Norman Nyazema, farmacologista clínico e professor de farmacologia/Crédito fotográfico: N.Z. Nyazema
Apesar de estarem ainda a decorrer as análises laboratoriais visando confirmar ou desmentir as hipóteses de uma presumível intoxicação do “phombe”, bebida de fermentação caseira, que, em Janeiro, vitimou 75 pessoas em Chitima, sede distrital de Cahora Bassa, estudos já feitos anulam a possibilidade de a bílis de crocodilo ser a causa da tragédia.
Após a tragédia, que na fatídica e funesta tarde do dia 9 até 12 Janeiro, provocou a morte de 75 das 177 pessoas que procuraram os cuidados médicos, em consequência do consumo do phombe, quando regressavam de um funeral familiar, são várias as especulações levantadas em vários circuitos sobre o que teria causado o problema.
Entre as vítimas, está Olívia Olocane, mulher de elevada reputação a nível daquela vila pelas óptimas qualidades na fermentação da bebida, mas que a sua morte tornou muito mais complicada a identificação do presumível autor da intoxicação.
Aliás, as amostras estão sob análises laboratoriais em países como África do Sul, Estados Unidos e Portugal.
A situação, além de aumentar a ansiedade das populações, abriu espaço para uma diversidade de especulações avançadas, entre elas a possibilidade de ter sido o bílis de crocodilo, mas que os estudos existentes desmentem essa teoria, porquanto o conteúdo em questão não passa de um veneno mítico entre as populações nativas.
Segundo o farmacologista clínico Doutor Norman Nyazema, agora na Universidade de Limpopo, na África do Sul, a bílis de crocodilo não é uma substância tóxica e contém, por sinal, os mesmos ácidos biliares semelhantes aos que usam os seres humanos para a digestão.
Na óptica de Nyazema, o veneno que causou a morte das pessoas que consumiram a bebida naquela tarde pode, isso sim, ser uma erva regional que continha glicosídeos cardíacos. Essas drogas que ocorrem naturalmente, como a digoxina, são usadas terapeuticamente para controlar a insuficiência cardíaca congestiva, mas potencialmente letais em várias vezes doses e mais elevadas.
O cientista que descobriu a verdade sobre a bílis de crocodilo sustenta ainda a hipótese de o veneno usado ter sido um dos vários e baratos existentes, a nível local, como é o caso dos organofosfatos usados para o controlo de pragas na agricultura.
A fonte disse, por outro lado, que as amostras do phombe recolhida pelas autoridades visando efectuar as análises tem fortes probabilidades de conter uma maior concentração do veneno, mas o sangue das vítimas também deve mostrar o “agente” que atacou a família de enzimas chamadas de inibidores irreversíveis de colinesterases.
O desafio analítico agora, volvidas três semanas após a tragédia, é que os organofosfatos podem sofrer uma hidrólise se decompor em outros componentes, assim como ligar-se a outras proteínas tanto na bebida, bem como nos fluidos biológicos.
A detecção de tais produtos constitui, segundo Nyazema, um desafio, mas não é impossível mercê do acesso a cromatografia e as técnicas especializadas de espectrometria de massa.
A capacidade técnica laboratorial dos serviços nacionais de saúde pública não está equipada de meios para este nível de detalhe. Mais ainda, a identidade dos laboratórios no exterior, aonde foram enviadas as amostras também não foi revelada, porém há uma enorme expectativa sobre os resultados nas próximas semanas.
(RM/AIM)
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