domingo, 10 de janeiro de 2016

“Há mais portugueses a sair do que a entrar” em Moçambique

José Augusto Duarte, embaixador de Portugal em Moçambique, relata que a retracção da economia moçambicana, conduzindo a uma menor procura, é uma das razões para um aumento da saída de portugueses daquele país.
NUNO FERREIRA SANTOS
Distinguido esta semana como diplomata económico do ano pela Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, o embaixador de Portugal em Moçambique, José Augusto Duarte, afirma que a conjuntura económica em Moçambique deve ser olhada com tanta atenção como a tensão que ainda existe ao nível político entre as forças da Renamo e da Frelimo.
Olhando para o médio prazo, destaca que os grandes investimentos que empresas energéticas vão realizar no gás natural vão alterar de forma radical a perspectiva face ao desenvolvimento da economia e que o mercado moçambicano se mostra “muitíssimo promissor”.
Foi distinguido como o embaixador que, em 2015, mais contribuiu para a internacionalização das empresas portuguesas. Qual o negócio, ou negócios, que mais se destacaram ? Entre eles está o viveiro de eucaliptos da Portucel?
Tenho-me empenhado em apoiar todas as empresas portuguesas que surgem no mercado moçambicano, e a motivação de empresários em investir nesse mercado. Seja o apoio ao investimento que referiu, o da Portucel nas províncias de Zambézia e de Manica,  sejam outros, de maior ou menor dimensão. Há projectos de toda a ordem. O importante é que não há empresa que tenha surgido lá e que queira o apoio da embaixada, na qual eu e a minha equipa não nos tenhamos empenhado. O nosso envolvimento visa garantir que estão devidamente informadas sobre as características e condicionantes do mercado moçambicano, que cumprem rigorosamente as leis, de forma a que isso não lhes crie atritos com as autoridades locais, e que tenham a melhor preparação possível para ter lucro, que é o que qualquer empresa visa alcançar quando faz um investimento. A partir do momento em que tem lucro, que tem sucesso, há um prestígio acrescido para a comunidade portuguesa e para o seu país.

O facto de os dois maiores bancos em Moçambique serem detidos maioritariamente por bancos portugueses ajuda de alguma forma a esses investimentos? Ou é um factor irrelevante?
É importante ter capitais presentes nos maiores bancos moçambicanos, isso é um factor de prestígio mas, ao nível do negócio, os bancos fazem a sua análise de risco, no âmbito do sector em que operam e de acordo com os seus objectivos. Agora, há linhas de crédito, por exemplo, do Banco Mundial, do Banco Africano de Desenvolvimento, e da União Europeia, que são importantes. Muitas vezes as empresas podem achar que ou têm apoio através de linhas especiais criadas pelo Estado português, de projectos de cooperação apoiados por fundos portugueses, ou então recorrem ao financiamento privado. E tendem a esquecer, por falta de informação, linhas muito importantes, de grandes valores, que estão disponíveis no mercado. E às quais, com a devida informação, podem aceder, para além das vias mais tradicionais.

A conjuntura para investir em Moçambique já foi mais positiva, nomeadamente do ponto de vista da economia. A instabilidade política, com confrontos entre a Renamo e a Frelimo, tem provocado retracção nas empresas portuguesas?
À partida eu poderia dizer que sim, mas não tenho dados científicos e suficientemente comprovados. Não posso dizer com propriedade que a tensão que existe ainda neste momento entre a Renamo e o Governo de Moçambique tem prejudicado ou afastado investidores portugueses. Nem tenho dados  relativamente à altura em que houve o conflito armado entre as forças da Renamo e o Governo de Moçambique, terminado em Setembro de 2014, que mostrem que saíram investidores do país por causa disso. Agora, para quem ainda não investiu, e se aparecem nas notícias relatos de uma situação de conflito, não tenho a menor dúvida de que a pessoa pensa duas vezes antes de investir. Dito isto, o que eu acho mais importante no actual contexto, mais do que a questão política, é a questão que já referiu da situação económica.

