EDITORIAL
O destino deste Governo passa muito pelas mãos deles.
Muito contrariado, Cavaco Silva acabou por “indicar” António Costa e não indigitar, como refere a Constituição. A troca de verbo não é um acaso, mas antes a deliberada exposição pública do estado de alma do Presidente na hora de anunciar a decisão sobre o nome do futuro primeiro-ministro. Esse acto selou, em definitivo, a natureza do próximo Governo. PSD e CDS não tardaram a mostrar um descontentamento visceral, prenúncio de que a solidão bem poderá ser a grande companhia de Cavaco nestes seus últimos dias em Belém.
Indiferente às feridas abertas à direita, António Costa foi célere em tirar o Governo do bolso. A expectativa era grande não só sobre os nomes, mas sobretudo no capítulo da organização e estrutura da nova equipa. Falou-se em ministros transversais, capazes de intervir em vários sectores, mas a ideia parece ter sido reduzida às áreas do Mar e da Modernização Administrativa. Pensava-se que era desta que o país ia ombrear com os padrões nórdicos em termos de exigência paritária e, afinal, num Governo com 17 pastas, António Costa só conseguiu incluir quatro mulheres. Onde está o autarca de Lisboa que tinha um executivo paritário? Em vez de um Governo de combate, com predomínio das áreas políticas e com forte tutela de ministros políticos, temos, pelo contrário, uma equipa com muita gente sem experiência governativa e a extinção dos titulares dos Assuntos Parlamentares e da Presidência do Conselho de Ministros. É certo que Costa tem a vantagem de estar rodeado da sua gente, capaz de blindar decisões, unificar a acção e concentrar a mensagem. Mas não corre o risco de se isolar? É uma incógnita porque, no essencial, o destino deste Governo depende mais do que se passar em S. Bento, do que das reuniões semanais na Gomes Teixeira. Porque não há apenas António Costa e a sua equipa, mas também Carlos César e o seu grupo de negociadores. O segredo está na qualidade da articulação entre ambos.
Quatro curiosidades sobre Cavaco Silva e os Governos que empossou
1. Foi durante a presidência de Cavaco que o primeiro Governo de coligação chegou ao fim da legislatura. A aliança PSD-CDS, liderada por Pedro Passos Coelho, conseguiu o que a Aliança Democrática (AD) – que incluía além dos dois partidos de centro-direita, também o PPM, primeiro liderada por Sá Carneiro, depois por Francisco Pinto Balsemão –, não conseguiu. Mais tarde, em 2002, o PSD e o CDS coligaram-se, após as eleições, mas os governos de Durão Barroso e Santana Lopes também não chegaram ao fim.
2. Cavaco Silva pode ser o primeiro Presidente da República a concluir o seu mandato em Belém não deixando no Governo um primeiro-ministro da sua área política. António Ramalho Eanes deixou Cavaco Silva em São Bento, que mesmo não sendo exactamente do “seu” partido (o PRD era a terceira força no Parlamento, à época), foi sempre uma figura politicamente próxima. Eanes viria a ser presidente da comissão de honra da candidatura de Cavaco à Presidência. Mais tarde, Mário Soares deixou Belém, em 1996, com Guterres como primeiro-ministro. Quando terminou o seu mandato, Jorge Sampaio tinha como líder do Executivo José Sócrates. No caso de Cavaco Silva, essa tendência pode alterar-se, com a posse de António Costa.
3. Ramalho Eanes é o Presidente que mais Governos empossou: dez. Teve como primeiros-ministros Mário Soares (três vezes), Nobre da Costa, Carlos Mota Pinto, Maria de Lourdes Pintasilgo, Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Cavaco Silva. Mário Soares só teve de lidar com dois chefes de Governo: Cavaco Silva (três governos) e António Guterres. Jorge Sampaio completou o primeiro mandato de Guterres e deu posse ao segundo Governo do ex-líder socialista. Depois veio Durão Barroso e, dois anos depois, Santana Lopes. O último Governo a que Sampaio deu posse foi o de José Sócrates, em 2005. Cavaco Silva deu posse ao segundo Governo de Sócrates, aos dois de Passos Coelho e, agora, a António Costa. Empata com Sampaio no segundo lugar, com quatro primeiros-ministros.
4. Pedro Passos Coelho e Cavaco Silva têm outro recorde em comum: o primeiro formou e o segundo empossou o XX Governo constitucional, o mais curto de sempre na história da democracia. Durou 11 dias, entre a posse (30 de Outubro) e a rejeição do seu programa (10 de Novembro). Antes, o V Governo provisório, liderado por Vasco Gonçalves, durara apenas um mês. Já o III Governo constitucional, de iniciativa presidencial, chefiado por Nobre da Costa, caiu ao fim de três meses.
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