provocador em Nyúnguè,
a língua de Tete) cruzámos
com uma camioneta Toyota Dina
lotada das forças de Unidade de
Intervenção Rápida (UIR), supostamente
a caminho de Nkondezi.
Num relato carregado de emoções,
Luciano Laitoni, um camponês de
60 anos, contou ao SAVANA que
“podíamos ter sido mortos pelos
soldados do Governo” se não tivéssemos
recorrido às matas por
alguns dias, afiançando que “não
existem condições para voltar enNO
CENTRO DO FURACAO
As autoridades malawianas admitem que
a situação dos refugiados moçambicanos
naquele país passou do nível de preocupante
para alerta máximo, devido à
avalanche de novas chegadas, alertando que a continuar
assim, nos próximos seis meses, será uma
catástrofe. Igualmente acusam o Governo de Mo-
çambique de não ser ágil em socorro aos refugiados
e de fazer vista grossa à situação, sustentando
que acima de tudo “a solução está com o Governo
(moçambicano)”.
O SAVANA reproduz na íntegra a entrevista concedida
por Gift Rapozo, comissário do distrito de
Mwanza, no Malawi.
Esta situação está a ficar verdadeiramente mal. As
chegadas começaram em Julho, com pessoas e famílias
que se diziam vítimas de perseguição e a agressão por
forças governamentais.
A situação deteriorou-se a partir do início de Dezembro
de 2015, com a chegada substancial de mais uns
milhares de pessoas. Eram 600 pessoas e temos agora
registadas 3.900, mas os números não são reais porque
desde o início do ano chegou muito mais gente.
Há várias razões, mas os recentes têm a ver com o facto
de terem sido aconselhados pela oposição (Renamo) a
saírem por eventuais futuros confrontos. Se no início
de toda a situação, em Julho, as autoridades negavam
e diziam, que não havia problema, agora recomendam
que as pessoas regressem, porque lhes garante seguran-
ça.
Quando as autoridades moçambicanas pediram no
início às pessoas para regressarem, elas sabiam que nas
suas zonas de origem não estavam em segurança. Entretanto,
as autoridades ficaram de regressar, mas não
o fizeram.
As comunidades do Malawi tinham capacidade de
acolher os que iam chegando, mas a capacidade esgotou-se
e os campos passaram a ser a única solução.
Na verdade não estamos a conseguir preparar-nos,
estamos apenas a reagir. A situação está a agravar-
-se, sem previsão nem capacidade de se perceber e antecipar
e limitámo-nos a tentar reagir às situações,
quer em número, quer devido à forma como o fazem,
porque implica um percurso das zonas de origem até
aqui chegarem.
Há dois tipos de grupos, os do Malawi que viviam em
Moçambique e estão a regressar, pelos mesmos motivos,
e vão reagrupar-se às suas famílias, Esses não são
registados e não são motivo de preocupação. O motivo
de preocupação são os moçambicanos e que não têm estrutura
familiar no Malawi e são esses que estamos a
registar e, mesmo que não tragam identificação, estamos
a proceder usando outras formas.
À beira da catástrofe, Governo Malawi
Opresidente do MDM, Daviz
Simango, alertou nesta
terça-feira que a recusa
do Governo em reconhecer
os refugiados moçambicanos no
Malawi pode “prejudicar a vida e segurança
e apoio público” às vítimas
da crise político-militar entre o Governo
e a oposição Renamo.
“Confundir os termos refugiados e
emigrantes pode gerar certas consequências
na vida e segurança dos
refugiados (moçambicanos no Malawi)”,
declarou Daviz Simango,
presidente do Movimento Democrático
de Moçambique (MDM),
que enviou semana passada uma comissão
de trabalho para os campos
abertos de refugiados em Kapise,
Malawi, que recebem milhares de
refugiados moçambicanos.
“Misturá-los (aos emigrantes) desvia
a atenção de salvaguardas legais,
específicas a que os refugiados têm
direito (os refugiados). A confusão
também prejudica o apoio público
aos refugiados, no momento em que
mais necessitam desta protecção”,
disse Daviz Simango, em alusão à
persistência do Governo em não reconhecer
a existência de refugiados
em campos abertos no país vizinho.
Alguns membros da Comissão Política
Nacional do MDM deslocaram-se
de 29 a 31 de Janeiro para
o distrito de Mwanza, no Malawi,
à “procura de uma versão genuína”,
da situação que está a forçar a fuga
de populares no distrito de Moatize,
em Tete, que faz fronteira com o
Malawi.
O também autarca da Beira clarificou
que a equipa constatou que além
dos refugiados estarem agrupados
em campos abertos, em condições
humanitárias deploráveis, com desmaios
constantes devido à fome,
quase todos estão em “esquemas de
protecção temporária” pelas organizações
internacionais e das autoridades
malawianas.
“Pelo nível de intervenção no terreno
pode-se dizer que os moçambicanos
estão na situação de esquemas
de protecção temporária, que é uma
classificação para dar resposta ao
fluxo de emergência de refugiados”,
precisou Daviz Simango em conferência
de imprensa na Beira, Sofala
centro de Moçambique, insistindo
que actualmente aos moçambicanos
não são concedidos todos os direitos
oficiais de refugiados.