À qual já vou voltar...
A situação económica e a retracção do crescimento obviamente que prejudica quem investiu. Porque o fez com uma expectativa de retorno que não está a ser correspondida neste momento. Logo, pondera ou reavalia os dados que o levou a fazer o investimento, dentro de uma determinada expectativa. Temos de levar a sério a questão política, mas deve ser igualmente tomado a sério o ambiente de negócios, a legislação existente e o que se faz para que as expectativas dos investidores sejam correspondidas.

Até que ponto é que a desvalorização do metical, que levou o Governo a tomar medidas como o controlo da utilização de cartões de crédito fora de Moçambique, está a afectar quem investe e reside no país?
A desvalorização do metical afecta seguramente toda a gente, a começar porque afecta desde logo a economia moçambicana. O país tem a sua dívida internacional em dólares, e se o metical continua a desvalorizar muito, isso significa que a dívida aumenta exponencialmente. Logo, isso afecta os recursos que o Estado tem para investir na sua economia.  Num país pobre como Moçambique ainda é, o Estado é um factor de animação da própria economia, e se o Estado não faz o investimento que estava a fazer, há obrigatoriamente uma retracção da economia, o que afecta toda a gente. Em primeiro lugar, os cidadãos moçambicanos, mas também todos os que ali investiram.

Mas tendo em conta factores como a desaceleração da economia chinesa, e um dólar forte, Moçambique vai continuar a sofrer um abalo, não sendo expectável uma valorização da sua moeda.
Também temos de avaliar todos os factores que convergem para uma determinada situação. E alguns vão ser alterados a breve trecho. Moçambique, como sabe, está a terminar as negociações com as grandes petrolíferas internacionais para fazer um investimento de enormes proporções no norte do país para a exploração do gás natural. Uma vez feito esse investimento, e com o início da exploração do gás, o PIB de Moçambique será multiplicado por cinco, só por causa da tributação aplicada a essas empresas.

Isso só acontecerá dentro de cerca de cinco anos...
Sim, mas as expectativas económicas vão fazer com que, a montante, e não apenas a jusante, haja investimento. Moçambique necessita de infra-estruturas portuárias, aeroportuárias, de transportes, hospitais, escolas, hotéis, etc., e tudo isso não será apenas após o gás começar a ser explorado. A garantia de que essas empresas vão fazer mega investimentos vai mudar de forma radical a perspectiva relativamente à economia em termos de retorno. Não tenho qualquer dúvida de que é uma economia que temos de continuar a observar com a maior atenção, porque é muitíssimo promissora e vai crescer com uma das mais altas taxas do mundo, mesmo com a retracção. A estimativa era de 7,8%, e reduziu-se para 7%.

Como está o problema dos raptos? Já foi resolvido?
Não está totalmente resolvido. Mas há muito tempo que não há nenhum português sequestrado. A questão perdeu a relevância e a dimensão que tinha, está muito mais sob controlo. Há uma evolução muito positiva na forma como as autoridades revelaram a sua capacidade de intervenção e de inibição na proliferação deste tipo de casos.

Há cerca de um ano e meio, numa fase em que houve mais raptos, houve uma série de pessoas, incluindo vários portugueses, que saíram de Moçambique. Agora, como está o fluxo?
Há sempre portugueses a sair e a entrar. Há ciclos, que não são estanques. A sensação que tenho é que, neste momento, há mais portugueses a sair do que a entrar. E isso está ligado, essencialmente, à retracção do crescimento económico e à menor procura, a todos dos níveis: de serviços, de obras públicas, etc., porque também não há forma de os pagar. Existem outros factores, como o facto de Portugal ter retomado o crescimento económico, embora ténue, e há outras oportunidades no mercado internacionais que entretanto surgiram.

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