DIÁLOGO DIRECTO COM AFONSO DHLAKAMA FOI CONSIDERADO SINAL MAIS LUCIDATIVO
Filipe Nyusi reservou a si a escolha da maior parte dos membros do Governo, com base em sugestões por si próprio solicitadas a vários grupos. Julga-se que nas escolhas finais foi “aconselhado” por tecnocratas dos Caminhos de Ferro de Moçambique, antigos colegas, que considera e fazem parte do seu círculo de relações próximas
XAVIER DE FIGUEIREDO *
Onovo Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, vem exercendo o cargo com um espírito de independência política e institucional mais lato do que até agora se estimava e/ou deduzia; a capacidade de decisão própria que revelou na iniciativa de encetar uma política de diálogo directo com Afonso Dhlakama foi considerada lucidativa.
Análises anteriores segundo as quais Filipe Nyusi seria obrigado, por imperativo de redutoras circunstâncias políticas, a sujeitar ao escrutínio do líder da Frelimo e anterior Presidente, Armando Emílio Guebuza (AEG), o exercício dos seus poderes presidenciais foram contrariadas pela sua atitude no caso do diálogo com Afonso Dhlakama.
- AEG não teve conhecimento prévio da iniciativa de Filipe Nyusi, prestado pelo próprio; foi apenas posto de sobreaviso por informações de imprensa, de natureza condicional, bem como por rumores que circularam emmeios políticos.
- Foi o novo Presidente, agindo de motu próprio e de forma considerada “solitária”, que decidiu fazer algumas concessões protocolares na organização do encontro com o líder da Renamo, tendo em vista garantir a sua efectivação.
Em 3 de Fevereiro, dois dias antes do encontro, AEG referiu-se com desprimor a Afonso Dhlakama e às suas propostas de criação de regiões autónomas no Centro e Norte do território.
Nos últimos dias figuras proeminentes da direcção do partido, entre as quais o antigo Secretário-geral, Filipe Chimoio Paunde, retomaram o discurso de AEG.
2. Desde o momento da sua investidura, Filipe Nyusi tem vindo a defender um espírito de abertura ao diálogo e à negociação como forma de assegurar um clima de estabilidade política e social. Era duvidoso, porém, que dispusesse de capacidade de decisão plena PARA iniciativas consideradas “arrojadas”, como o seu encontro com Afonso Dhlakama.
O modelo de organização e funcionamento do poder em Moçambique, apesar da erosão por que tem passado desde o início da liberalização política, é ainda inspirado em concepções originárias do período revolucionário que atribuem à Frelimo um papel tutelar sobre os órgãos do Estado e suas decisões.
A linha de abertura ao diálogo com a Renamo que Filipe Nyusi segue suscita mitigadas reservas ou mesmo a oposição de sensibilidades da Frelimo conotadas com AEG, mas é acolhida com sentimentos de expectativa e/ou simpatia por outras facções, também influentes.
As clivagens internas na Frelimo em relação ao diálogo com Afonso Dhlakama facilitam a “via” seguida por Filipe Nyusi; mas o elemento que mais a encoraja é, porém, o apoio provindo de sectores-chave da sociedade e da população, aparentemente impelidos por aspirações de estabilidade e segurança.
3. Elementos adicionais em relação ao processo de formação do actual Governo também indicam que a capacidade de escolha efectiva dos seus membros por parte do novo Presidente foi mais ampla do que se supôs; não é certo que AEG lhe tenha apresentado uma lista de nomes “PARA escolha”.
O novo Governo quebrou na sua composição com uma “regra” observada desde a independência, que era a de os seus membros provirem maioritariamente dos órgãos de direcção da Frelimo – CP e CC, em especial.
A permanência de José Pacheco, único membro da CP, foi justificada pela sua participação no processo negocial com a Renamo.
Filipe Nyusi reservou a si a escolha da maior parte dos membros do Governo, com base em sugestões por si próprio solicitadas a vários grupos. Julga-se que nas escolhas finais foi “aconselhado” por tecnocratas dos Caminhos de Ferro de Moçambique, antigos colegas, que considera e fazem parte do seu círculo de relações próximas.
Também há conhecimento, embora menos detalhado, de que não acolheu favoravelmente propostas e sugestões que em pleno processo de constituição do Governo lhe foram feitas por pessoas com quem tem múltiplas afinidades, como Alberto Chipande, Raimundo Pachinuapa e outros.
4. A atitude pública de AEG no que toca à sua “coexistência” com o novo Presidente não deixa transparecer, no entanto, nítidas inclinações de interferência ou controlo. Considera-se que é uma atitude ditada por uma visão realística das coisas. A relação interna de forças tenderá a ser-lhe desfavorável.
A impressão de que existe um poder “bicéfalo” tem sido especialmente promovida pela TVM e pelo jornalNotícias, ambos muito propensos a sobrevalorizar a acção do líder do partido, como aconteceu de forma ostensiva numa cerimónia na sede da Frelimo destinada a assinalar, dois dias depois da date, o aniversário de Filipe Nyusi.
* no Africa Monitor Intelligence
CORREIO DA MANHÃ – 19.02.2015
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