quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Eternamente Sebastião

OPINIÃO


Mais uma vez, depositamos toda a nossa fé num grande líder, e pagamos para o ver fingir que o Estado consegue fazer por nós aquilo que só por nós pode ser feito.
Perante o número crescente de comentários que me acusam de deriva radical à direita só porque ando entretido a zurzir na forma como António Costa chegou ao poder, vale a pena fazer um balanço destes meses de ebulição e responder à magna questão: Será que destrambelhei? Será que a minha paixão por Passos Coelho e Paulo Portas é tão assolapada que não consigo suportar a sua ausência? Afinal, porque é que estou tão incomodado e tão incapaz de aceitar pacatamente o que aconteceu ao país?
Em primeiro lugar, deixem-me pedir-vos um favor: não confundam o meu desprezo por esta frente popular de esquerda com qualquer espécie de amor incontido pela coligação de direita. Para um liberal como eu, as razões para criticar o Governo de Passos Coelho são infindáveis. A receita dos últimos quatro anos consistiu num aumento violentíssimo de impostos acompanhado de mansíssimas reformas estruturais, de que o patético “guião da reforma do Estado” de Paulo Portas é exemplo para a História. A análise fina das funções do Estado foi atropelada pela política de cortes transversais; a alegada reforma administrativa morreu no encerramento de juntas de freguesia; a RTP continua fresca e viçosa; o Estado permanece uma monstruosidade burocrática; a Autoridade Tributária transformou-se numa máquina de espremer contribuintes, sejam eles recalcitrantes ou cumpridores; e poderíamos continuar por aí fora.
No entanto, tirando meia dúzia de comentadores que sonham em inglês, ninguém criticou o Governo anterior por ele ser falsamente liberal, ou por o Estado, através da debulhadora fiscal, se ter tornado mais poderoso do que nunca. Nada disso: diz-se que o Governo anterior foi terrivelmente, horrivelmente, devastadoramente neoliberal, uma daquelas palavras que não querendo dizer nada acabaram por servir para tudo. Parece que o Governo quis destruir o Estado social. Foi além da troika. Chamou-nos “piegas”. Convidou-nos a emigrar. Disse que não havia alternativa a empobrecer. Até a palavra “empreendedorismo” acabou vítima da investida antineoliberal, como se todos os que se esforçam para criar o seu negócio fossem o palerma do “bater punho”.
A transformação de um estado de necessidade em opção ideológica é a grande vitória narrativa da esquerda. Os cortes não foram uma inevitabilidade mas um gosto — Passos e Portas desejavam o que nos aconteceu. E se desejavam, é porque poderia ter sido de outra forma. António Costa aí está para o provar. Com o quê? De que modo? Não interessa. O programa económico do PS implodiu nas negociações com a esquerda, mas ninguém se chateia com isso. Os acordos que ele assinou são coisa nenhuma, mas também ninguém se chateia com isso. O líder por que esperávamos chegou. Estamos todos a fazer figas. Vai correr bem, de certeza. O TINA (There Is No Alternative) foi substituído pelo TIAC (There Is António Costa).
Este messianismo irracional acompanha-nos desde sempre, e é filho da paralisia da nossa sociedade civil. É isto que não consigo aceitar pacatamente. Mais uma vez, depositamos toda a nossa fé num grande líder, e pagamos para o ver fingir que o Estado consegue fazer por nós aquilo que só por nós pode ser feito. Não está em causa a possibilidade de políticas alternativas ou de diferentes doseamentos de austeridade, mas sim o anúncio de um “tempo novo” escandalosamente parecido com o tempo velho de 2001 a 2011. Estamos sempre a tropeçar na mesma pedra. Sempre à espera de um milagre. Dizemos Costa como quem diz Sebastião.
Jornalista (jmtavares@outlook.com)

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