O Dr. Gabriel Muthisse postou no seu mural que "...Jeremias Langa e Tomás tergiversaram grosseiramente o seu comentário...tiraram as minhas palavras fora do contexto... Triste quando as pessoas que eu respeito muito descem tão baixo".
Decidi escrever este post para colocar alguns pontos nos "ii", pois sinto que de repente, o assunto desviou-se daquilo que verdadeiramente interessa (o teor do post do Dr. Gabriel Muthisse) para os analistas do post.
Tenho enorme admiração e respeito pelo Dr. Gabriel Muthisse. Em minha opinião, foi dos mais abertos, inteligentes e coerentes ministros do último Governo do Presidente Guebuza. Representa a modernidade no estilo de governação, ao dispor-se para o debate, mesmo quando ocupava tão distintas pastas no Governo. Mas não o posso deixar sem resposta.
Fui ao dicionário e encontrei o seguinte significado sobre o infinitivo do verbo "tergiversar": fugir do assunto principal, enrolar, usar evasivas, rodeios, etc.
Ou seja, na óptima do Dr. Gabriel Muthisse, ao analisarmos o seu post, eu e o Tomás fugimos do assunto de que ele estava a tratar, enrolámos, usámos evasivas. Sinceramente, tenho dúvidas do enquadramento desta forma verbal nos moldes em que o assunto é colocado.
Vou, portanto, assumir a ideia de que queria dizer que "desvirtuamos"/"deturpamos" o que ele escreveu. Parece-me fazer mais sentido. Portanto, ao lermos o seu comentários, fizemos uma leitura diversa daquela que ele queria transmitir. Leitura!
Afinal, o que é ler um texto?
Eni Pulcinelli Orlandi (2000) defende que, na perspectiva da análise do discurso, o texto não é apenas um produto acabado. Está em processo de produção e logo da sua significação. Portanto, o leitor não apreende meramente um sentido que está no texto de forma apriorística. O leitor atribui sentidos ao texto, ao lê-lo.
Roland Barthes (1976) defende que o leitor não é um consumidor mas um produtor do texto. Para Vincent Jouve (2002), o texto contenta-se em dar indícios; é ao leitor que cabe construir o sentido global da obra. Imbert (1986) defende que ao ler um texto, os leitores encerram o ciclo do processo criativo e dão sentido final ao texto.
Por outras palavras, o texto não existe em si, mas é ideologicamente determinado. E pelo seu leitor.
Ao ler o comentário do Dr. Gabriel Muthisse, como leitor, produzi o meu próprio sentido, o meu entendimento. Obviamente, que não se permite "qualquer leitura". Há elementos condutores. Vamos a eles.
Comecemos pela comparação de Filipe Nyusi a Raúl Domingos.
Raúl domingos foi, durante muitos anos, o nr 2 da Renamo. Saiu deste partido, foi fundar o PDD. Nas eleições de 2004, Raúl Domingos concorreu às Presidenciais e recebeu 85.815 votos, correspondendo a 2,7% das escolhas populares.
Estes são nrs pouco expressivos para quem era nr 2 na Renamo. Em linguagem coloquial, diríamos que Raúl Domingos "não vale nada" no contexto político nacional, com estes resultados. Tal como dizemos que "não joga nada" um jogador que não corresponde às nossas expectativas.
No programa Pontos de Vista, referi que o Dr. Gabriel Muthisse diz que "Nyusi não vale nada", sustentado nesta ideia. É a minha conclusão da comparação que ele faz de Filipe Nyusi a Raúl Domingos. Comparar o Manchester United ao Zixaxa ou ao Bayern de Munique nåo é propriamente a mesma coisa. São valências, e juízos valorativos, diferentes.
Quando se lê um texto, considera-se não apenas o que está dito, mas também o que está implícito: aquilo que não está dito, mas que também significa. E o que não está dito pode emergir de várias maneiras: o que não está dito, mas que, de certa maneira, sustenta o que está dito; o que está suposto para que se entenda o que está dito; aquilo a que o que está dito se opõe, etc. - por isso, saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz, mas o constitui significativamente.
Sobre o analisar uma passagem fora de contexto
Um texto é analisado no seu conjunto, mas realçando as suas partes mais significativas, os "fragmentos de ideias" que o constituem. No texto do Dr. Gabriel Muthisse, é inegável, a meu ver, que a ideia central é a de que Filipe Nyusi só é forte dentro da Frelimo. Fora dela fica igual a qualquer outro político pouco expressivo, que vale pouco, que "não vale nada". Por isso, é incontornável o realce desta ideia.
Sobre o exagero
O que é verdadeiramente exagerado aqui? O debate que fizemos ao texto do Dr. Gabriel Muthisse ou a afirmação de que "Filipe Nyusi fora da Frelimo é igual a Raúl Domingos?" Por que Raúl Domingos? Não terá sido por este pensar que era forte mesmo sem razão, ao ponto de fundar um partido? Não acha exagerado comparar um Chefe de Estado a um líder de um partido que só teve 2,7% de votos? Uma coisa é o que quis dizer. Outra, diferente, é o que disse. Melhor: escreveu.
Sobre o Facebook
Há quem se insurja por um programa televisivo usar o FB como fonte. Há agora muitos Chefes de Estado pelo mundo fora a utilizarem o FB para comunicações oficiais. Mais: o Dr. Gabriel Muthisse não é uma pessoa qualquer, não fez um pronunciamento qualquer. Devido a esse seu estatuto, o que ele diz é relevante, sobretudo quando o faz em torno de um assunto actual.
Finalmente, o mais importante: o Dr. Gabriel excedeu-se no comentário e, no lugar de procurar culpados, bodes expiatórios, devia retractar-se. Pode sempre alegar que no calor do debate se entusiasmou e foi para além do aceitável. Não seria um caso isolado. Acontece a muitos.
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