Thursday, November 7, 2013

PRESIDENTE MILITAR, ESTADO FALIDO E PAZ PODRE... AINDA SOBRE A TENSÃO POLÍTIO-MILITAR EM MOÇAMBIQUE

  • PRESIDENTE MILITAR, ESTADO FALIDO E PAZ PODRE... AINDA SOBRE A TENSÃO POLÍTIO-MILITAR EM MOÇAMBIQUE

    Quando eu era estudante do ISRI, no 2º ano do curso de Relações Internacionais e Diplomacia, um dos livros que mais paixão despertou em mim foi “O Homem, o Estado e a Guerra”, de Kenneth Waltz, lançado primeiramente em 1959 e onde, dentre outras teses, o autor defende que as explicações para as causas da guerra podem ser buscadas através de 3 níveis de análise:
    1) a natureza e o comportamento humano;
    2) a organização interna dos Estados;
    3) o sistema internacional em que as relações entre os Estados são efectivadas.

    Obviamente que não é um modelo “fechado” e tem as suas limitações e derivados. Entretanto, e para efeitos do que pretendo aqui dissertar, creio servir para tecer algumas coisas a respeito da tensão político-militar que Moçambique atravessa actualmente. Particularmente os dois primeiros níveis (o indivíduo e o Estado) e que assentarão essencialmente sobre Guebuza e sobre o Governo moçambicano.

    SOBRE GUEBUZA

    Kenneth Waltz advoga, na obra supracitada, que as causas mais importantes da guerra são a natureza e o comportamento do homem. Para ele, as guerras resultam da estupidez e do egoísmo inerentes ao homem; por conseguinte, para a eliminação da guerra é necessári a uma mudança psicossocial do homem. Ora bem... Todo o mundo sabe que Guebuza teve toda a sua juventude e idade adulta “formatada” por influências políticas, ideológicas e militares directamente associadas à violência: teve uma formação militar, participou como combatente na luta de libertação colonial e foi ministro da Administração Interna na aurora da independência (responsável pela perseguição política aos reaccionários e pela operacionalização dos “campos de reeducação”). Aceitemos ou não, esta experiência toda de participação e direcção em ambientes de violência política molda o modo como um ser humano encara, para sempre, o mundo à sua volta e a sua reacção em ambientes ou cenários semelhantes. Líderes políticos com histórico militar tendem a reagir como militares diante de eventos militares. Não me admira nada que o “lado civil” de Guebuza tenha estado adormecido nestes 21 anos de paz (em que ele se alternava entre “empresário de sucesso”, líder parlamentar da Frelimo e depois Presidente da República), até sair da hibernação e se revelar nova e naturalmente nos últimos tempos, na sua condição de Comandante-em-Chefe das nossas forças de defesa e segurança, com a autorização da “solução militar” para a resolução do diferendo político com a Renamo. Guebuza, como todo o militar ou militarista que se preze, fará de tudo para a manutenção do poder e influência pessoal e do regime que representa. Nem que, para isso, tenha que abdicar das suas responsabilidades como o mais alto mais alto magistrado da nação. It´s the human nature...