O responsável disse que actualmente
as agências das Nações Unidas
(ONU) e as autoridades malawianas
é que “tudo fazem para mitigar a situação
triste” em que se encontram
os moçambicanos em campos de refugiados
no Malawi.
As autoridades moçambicanas classificam
os refugiados de “camponeses
emigrantes” que procuram terras
aráveis para agricultura no Malawi.
Os administradores de Chifunde,
Tsangano e Macanga, não muito
afectados pela crise política, citados
pelo semanário de conotação governamental,
Domingo, de 31 de Janeiro,
sugerem que “a alegada vaga de
refugiados moçambicanos no Malawi,
pretensamente devido à crise
político-militar, não passa de uma
atitude oportunista de diferentes
proveniências, incluindo da Renamo,
para fins claramente políticos”.
Contudo, o líder do MDM apelou
às autoridades moçambicanas a accionarem
instituições locais vocacionadas
a assistir “vítimas de violência
e instabilidade políticas” e enviem
com urgência os apoios necessários
aos campos de refugiados no Malawi,
no sentido de dar resposta à crise
humanitária.
Igualmente, que o Governo crie
condições para o regresso dos mo-
çambicanos refugiados no Malawi,
além de as partes desavindas cessarem
acções militares e pautarem por
respeito pelas instituições democrá-
ticas, e que “encontremos caminhos
de paz para salvar vidas, e proporcionar
o bem-estar das populações”.
Às opiniões díspares sobre a atribui-
ção ou não do estatuto de refugiado
aos moçambicanos a viverem em situação
precária no Malawi, juntou-
-se o presidente Jacinto Nyusi, que,
a partir de Addis-Abeba, disse que
era necessário haver maior precisão
sobre a situação dos compatriotas
que procuram abrigo e protecção no
país vizinho.
MDM apela ao Governo a ir
assistir refugiados
tudo, junto das autoridades moçambicanas para ajudar
e ser parte da solução e que esta situação de confrontação
não aconteça. Porque queremos ajudar Moçambique.
Até agora a situação está sob controlo, distribuição de
água e instalações sanitárias, mas claro que temos problemas.
A maioria das crianças traz problemas de má-
-nutrição e têm algumas doenças.
Em relação a saúde, temos tido apoio dos Médicos Sem
Fronteiras, que inicialmente iam quatro vezes por semana
com uma clínica móvel, mas devido ao aumento
do número de pessoas passaram a sete dias por semana e
foi uma ajuda preciosa.
Estamos preocupados que as condições sanitárias se possam
agravar e não haja capacidade de resposta a apareçam
casos de doenças como cólera e estamos a evitar
este cenário.
Este sofrimento de se estar num campo de refugiados,
que já aconteceu no passado, está muito presente. Quando
voltamos a ver a mesma situação há uma sensação de
que não queremos voltar atrás, até porque Moçambique
tem recursos para o evitar.
É algo que não gostaria de não ser mal interpretado,
mas o Malawi não tem capacidade de terra para
acomodar estas pessoas que estão a chegar. O Governo
central do Malawi estava a evitar chamar a atenção
desta situação e a usar os corredores diplomáticas para
resolver a situação a alto nível e não do terreno.
Mas com o agravamento da situação começamos a ser
visitados por organizações internacionais, e começa a
ser difícil evitar que a situação não seja conhecida. É
evidente que acredito que a situação deve estar a ser
discutida a alto nível, sobretudo, na área da defesa e
segurança, mas as discussões não são partilhadas com o
nível operacional.
Talvez num alto nível haja um trabalho conjunto, uma
definição de tempo e de passos, mas na perspectiva do
terreno se a situação se mantiver por mais seis meses
estaremos perante uma catástrofe.
Só há duas semanas o alto
comissário de Moçambique
no Malawi visitou o campo.
Isto foi visto como algo positivo
porque viram um rosto
e compromisso do Governo e
como se sentiam ameaçados
pelo governo foi bem recebido.
Mas não é suficiente.
Mas tenho a noção de que as
autoridades dos dois países
não estão a falar a mesma
linguagem e o mesmo com
parceiros internacionais.
Querem saber dados, querem
saber números, se prevêem
quanto tempo as pessoas vão
ficar e não há capacidade de
o saber porque não se trata de
um conflito declarado.
Tenho o receio de que as negociações
entre Governo e
Renamo, caso não haja entendimento,
seja uma confrontação
prolongada e o
Malawi está a fazer tudo por
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quanto não cessar a guerra e haver
nova paz em Moatize”.
Recentemente o alto comissário
de Moçambique no Malawi, Jorge
Gune, visitou os campos de refugiados
e apelou para que regressassem
às zonas de origem, uma situação
que provocou uma convulsão
que precisou de uma intervenção
dos militares malawianos, que garantem
segurança no local.
Igualmente, Vicente Manuel, outro
refugiado que caminhou dois dias,
para chegar ao centro de refugiados
de Kapise à procura de segurança,
assegura que o “retorno para o país
não deve ser um simples passo de
regresso, mas a garantia de que o
sossego foi devolvido”.
