Algumas crianças residentes em bairros como Maxaquene e Mafalala lançam-se em valas de drenagem para brincar e apanhar peixes miúdos, um acto frequente que coloca as suas vidas em perigo. domingo registou alguns momentos dessas brincadeiras de gosto duvidoso e apresenta nesta reportagem.
Criadas para escoar as águas das chuvas e consequentemente evitar enchentes, as valas de drenagem construídas em bairros como Maxaquene e Mafalala transformaram-se em autênticos parques infantisonde crianças de diferentes faixas etárias divertem-se e praticam a pescaria, conforme a nossa reportagem vem constatando nos últimos tempos. Segundo relatos de cidadãos residentes nas redondezas, as brincadeiras são variadas e passam por suspender-se em ferros montados nas passadeiras daquelas infra-estruturas até à submersão dos pés e das mãos em águas imundas “à procura de brinquedos e peixinhos”.
Alguns pais por nós contactados mostraram-se indignados com a situação e denunciaram que, geralmente, essas crianças descem vala abaixo na altura em que regressam da escola ou quando se dirigem aos dumba-nengues (mercados informais) montados ao longo das valas.
Próximo de um desses locais de risco, na Avenida Milagre Mabote, a nossa reportagem conversou com Inês Jaime, mãe, residente no bairro de Maxaquene em Maputo, que, na ocasião, demonstrou a sua inquietação ao relatar cenas em que, menores de idade, se introduzemem águas negras de onde,usando as próprias mãos,“retiram latas, sacos plásticos e outros objectos que, posteriormente, são usados como brinquedos, entre outros fins”.
Outra mãe, Ana Magaia, também residente no Bairro de Maxaquene, acrescentou que várias crianças lançam-se ao perigo, não só para brincar, mas também para praticar a pesca, sendo que“caminham de uma ponta para a outra, apanham peixes miúdos, fazem corridas competindo entre elas e transparecendo felicidade”, não obstante o facto de, não raras vezes, “rasgarem os pés ao pisarem em cacos de garrafas que ali existem em grande quantidade”. Tendo em conta a gravidade dos factos, Inês Jaime e Ana Magaia aproveitaram o momento para endereçar mensagens de apelo aos outros pais, de modo que “não deixem os filhos mergulharem em actividades reprováveis”,palavras de Inês Jaime, e acima de tudo, que se coloquem a par dos locais por onde as crianças andam ou brincam. “Aqui (disse, por seu turno, Ana Magaia apontando para as valas de drenagem), sem dúvida, colocam em perigo as suas vidas”.
Em contramão, encontram-se crianças despreocupadas e assumindo que para lá se dirigem “todos os dias para brincar e pescar”. Esta declaração é de Wild Pedro, de 10 anos, que reside no bairro de Maxaquene com a sua mãe, seus irmãos e com a avó. Ao longo da conversa, domingo concluiu que as brincadeiras de Wild (e amigos) em locais repletos de impurezas não enfrentam nenhuma interdição, seja de que parte for, facto atestado na seguinte afirmação: “minha família sabe que tenho estado aqui e não diz nada” e,para agravar asituação, o menino Wild garantiu não ter medo de contrair doenças.
Ora, trata-se de um fascínio isento de explicação plausível. E diga-se em abono da verdade, um número preocupante de crianças frequenta as valas de drenagem. O menino Júnior (que somente desta forma se quis identificar) também faz parte desse universo.
Júnior confirmou o prazer que tem de pisar aquele lugar:“Brincar, aqui, anima! Ospés ficam frescos”. Naquele espaço junta os amigos para as suas travessuras e, para obter alguma vantagem sob o ponto de vista financeiro, vendendo peixinhos conseguidos na pescaria “aos titios (seus clientes),por 5 meticais”, em pontos como o semáforo da esquina entre as Avenidas Joaquim Chissano e Acordos de Lusaka.
A dada altura da nossa conversa, e já ciente do desconcerto, quando questionado sobre o destino que dá ao dinheiro arrecadado dessas vendas, optou por passar a bola ao seu irmão mais velho, mas igualmente de pouca idade: “pergunta ao meu, irmão. Eu não sei de nada”. Tentativa em vão. De seguida, os meninos puseram-se em fuga levando consigo as garrafas repletas de peixes miúdos.
As valas têm micro-organismos nocivos à saúde
- Francisco Mbofana, Director Nacional da Saúde Pública
Contactado pelo domingo, a propósito do tema desenvolvido nesta reportagem, Francisco Mbofana, médico e Director Nacional da Saúde Pública, alertou para o facto de as valas de drenagem não oferecerem segurança, sob o ponto de saúde, sobretudo porque“servem para eliminar coisas que não são boas, o que, por si, torna esse ambiente impróprio para o ser humano por conter um conjunto de micro-organismos nocivos”. Avançando nos seus argumentos, Mbofana falou da existência da Tríade Ecológica, composta por elementos tais como o Ambiente, Agente e o Hospedeiro. Ao se referir especialmente às valas de drenagem reiterou que, “se trata de um ambiente não apropriado e tendo lá algum agente causador de doenças,em contacto com o hospedeiro (especialmente o ser humano) essa condição pode levar a um desequilíbrio e resultar no estabelecimento de uma doença”. Prosseguindo alertou para a possibilidade de existirem fezes naqueles locais “repletas de bactérias que podem, portanto, levar a pessoa a entrar num quadro de doenças diarreicas”. Entretanto, segundo advertiu, há que ter, também, em conta o risco de contrair a bilharziose, “uma doença que, a longo prazo, pode levar à morte por desenvolver complicações no fígado ou nas vias urinárias, para além de causar debilitações, incapacidades, afectando desse modo o bem-estar da pessoa”.
Carol Banze
Fotos de Jerónimo Muianga
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