quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Putin “provavelmente aprovou” morte de Litvinenko


 
(actualizado às)

Crítico do Presidente russo morreu em 2006, envenenado com polónio-2010, um elemento radioactivo raro.
Imagem de Litvinenko em 2006 AFP

O homicídio do antigo espião russo Alexander Litvinenko, em 2006, foi “provavelmente” aprovado pelo Presidente russo, Vladimir Putin, conclui o relatório elaborado por um juiz britânico que investigou o caso. A ministra do Interior de Londres, Theresa May, classificou o assassínio de Litvinenko como "uma clara e inaceitável" violação da lei internacional.
“A operação do Serviço de Segurança Federal [FSB, o novo nome do KGB] foi provavelmente aprovado pelo senhor Patruchev [Nikolai Patruchev, ex-chefe do FSB] e também pelo Presidente Putin”, disse o magistrado, na leitura das suas conclusões.
O juiz presidente, Robert Owen, diz ser muito provável que o assassínio tenha sido ordenado pelo próprio Putin e conclui que terá sido Andrei Lugovoi, antigo membro do FSB e actualmente deputado russo, a envenenar Litvinenko.
Para além de Lugovoi, o inquérito aponta outro assassino: Dmitri Kovtun, empresário e ex-membro do KGB que se sabe ter estado com Litvinenko no Hotel Millennium, em Londres, onde o antigo espião terá bebido o chá com polónio-210, um elemento radioactivo que são produzidas quantidades muito reduzidas, e ao qual normalmente só os Estados têm acesso.
Uma testemunha ouvida no inquérito descreveu como Kovtun lhe contou que iria “atrair” Litvinenko para uma conversa, na qual “acabaria com ele”. A testemunha, identificada como D3, encontrou-se com Kovtun e com Lugovoi a 30 de Outubro de 2006, em Hamburgo. Litvinenko foi hospitalizado a 1 de Novembro e acabaria por morrer no dia 23, aos 43 anos, de envenamento por radiação.
O juiz Owen, que dirigiu o inquérito iniciado há um ano, concluiu que Kovtun e Lugovoi “agiram a mando de outros”.
“As palavras que o meu marido proferiu antes de morrer, quando acusou Putin, foram provadas por um tribunal britânico”, comentou Marina Litvinenko, a viúva do ex-membro do KGB, à porta do Supremo Tribunal de Londres.
A viúva de Litvinenko exige que Londres “imponha sanções económicas e a proibição de viajar [para o Reino Unido] a todos os que forem mencionados, incluindo Putin”. Marina Litvinenko diz que recebeu uma carta na quarta-feira do Ministério do Interior britânico “a prometer acções” face às conclusões do inquérito. “É impensável que o primeiro-ministro [David Cameron] não faça nada.”
Reino Unido vai congelar bens
Em declarações no Parlamento já nesta quinta-feira, May disse que o Reino Unido vai congelar os bens de Kovtun e Lugovoi e lembrou que já há sanções em vigor contra o ex-chefe do FSB, Patruchev.
Para já, as exigências de Marina Litvinenko contam com o apoio de deputados de vários partidos britânicos. “Um cidadão britânico foi morto nas ruas de Londres com polónio. Foi um ataque ao coração do Reino Unido, aos nossos valores e à nossa sociedade”, afirmou o líder do Partido Liberal Democrata, Tim Farron. “Peço que sejam impostas proibições de viagens na União Europeia, que os bens destas pessoas sejam congelados e que haja uma acção coordenada para lidar com os que cometeram este assassínio vil.”
Na primeira reacção oficial vinda de Moscovo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros diz nunca ter esperado que o inquérito fosse imparcial. “Lamentamos que um processo puramente criminal tenha sido politizado e tenha ofuscado a atmosfera geral das relações bilaterais. O processo não foi transparente. Não havia razões para esperar que fosse objectivo e imparcial”, lê-se num comunicado.
Andy Burnham, o ministro sombra do Interior, do Partido Trabalhista, classificou este relatório como "um dos mais chocantes e perturbantes" alguma vez apresentados ao Parlamento. Incentivou o Governo conservador de Cameron a pedir ajuda aos aliados do Reino Unido para extaditar Lugovoi e Kovtun.
De Moscovo, o relatório é recebido com indignação. Um responsável russo não identificado e citado pela agência de notícias russa Interfax afirmou que estas conclusões “ilegítimas” não deixarão “de ter repercussões nas relações entre o Reino Unido e a Rússia.
Lugovoi também já reagiu, descrevendo as alegações contra si como “absurdas”. Para o actual deputado de um partido nacionalista, “as conclusões mostram uma vez mais as posições anti-russas de Londres, a sua tacanhez e a falta de vontade entre os britânicos de descobrir a verdadeira razão da morte de Litvinenko" em Londres. “Espero que ‘o processo do polónio’ faça desaparecer de uma vez o mito da imparcialidade da justiça britânica.”
Litvinenko recebeu a cidadania britânica meses antes de morrer. Tinha chegado ao Reino Unido em 2000, onde requereu asilo por ser perseguido na Rússia.
Chefe Putin
Membro de uma unidade militar do Ministério do Interior da antiga União Soviética desde 1980, entrou no KGB oito anos depois. Quando o KGB passou a FSB, nos anos 1990, chegou a tenente-coronel. O seu último chefe no FSB foi o próprio Putin, mas os dois ter-se-ão afastado por causa de casos de corrupção no interior da agência.
Em 1998, o espião foi acusado de ter abusado do seu cargo depois de ter exposto uma alegada conspiração para matar Boris Berezovski, o oligarca russo caído em desgraça junto de Putin. Anos mais tarde, em 2013,Berezovski foi encontrado enforcado na casa onde vivia, perto de Londres - aparentemente ter-se-á tratado de um suicídio. Litvinenko passou nove meses detido antes de ser absolvido.
Depois de abandonar os serviços secretos, escreveu um livro onde acusava agentes do FSB de serem responsáveis pelos atentados contra blocos de apartamentos em Moscovo e noutras duas cidades, em 1999. O Governo responsabilizou separatistas tchetchenos pelos ataques, mas Litvinenko escreveu que estes tinham sido usados como pretexto para a segunda invasão da Tchetchénia, iniciada pela Rússia precisamente em 1999.
Nos últimos anos de vida, Litvinenko colaborou com os serviços secretos britânicos. Para o juiz Owen, essa colaboração, mais as suas críticas ao FSB e a Putin, para além da proximidade a outros dissidentes russos, são possíveis motivos para o assassínio. Havia “sem qualquer dúvida uma dimensão pessoal no antagonismo” entre Litvinenko e Putin.
“Em termos gerais, estou convencido que membros da Administração Putin, incluindo o próprio Presidente e o FSB, tinham motivos para agir contra Litvinenko, e mesmo matá-lo, no final de 2006”, escreve o juiz nas conclusões. Litvinenko investigaria, na altura em que foi morto, uma ligação de Vladimir Putin ao assassínio da jornalista Anna Politkovskaia, em Moscovo

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