A crise foi provocada pela recusa da
Renamo em reconhecer os resultados
das eleições gerais de Outubro
de 2014, alegando fraude, e da sua
ameaça em governar à força nas seis
províncias onde reivindica vitória.
O líder do maior partido de oposi-
ção, Afonso Dhlakama, não é visto.
“
Estamos aqui, como é do conhecimento
de todos, para
celebrar a vitória, aquela vitória
que foi concebida pelos
heróis que aqui estão representados”.
Foi com estas palavras que
o presidente da República, Filipe
Nyusi, dirigiu-se à nação, última
quarta-feira, a partir da praça dos
Heróis Moçambicanos, em Maputo,
por ocasião da passagem de
mais um três de Fevereiro.
Um Dia dos Heróis que volta a
ser celebrado com uma lágrima no
canto do olho. Na verdade, a vitória
a que o presidente se referiu
tem um sabor amargo pelo menos
para a maioria dos moçambicanos
que, há cerca de três longos anos,
vivem na incerteza, sem saber o que
o amanhã lhes reserva, com o espectro
de guerra a lhes perseguir no
dia-a-dia.
Não é por acaso que discursos pela
paz tenham marcado as celebrações
da data que, este ano, coincide com
a passagem de 47 anos da morte
de Eduardo Chivambo Mondlane,
declarado pela história oficial como
arquitecto da unidade nacional e
descrito pela crítica actual como
um maquiavélico que, à última
hora, arrancou protagonismo na
Formação da Frente de Libertação
de Moçambique e, consequentemente,
a liderança do movimento
que resultara da fusão da MANU,
UNAMI e UDENAMO.
Para a presidente da Assembleia da
Republica, Verónica Macamo, três
de Fevereiro de 2015 é hora para
tornar Moçambique um País para
se viver bem, o que passa necessariamente
por preservar a paz.
“Queremos uma paz perene”, exigiu
Verónica Macamo para quem,
a par da preservação da paz, urge
atacar energicamente o subdesenvolvimento.
“Temos de combater a pobreza
com todas as forcas, com toda a
energia, mas também com todo o
entusiasmo”, disse Macamo.
Quem também elegeu a paz como
o principal desafio do momento é
o antigo presidente moçambicano,
Armando Guebuza, que entende
que é preciso coragem para enfrentar
esta luta.
“O difícil deve ser vencido pelos
corajosos”, afirmou o negociador-
-chefe do Acordo Geral de Paz, em
Roma, a 04 de Outubro de 1992 e
signatário do Acordo de Cessação
das Hostilidades Militares, a 05 de
Setembro de 2014.
Para o antigo secretário executivo
da Comunidade para o Desenvolvimento
da África Austral (SADC)
Tomaz Salomão, três de Fevereiro é
uma data de estímulo e de referência
para a longa marcha pelo desenvolvimento
de Moçambique.
Questionado pelo SAVANA sobre
o significado de celebrar o Dia dos
Heróis moçambicanos, em meio à
instabilidade, o membro sénior da
Frelimo defendeu a necessidade de
“manter a cabeça fria e continuar a
trabalhar”.
Por seu turno, a antiga primeira-
-ministra, Luísa Diogo, disse ao
nosso hebdomadário que celebrar
o três de Fevereiro num clima de
tensão significa um desafio permanente
em relação a paz.
“O legado de Mondlane é unidade
nacional, a paz e o progresso e
nós sentimos que o desafio da paz
continua presente e que temos de
continuar a trabalhar para preservar”,
disse a respeitada mulher na
Frelimo.
Na mesma linha, o antigo secretário-geral da Frelimo, Filipe Paúnde,
apontou como grande desafio
a unidade nacional, por ser, na sua
óptica, a solução para todos os obstáculos
que o País enfrenta.
“Temos de continuar a consolidar a
unidade nacional porque é a partir
dela que vamos vencer todas as batalhas
que temos pela frente, nomeadamente,
essa questão de tumultos
que existe, a pobreza que existe no
nosso País. Só podemos vencer isto
quando estivermos todos os unidos”
disse o homem das virgulas, apelando
a todos moçambicanos, independentemente
da cor política, a
engajarem-se na busca de soluções
pelo que chamou de situações de
inquietação político-militar.
De resto, para além de celebrar a
vitória, o presidente Filipe Nyusi
disse que o três de Fevereiro é sobretudo
um momento de reflexão e
de compromisso para o desenvolvimento
de Moçambique.
“Os heróis bateram-se contra o colonialismo
português e todas suas
tendências, mas o objectivo não era
só para a libertação e passarmos a
governar Moçambique, mas era ver
Moçambique independente em todos
os aspectos, políticos e econó-
micos” disse o presidente.
Um objectivo que, afinal, Nyusi
reconhece estar longe de ser alcan-
çado.
“Enquanto continuar o povo sem
água, sem energia, sem escolas suficientes,
sem hospitais, ainda não
teremos cumprido a missão pela
qual os nossos heróis tombaram,
mas não só aqueles que tombaram,
também os heróis vivos espalhados
ao longo do nosso País”, disse o estadista.
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