Reflexão de Adelino Buque
As eleições autárquicas de 20 de Novembro de 2013 representam um duro golpe à democracia nacional por causa da auto-exclusão do partido Renamo, até então considerado o maior partido da oposição nacional. Apesar do anunciado boicote das eleições por este partido político, tudo indica que os cidadãos com idade eleitoral das 53 autarquias nacionais fizeram ouvidos de mercador, primeiro participando de forma activa no processo de recenseamento, depois na campanha eleitoral e, finalmente, na votação para a eleição dos edis e membros das assembleias municipais.
De destacar a autarquia de Gorongosa, considerado epicentro da tensão político-militar protagonizada pelo partido Renamo, através dos seus homens armados, onde os munícipes deram uma autêntica lição de democracia, dando o seu voto de confiança ao partido Frelimo e seu candidato.
Independentemente dos resultados eleitorais, existe um dado adquirido nas eleições autárquicas de 2013. É que, efectivamente, o Governo determina o rumo das coisas, a ele compete determinar o momento em que as coisas devem acontecer em estreita observância da legislação. Esta é, quanto a mim, mais uma ilação a tirar deste processo.
Em nenhum momento o Governo mostrou-se reticente em relação ao processo eleitoral autárquico de 2013, antes pelo contrário, sempre defendeu que não podia e nem devia quebrar os ciclos eleitorais que representam um ganho da própria democracia. Muitos analistas apontavam vários factores para o adiamento das eleições autárquicas, com acento tónico nas conversas entre o Governo e a Renamo no CICJC em Maputo, onde a legislação eleitoral estava em discussão. Depois apontou-se a tensão político-militar no Centro do país e a própria auto-exclusão do partido liderado por Afonso Dhlakama. Em tudo isto imperou a voz da razão e da responsabilidade, essa que cabe ao Governo de Moçambique.
Existem analistas que advogam que a Renamo ao se auto-excluir pode-se ter atirado para uma posição de irrelevância no panorama político nacional e o seu lugar de segunda maior força ser tomado pelo MDM. Pessoalmente, acho que isso só poderá acontecer se a Renamo mantiver a sua atitude de boicote e, por via disso, não participar no processo eleitoral de 2014. De contrário, teremos um movimento migratório de eleitores que poderá deixar o próprio MDM irreconhecível nas legislativas, provinciais e presidenciais. Diz o velho ditado que “quem faz filho em mulher alheia não tem direitos sobre o mesmo”. Os simpatizantes da Renamo existem como pessoas físicas, esperando o sinal e trabalho político da sua liderança. A Renamo tem a oportunidade de dar sinais a esse eleitorado, quer através dos eleitos deputados, quer através dos órgãos do próprio partido. É importante dizer isto: as conversas com o Governo não substituem e nem irão substituir o direito inalienável do povo de eleger os seus dirigentes. A Renamo deve tirar esta ilação face à sua ausência nas eleições autárquicas.
Apesar de não termos os resultados definitivos das eleições autárquicas (este artigo foi escrito na quinta-feira – 21 de Novembro 2013), os dados preliminares indicam que a posição do edil de Maputo não é nada confortável. O candidato do MDM em algumas mesas de votação conseguiu suplantar David Simango. Pode ser que Venâncio Mondlane tenha algum mérito como pessoa, mas, na minha opinião, este voto deve levar à reflexão os dirigentes municipais na cidade de Maputo. Se estamos recordados, no princípio deste ano a cidade viveu momentos catastróficos. Algumas famílias perderam as suas habitações, entre outros bens. Algumas dessas famílias continuam à espera do apoio da autarquia de Maputo; muitas dessas pessoas permanecem num autêntico desespero. A estrada circular de Maputo, uma infra-estrutura que deveria juntar pessoas no sentido de que as coisas irão mudar para melhor, é, nos dias de hoje, motivo de discórdia e de cisões, não do ponto de vista dos analistas somente, mas, sobretudo, da parte das pessoas abrangidas por onde a via irá passar, que perderam as suas casas e machambas, tendo em contrapartida recebido uma mão cheia de nada. Facto curioso que é importante assinalar: o candidato do partido Frelimo, David Simango, afirmou no início da campanha eleitoral que “cumpriu em 100% as promessas de 2008”. Ora, numa cidade em que temos problemas de lixo, de transporte, de buracos nas estradas, de saneamento do meio, este discurso só pode servir para consolar o próprio candidato e não para mobilizar eleitores. Maputo é o epicentro da crítica, tudo isto, na minha opinião, deverá ser reflectido no seio da Frelimo e, acima de tudo, devem ser desenhadas políticas que ajudem as populações da periferia, as quais “salvaram” Simango de uma grave hecatombe!
Relativamente a Beira e Quelimane, não é surpresa que se mantenham sob gestão do MDM com Daviz e Araújo ao leme. É o preço político decorrente da destituição
de Pio Matos a meio do seu mandato. Disse antes, e a falta de uma aposta à altura do actual edil a nível da cidade da Beira é elucidativo, que devem ser feitas apostas que se equivalem. Não conheço Neto mas, claramente, estava a um nível de popularidade bastante baixo, para além de que a Frelimo se deixou levar com o “facto político” criado pelo MDM na Munhava. A Frelimo, com o conhecimento que tem de fazer política, devia evitar certas coisas que só engrandecem o adversário. Sobre este assunto escrevi um artigo e mantenho que o MDM é responsável pelos incidentes da Munhava. Neste artigo pretendo dizer que a Frelimo deveria ter avaliado as intenções deste partido e não se deixar levar. Espero voltar a reflectir sobre este processo na próxima segunda-feira.
PS: Soubemos que o Coronel Sérgio Vieira não mais nos enviará, através do semanário domingo, a “carta a muitos amigos”. Com duas décadas de existência, era uma marca do próprio semanário, ficamos todos a perder.Independentemente de estar de acordo ou não com este escritor, ele levava-nos à reflexão sobre vários assuntos do passado e do presente. Repito, é uma grande perda para nós, leitores do semanário.
NB: A partir de Doha, capital do Qatar, enviei a semana passada a minha reflexão, reenviei-a a partir de Maputo, mas as TICs atraiçoaram-me. Pelo facto, as minhas sinceras desculpas aos leitores desta coluna e do jornal.
CORREIO DA MANHÃ – 25.11.2013
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