A Frelimo viveu duas situações distintas nas últimas duas eleições em Quelimane. Perdeu as primeiras porque, diziam, apresentou um candidato desconhecido e pouco conversador, nas segundas virou o disco e optou por um filho da terra e bastante falador, mas voltou a saborear o sabor amargo da derrota. Enquanto movimenta os grandes nomes do partido para equilibrar a balança, a Frelimo vê como a agitação das águas do descontentamento popular leva o partido rio dos bons sinais abaixo.
Após a divulgação dos resultados eleitorais autárquicos de 20 de Novembro, ficámos a saber que Manuel de Araújo iria – finalmente – dirigir os destinos de Quelimane com “verdadeiro” poder. Resulta penoso observar como um partido como a Frelimo, tão dotado para o malabarismo político, deu um tiro no próprio pé e desenhou uma estratégia irrelevante para recuperar a cidade “perdida”. Investiu muito e, no final, recolheu uma mão cheia de nada.
A história do fracasso da Frelimo em Quelimane terá, sem dúvida, um livro ou uma pequena crónica onde se destacará um manancial de erros e brilharão, como nunca, a ambição e a deslealdade de militantes pequenos. É que, de qualquer forma, todos os gurus que saíram de Maputo como “experts” em dar a volta por cima fracassaram rotundamente nos seus intentos. Inclusive Verónica Macamo.
A história do fracasso da Frelimo em Quelimane terá, sem dúvida, um livro ou uma pequena crónica onde se destacará um manancial de erros e brilharão, como nunca, a ambição e a deslealdade de militantes pequenos. É que, de qualquer forma, todos os gurus que saíram de Maputo como “experts” em dar a volta por cima fracassaram rotundamente nos seus intentos. Inclusive Verónica Macamo.
“Quelimane não é uma terra de escravos”, sintetizou um jovem no dia de votação. O pronunciamento revela que Araújo – apesar de Quelimane estar livre de buracos – não carecia de uma grande folha de serviços para reconquistar o poder. A degradação da cidade, no “reinado” de Pio Matos, está bastante viva no imaginário dos quelimanenses. Ou seja, a Frelimo não confeccionou, durante o período que governou a urbe, obra alguma digna de servir de máscara eficaz de algum trabalho para recuperar o crédito na terra dos chuabos.
Vai levar tempo para a Frelimo compreender que no contexto de Quelimane, nem Paúnde, nem Verónica Macamo representam uma mais-valia. Os que votaram e deram vitória ao candidato do MDM acreditam mais em Pio Matos do que em Verónica Macamo, uma ilustre desconhecida no imaginário dos munícipes dos bairros periféricos de Quelimane. Até nas mesas onde votaram as pessoas mais instruídas, as grandes figuras na hierarquia da Frelimo que saíram de Maputo foram esvaziadas do seu peso político com uma derrota nas urnas esclarecedora.
O sistema de drenagem e os semáforos colocados em pontos estratégicos da cidade foram objecto de discussão durante a campanha. O governador da Zambézia reivindicava a obra para o seu partido e usou uma metáfora que virou anedota nos bares de Quelimane. Dizia o bom do dirigente que um homem não pode exigir como seu fruto uma criança que nasce nos seus primeiros seis meses de união com uma mulher. Como quem diz que a gravidez é do antecessor. Araújo respondeu nos seguintes termos: “Se um homem ficou 38 anos com uma mulher e ela não fez filhos e eles acabaram por se separar não é justo que nove meses depois de a senhora arranjar um jovem bonito e conceber que o anterior esposo diga que o recém-nascido é seu”.
Efectivamente, a campanha decorreu em torno do novo sistema de drenos e dos semáforos. Parece pouca coisa, mas não é para uma população que esperava pelos fins-de-semana para levar os filhos menores a passear e admirar a inovação nunca antes vista naquelas bandas, como também padecia sempre que a água das chuvas decidisse cair nos bairros de Quelimane. Simbolicamente, Manuel de Araújo representa a solução dos problemas dos citadinos.
Ponto à parte merece o cambalacho a que parece se haver habituado o partido no poder cada vez que recompõe o puzzle dos candidatos que devem conquistar votos e ganhar eleições em terrenos difíceis. A necessário mudança discursiva queda repetidamente, reduzida à paródia mecânica de alterar rostos para dizerem as mesmas coisas de sempre. E, mais uma vez, a troca de rostos sem, repito, mexer na substância acarreta consequências difíceis de explicar. Fico à espera, com atenta expectação, de como a liderança do partido no poder vai explicar aos seus membros que foi o maior perdedor deste processo eleitoral. Aliás, perdeu o partido e também a própria democracia.
