Opinião
Vitória já averbada por António Costa é a de fazer regressar o primado da política.
O primeiro debate quinzenal protagonizado por António Costa na quarta-feira foi demonstrativo de como o poder mudou em Portugal. Não só pelo facto de o novo primeiro-ministro ter confirmado que realizará uma série de promessas eleitorais, mas também pela acalmia do confronto e pelo regresso à normalidade democrática. Acima de tudo, a estreia parlamentar do Governo do PS suportado pelo BE e pelo PCP mostra que vivemos o regresso da política sem vergonha de se assumir como tal, sem se esconder atrás de uma pseudo cientificidade mecânica e sem margem de erro da economia e da ideia determinística de que não há alternativas ao modelo de governação.
A sua apresentação como orador na tribuna do Governo, investido da gravitas que lhe advém do cargo, até operou o milagre de, subitamente, António Costa ter granjeado do que se chama de “boa imprensa” e ter conseguido pôr fim a muitos dos comentários agrestes de que foi alvo nos últimos meses. De facto, há uma espécie de “efeito Axe” que o poder governativo exerce sobre muitas mentes.
O efeito contrário é visível na forma como Passos Coelho é olhado, agora sem a gravitas de primeiro-ministro, estreando-se como líder da oposição sentado no Parlamento. Um novo papel que assumiu na entrevista ao PÚBLICO (12/12/2015), ao afirmar-se como candidato a primeiro-ministro em nome do PSD. Uma declaração que provocou a réplica de Rui Rio, que de pronto manifestou dúvidas sobre a capacidade de Passos para ganhar de novo eleições, mostrando-se assim implicitamente disponível para liderar o partido e o país. (PÚBLICO online 15/12/2015)
Vitória já averbada por António Costa é a de fazer regressar o primado da política. E fê-lo ao liderar a condução da crise no Banif, assumindo a questão como política, como o fez ao nível da negociações permanentes que terá de manter com o BE e o PCP para garantir a base parlamentar d o seu Governo. Mas fê-lo, ainda, ao nível do discurso e da concretização das promessas.
Assim, ao mesmo tempo que avançava com o apoio às empresas que constava do seu programa eleitoral, esta semana António Costa concretizou na negociação em Concertação Social, em Conselho de Ministros ou em comissão parlamentar uma série de medidas que consistem em “repor” e “reverter” decisões do anterior Governo – como a elas se referiu o ex- primeiro-ministro, Passos Coelho. Isto, só por si, pode parecer pouco, mas tem um significado claro no que é a afirmação de um projecto ideologicamente de esquerda que aposta na dignidade das pessoas, no aumento dos rendimentos e da qualidade de vida de todos, sobretudo dos que foram mais fustigados pela austeridade.
Por muito pouco dinheiro que signifique as verbas reais que vão chegar aos bolsos de cada um dos beneficiários, o que está em causa é a atitude e a forma assumidamente política como estas opções são defendidas. Para quem vai beneficiar será seguramente importante o aumento do Salário Mínimo Nacional de 505 para 530 euros, como serão importantes as alterações à sobretaxa do IRS, de que fica isento o primeiro escalão, diminuindo de 3,5% para 1% os rendimentos entre 7420 euros e 20 mil euros, descendo para 1,75% entre os 20 mil e os 40 mil euros, baixando para 3% entre 40 mil e os 80 mil euros, mantendo-se 3,5% para os rendimentos superiores a 80 mil euros.
Do mesmo modo, António Costa dá um sinal de clara afirmação político-ideológica ao fazer regressar as prestações do Estado Social aos valores de 2010, antes da austeridade, portanto. O que passa pelo aumento das pensões abaixo de 628,8 euros por mês, um aumento de 0,4%, no máximo de 2,5 euros mensais, mas que beneficiará cerca de dois milhões de pensões. E que traz também o fim da contribuição extraordinária de solidariedade (CES) para pensões abaixo de 4611 euros/mês, sendo que acima deste valor a taxa passa para metade (7,5%). Do mesmo modo que actualiza os três primeiros escalões do abono de família, repõe os valores no complemento solidário para idosos (CSI) e no rendimento social de inserção (RSI) para valores de há cinco anos (PÚBLICO 17/12/2015).
É certo que o sucesso de António Costa como primeiro-ministro está por comprovar e isso só se verificará quando e se a economia crescer e o país sair da situação de finanças públicas e opções orçamentais monitorizadas pelos credores e pela Comissão Europeia. Mas é evidente que não há apenas um caminho para obter resultados na gestão de um Estado e que são diversos os modelos de acordo com as opções ideológicas e políticas. Tal como é cristalino que a governação é sempre política e que a política é sempre ideológica, mesmo quando se disfarça de que não o é.
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