    SOBRE O GOVERNO E O ESTADO MOÇAMBICANO

    Para Kenneth Waltz, um Estado com graves problemas institucionais é uma ameaça constante à paz. O Governo moçambicano, no mandato presidencial de Guebuza, teve 3 ministros da Agricultura exonerados e nomeados em tempo recorde. As políticas públicas para o sector agrário foram literalmente desastrosas (do jatropha à “revolução verde” que morreu de morte natural). O Ministério do Interior, responsável pela ordem e segurança pública, tem sido o mais caótico com a eclosão de crimes violentos (assassinatos indiscriminado de polícias, assaltos sistemáticos à residências e consecutivo pânico social, surgimento e “disseminação” crescente de sequestros e raptos, etc). O Ministério da Saúde testemunhou duas greves gerais de médicos e de pessoal técnico. O Ministério da Educação não tem sistematicamente conseguido melhorar a qualidade do Sistema Nacional de Educação e o país já começou a lidar com níveis medíocres de graduados em todos os sub-sectores de ensino. O Ministério dos Transportes e Comunicações tem sido desasastroso no fornecimento de serviços públicos elementares (ora são barcos que são adquiridos e colocados a funcionar como meios de transporte públicos sem estudos de viabilidade, de sustentabilidade ou de rentabilidade, ora são autocarros comprados para os TPM e que “morrem” por falta de fabricação contemporânea de determinadas peças ou linhas de produção, ora é a “sugestão” de medidas impressionantes como a da introdução do uso de bicicletas nas zonas urbanas, etc etc). Por outro lado, a percepção da sociedade em relação à governação tem sido a mais crítica de Moçambique independente, reflectida nos sucessivos levantamentos populares e nas manifestações públicas de indignação, repúdio e descontentamento. As forças vivas da sociedade (partidos políticos da Oposição, organizações da sociedade civil, congregações religiosas, grupos de interesse empresariais, órgãos de comunicação social independentes, dentre outras) comungam da mesma percepção “colapsante” para a qual a situação política, económica e social de Moçambique tem estado a caminhar. Com efeito, não só o poder executivo parece estar a dar sinais inequívocos de falência, como também os poderes legislativo (Assembleia da República inerte e muito atrás dos eventos e fenómenos nacionais que têm surgido como cogumelos e de modo sistemático) e judicial (sistema de administração da justiça letárgico, capturado pelos interesses do poder executivo e mórbido demais para dar resposta célere e devida aos múltiplos atropelos legais e criminais em alta no país).

    Um Estado fracassado é, em essência, um país no qual o governo é ineficaz e não mantém de fato o controle sobre o território (se o fizesse, não haveria bases militares da Renamo espalhadas em regiões geográficas concretas). Um Estado com altas taxas de criminalidade (os sucessivos raptos nas zonas urbanas e os constantes ataques e assaltosa quartéis militares, esquadras policiais e unidades sanitárias nas zonas rurais do país são disso evidência clara e indesmentível), corrupção extrema (com tentáculos até ao Tribunal Administrativo ou ao Tribunal Constitucional, só para citar dois exemplos paradigmáticos), um extenso mercado informal, deterioração progressiva dos serviços públicos, poder judiciário ineficaz, interferência militar na política (estamos aqui apenas na fase “inicial”, com a “solução militar” para o diferendo opondo a Frelimo e a Renamo) e presença de grupos armados paramilitares ou organizações terroristas controlando de facto uma parte do território nacional (outra vez a Renamo), dentre outras características tangíveis e intangíveis, é em essência um Estado falido... Moçambique tem isto tudo!

    SOBRE A PAZ PODRE

    É inegável que o Estado moçambicano, honestamente falando, está a perder capacidade de resposta na manutenção da lei e ordem nas zonas urbanas e rurais do país. A satisfação de objectivos comunitários tem sido “sequestrada” por interesses e egoísmos de um grupo restrito de pessoas que acha que o melhor para o país é exclusivamente o que eles concebem, difundem e defendem. O Estado tem sido perigosamente impotente e incompetente na produção, aplicação e imposição da primazia do Estado de Direito no país. O Governo não tem sabido gerir de modo profíquo os recursos e as potencialidades do país, bem como as suas carências e expectativas do povo moçambicano. O desempenho em áreas sociais tem sido sistematicamente medíocre e decrescente; o povo tem dado sinais indiscutíveis de descontentamento e de repúdio. Revoltas populares e a tensão política no centro e no norte do país têm estado a mostrar, para quem quer ou pode ver, que o país pode estar a beira do colapso. A crescente instabilidade política e social pode estar a lançar as primeiras pedras para o descalabro do “Golias económico” que Moçambique um dia foi e que muito recentemente mostrou poder vir a ser, com a descoberta e exploração dos ricos recursos naturais que possui. O fracasso do Estado moçambicano, através do Governo vigente, na provisão de serviços e de segurança pública, o crescimento da criminalidade, a corrupção generalizada e, muito mais perniciosa, a erosão de legitimidade desse mesmo Governo junto do povo, parece estar a abrir alas para o seu próprio colapso. Por outra, quando o Estado é capturado por uma elite que o controla, explorando-o para seus próprios interesses, e esquecendo-se completamente do povo em geral, estamos diante de uma paz podre. Uma bomba-relógio de consequências imprevisíveis. Com efeito, e como sói dizer-se, paz não é apenas ausência de guerra. E já estamos em guerra...
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    — with José Belmiro and 10 others.

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