O discurso da PRM e o sangue dos inocentes
O aspecto, quiçá, mais notável da crise de popularidade da Frelimo em Quelimane é a reacção da Polícia à presença dos jovens ao redor dos postos de votação, alguns dos quais pagaram o preço da intolerância política com o seu próprio sangue. Não vou, contudo, entrar numa valoração detalhada dos méritos e defeitos da PRM. Mas a forma quase humilhante e criminosa com que tratou o candidato a edil de Quelimane pelo MDM serviu para espicaçar a revolta dos jovens. Com efeito, o acto (in)consciente de repressão, que os quelimanenses interpretaram com uma afronta à vontade popular, construiu o caixão de Abel Albuquerque e do seu partido no dia 20 de Novembro.
Abel Albuquerque sai destas eleições com a amarga lição do valor de algumas lealdades políticas de plástico. Ou seja, os que gritavam o seu nome de dia nas ruas da urbe e diziam “avante camarada” na protecção da cabine de voto voltaram a espetar facas na auto-estima do seu partido. É preciso compreender que Abel Albuquerque sofreu uma derrota bem mais pesada do que aquela que vexou Abubacar Bico há dois anos. Cada um, claro, é fruto do seu tempo e contexto. O que se pode depreender da derrota da Frelimo é que a génese do insucesso não reside no rosto do candidato, mas na descrença dos munícipes de Quelimane em relação ao partido. Mesmo que apresentasse Manuel de Araújo como candidato, em futuras eleições, a Frelimo perderia copiosamente.
A bandeira de Icidua
A estrada de terra batida que sai do centro da cidade de Quelimane até o bairro de Icidua continua estreita e intransponível para os residentes da cidade de cimento. Apenas por motivos humanitários as pessoas atravessam a pequena ponte de madeira que anuncia a desgraça que mora naquela bairro. E através dessa porta entreaberta chega algum socorro aos residentes da mais pobre circunscrição daquela urbe, onde permanecem bloqueadas milhares de pessoas abraçadas pela pobreza.
“Icidua é uma espécie de porto de passagem entre a pobreza, de um lado, e a possibilidade de prosperidade, do outro lado da‘grande’ cidade”, explica um funcionário da autarquia local, mas não reúne as mínimas condições sanitárias para ser o habitat de famílias de forma permanente, porque, inclusive ,carece de água potável. Trata-se de famílias com muitos filhos, que necessitam de cuidados e que não deviam viver ali. Quase todas as crianças estão duplamente doentes: para além das infecções respiratórias e uma epidemia de cólera, a maioria sofre de desnutrição crónica.
Contudo, as autoridades municipais falam de melhorias e de campanhas de arrecadação e distribuição de material escolar. O edil de Quelimane compreende que a melhor via para “fintar” a pobreza é a educação. Com cerca de 10 mil habitantes ao largo de uma terra imprópria para a agricultura, os problemas multiplicam-se em Icidua. As bombas de água que foram montadas no local, com um financiamento de 20 mil dólares do governo alemão, representam uma melhoria significativa. Porém, insuficiente para suprir as necessidades de cerca de 10 mil habitantes.
Aqui as pessoas acordam e procuram o imprescindível para viver. Imprescindível é um posto de saúde sem medicamentos e uma escola a cair aos pedaços. “Fazemos o que podemos para sobreviver”, lamentava um adulto com duas crianças a seu cargo. “Mas não podemos continuar assim por muito tempo. Não temos os medicamentos de que precisamos e a comida que damos às crianças não é a adequada. Até a água com a qual cozinhamos e nos lavamos é imprópria. Somos os mais pobres de Quelimane”. A pobreza não impede que se mantenha a tradicional hospitalidade dos quelimanenses. Muitos convidam-nos para entrar nos seus modestíssimos aposentos, para que comprovemos, com os nossos olhos, a sua precariedade. Inclusive dão-nos a provar um cozinhado de peixe preparado com talos de repolho e um cebola chocha.
Os problemas crescem e multiplicam-se em cada dia sobre a mesa do edil de Quelimane, entidade na qual estão depositadas as esperanças de dias melhores dos residentes daquele inferno. A ele recorrem expondo necessidades e problemas pessoais, sem que disponha dos meios necessários para resolver todos os problemas. “Os nossos meios não chegam para tudo, mas Icidua já não é o que era. Muita coisa mudou e há dois anos se perguntássemos aos residentes se teriam água potável aqui eles não acreditariam”.
O número de crianças que morriam de desnutrição crónica, em Icidua, parou de crescer, embora existam dados que indiquem outra direcção. Os registo de há dois anos falava de 40 mortos em cada 200 crianças. As autoridades municipais apresentam números muito mais baixos. O sector da saúde no local indica cerca de 15 nos tempos que correm. Tanta disparidade acontece porque se trata de estimativas que as circunstâncias tornam forçosamente imprecisas.
“Nada é pior do que a morte de crianças porque supõe alterar o curso normal da vida”, sentencia uma idosa que perdeu cinco netos por causa da desnutrição crónica. Curiosamente, neste espaço onde a miséria graça, mas já é possível sonhar com o futuro melhor, o qual é associado ao actual edil, a Frelimo e o seu candidato ganharam em todas as mesas. Contudo, importa salientar que as urnas andaram à boleia da FIR...
@VERDADE – 28.11.2013
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