01.02.2015
JOSÉ MENDES
Esta foi uma semana agitada na nação grega. Eleições, novo Governo, novo primeiro-ministro e uma entrada de rompante na governação, a fazer tremer as estruturas de uma Europa imóvel, viciada num estilo de gestão da mudança que tem por objetivo maior deixar tudo na mesma. Por cá, Passos Coelho não tremeu, afirmando perentoriamente que Portugal não mexerá uma palha para ajudar a resolver a tragédia grega.
A Grécia foi sempre o patinho feio dos países resgatados. De incumprimento em incumprimento, foram recebendo os milhões da troika, segundo uma receita que nem lá, nem cá gerou crescimento e capacidade de pagar a dívida. Hoje, deve cerca algo como 180% do seu PIB e viu as "yields" das suas obrigações do tesouro a 10 anos dispararem para cima dos 10% no mercado secundário, quando, ainda em setembro passado, andavam perto dos 5%.
Muito se diz sobre o estilo de vida dos gregos. Com mais ou menos verdade, mais ou menos mitologia, é seguro que há demasiada corrupção na Grécia, é seguro que existiam direitos dos trabalhadores claramente insustentáveis, é seguro que alguns setores beneficiam de proteções fiscais incompreensíveis e é seguríssimo que o fenómeno da evasão fiscal está longe de ser escasso. Tudo isso é verdade, mas também há mentiras no olhar dos europeus sobre Atenas.
É falso dizer que os gregos recusam a austeridade. Adotaram-na, e de forma brutal, atirando para as margens da pobreza milhões de pessoas, nomeadamente crianças e idosos que não têm forma de pagar a energia elétrica, os medicamentos ou a alimentação. O problema é que a receita da austeridade não deu resultados, não dinamizou a economia e não trouxe à Grécia qualquer capacidade acrescida de pagar a dívida. A prova acabada de que a dívida grega é insustentável está na avaliação feita pela CMA/S&P Capital IQ, para quem a probabilidade do país entrar em incumprimento num horizonte de cinco anos vai já nos 69%, pior só que a Venezuela e a Ucrânia. Ora, perante este insucesso da receita, é natural que o doente recuse continuar no mesmo tratamento.
Não vejo, então, como estranho que o novo Governo grego apregoe a necessidade de uma conferência para discutir a dívida. Já penso que Alexis Tsipras e o seu lugar-tenente das Finanças Yanis Varoufakis se estarão a precipitar nas medidas dos primeiros dias. O seu firme propósito de aplicar sem demora o "Programa de Salónica", desenhado para ajudar os mais desprotegidos e dinamizar a economia, corresponde ao cumprimento da sua mais forte promessa eleitoral, mas tem pelo menos dois problemas. O primeiro é que se estima que possa custar mais de 11 mil milhões de euros, dinheiro que objetivamente a Grécia não tem. Depois, porque transmite para os credores e para os parceiros europeus a mensagem antiausteridade, algo que do ponto de vista tático não ajudará aos desígnios gregos. Reempregar 10 mil funcionários públicos que haviam sido despedidos, suspender privatizações, fornecer eletricidade gratuita a 300 mil famílias e aumentar substancialmente o salário mínimo causa arrepios a muitos por essa Europa.
Passos Coelho, a este propósito, reagiu racionalmente esta semana no Parlamento. Não acha justo que, após três anos de privações e cumprimento de todas as obrigações, Portugal tenha agora de vir ajudar à festa, com eventual perdão de dívida a um país que, não cumprindo, até passa a ter um salário mínimo superior ao nosso. O seu pensamento é inatacável.
Mas a política é a arte do possível. E nem Tsipras nem Coelho parecem ter avaliado bem o espetro das possibilidades antes de dizer e fazer o que pensam. Tsipras, creio, não poderá jamais chegar à reestruturação da dívida, se não mitigar a sua deriva antiausteridade. Se se continuar a precipitar no ataque corre o risco, para utilizar uma expressão do futebol, de ser surpreendido no contra-ataque e acabar goleado. Passos, por sua vez, não anteviu que, com ou sem o nome de conferência, a questão da dívida grega vai fatalmente ser debatida na Zona Euro. Ao gritar o seu categórico "Não!", pode ficar isolado e, mais grave, prejudica a possibilidade de um debate, tão do nosso interesse, que versaria também a questão central da gestão europeia das dívidas soberanas. A Irlanda, mais avisada, lá foi dizendo que não se oporia à ideia.
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