Saturday, February 28, 2015

Sara Jona: “Não nos assumimos como um país multicultural“

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Entrevista com Sara Jona
As influências literárias de Sara Jona partem de casa à escola. Para a ensaísta, um dos factores que mancha a qualidade das obras moçambicanas é a pressa de publicar. A autorado recém-lançado livro “Entre o Índico e o Atlântico” diz que Moçambique ainda busca a sua identidade multicultural.
Olhando para o seu percurso, noto uma paixão pela escrita. Como se relaciona com a literatura?
A minha relação com a literatura começa pelo facto de ter sido estimulada a ler ainda em casa. O meu pai lia livros de ficção; a minha mãe, livros religiosos. Via-os a ler e achava que aquela era uma actividade engraçada. Comecei a imitar e, ao longo de muitos anos, resolvi estudar linguística e literatura.
Então, a minha relação com a literatura começa aí. Aliás, antes já havia colaborado com jornais e programas, mas essa relação fortificou-se quando entrei no curso de Linguística na Universidade Eduardo Mondlane. Nessa altura, era obrigada a compreender não só os pressupostos teóricos, mas também tudo aquilo que alimenta a literatura. Daí para frente não larguei mais a escrita e a leitura.
Que imagem a instituição literária esboça dos que divulgam as obras e autores nacionais?
Boa e má. Converso com pessoas que dizem que não gostam do crítico x porque não faloubem do meu livro, mas nem é suposto que isso aconteça. A crítica pressupõe falar do que está na obra. Pode trazer outrossentidos, mas é preciso ter em conta que a crítica é uma escrita que está sobre outra escrita. Se as coisas estão mal no livro de base, não há como dizer que as coisas estão bem. Há escritores que criticam determinados críticos literários. Sei que há uns que gostam mas, neste caso, o gostar não tem a ver com o dizer bem ou mal, e sim, pela simpatia pelos critérios de análise literária. Eu lido bem com isso.
Desde 1980/1, altura em que surge o primeiro concurso literário, parece-me que Francisco Noa é o primeiro ensaísta a vencer um prémio. O que se pode dizer desta realidade?
Foi uma boa escolha! Se não me engano, o regulamento do concurso diz que premeia prosa também. Se premeia prosa, por que não se premeia o ensaio que também está ligado àquele tipo de escrita? Foi uma boa escolha porque Francisco Noa é um bom crítico literário.
É exigente e aprofunda as análises que faz. E o livro dele que foi premiado “Perto do fragmento, a totalidade”, reflecte a qualidade de análise com profundidade e com diferentes tipos de abordagem.
Acho bom que também se premeie este género literário, afinal, ajuda a compreender e a divulgar as obras literárias.
O que nos tem a dizer do nosso universo literário,a partir dos autores por si analisados na obra “Entre o Índico e o Atlântico”?
A partir do que trago no meulivro, posso dizer que a qualidadeda literatura está de boasaúde. Digo isto porque no meu livro há uma selecção de textos com qualidade. Falo de “O outro pé da sereia”, de Mia Couto; “O olho de Hertzog”, de João Paulo Borges Coelho; “Mulungu”, de Adelino Timóteo; e “Palestra para um morto”, de Suleiman Cassamo. Esses livros não foram escolhidos ao acaso, alguns deles são de leitura obrigatória no curso que faço na Universidade Nova de Lisboa. Obviamente, como em qualquer parte do mundo, há uma produção muito boa e outra menos boa. Não fugimos à regra. Em algum momento, temos uma produção literária que não é grande coisa, muitas vezes, não porque o escritor não seja bom, mas pela pressa de publicar.
As obras literárias moçambicanas reflectemdesenvolvimento intelectual dos leitores?
Sim, algumas. Dou um exemplo a partir da obra de João Paulo Borges Coelho, “O olho de Hertzog”.
É um livro que me desafia pelas representaçõeshistóricas e culturais que nele existem. Isso despertou a curiosidade de calcorrear a cidadede Maputo para verificar alguns lugares de que o livro sugeria.
Temos nesta obra entidades referenciaisque nos fazem conhecer a antiga Lourenço Marques e com outros olhos. Este livro desperta curiosidades e desafia os leitores.
Considera Noémia de Sousa poetisa do futuro. Porquê, e que futuro é esse?
Por causa das temáticas que ela aborda. Ela sempre foi uma pessoa que se dedicou a escrever sobre a questão da recuperação da identidade moçambicana e africana. Escreveu sobre isso há muitos anos, mas o que escreveu ainda nos serve, porque ainda estamos à busca da nossa identidade. Somos um país multicultural que não se assume como tal. Somos um país que tende a assumir-se como monocultural, não precisamos disso e nem de termos uma língua para nos entendermos. A Noémia aponta para tudo isto.
Quem são os autores que lhederam mais prazer de analisar no “Entre o Índico e o Atlântico”?
O que me desafiou muito foiSuleiman Cassamo. A primeiravez que li “Palestra para um morto” não o percebi muito bem. O livro trouxe-me vários enigmas.
Quando voltei a lê-lo há dois anos, percebi que ele tem uma escrita etnográfica, que surge a partir de uma pesquisa de campo.
Então tentei perceber o livro e o contexto sobre o qual ele escreve e ver as diferentes interpretações que se fazem sobre as coisas que aponta no livro. Aí percebi melhor a obra.

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