PAREM DE BAJULAR O CHEFE!
Por Gento Roque Chaleca Jr.
“A deontologia de um jornalista não é um código de dez alíneas escritos por um fumador de charuto, mas algo que se estabelece de acordo com os limites da nossa consciência.” Cáceres Monteiro (1948-2006), jornalista português.
Está a tornar-se uma autêntica epidemia a bajulação que algumas televisões fazem ao Presidente da República, Armando Guebuza. O que era comum ver em peliculas de curta e longa-metragem, como por exemplo, uma tribo que bajula desenfreadamente à figura do seu rei, está realmente a acontecer neste Moçambique para Todos, perante a anuência da sociedade civil activa.
É verdade que todas as sociedades têm os seus deuses e fazem questão de exaltá-los, pois acredita-se que os seus poderes podem salvar vidas ou impedir uma hecatombe, mas no nosso país os “deuses” são exaltados em troca de apetites estomacais, cargos políticos e prestígio social, por isso não passam de “deuses” endemoniados.
Não digo que o presidente Guebuza seja um “deus”, a verdade é que o seu nome tem sido tratado por alguma imprensa como se fosse um ser sobrenatural, o prometido, o Messias, o agourado na epístola de Apocalipse.
Algumas televisões, que nos seus estatutos juraram da letra e do espírito das leis servir unicamente a Deus e através dele corrigir comportamentos delinquentes, promover a paz, a concórdia entre os homens, minimizar os mudos e surdos golpes das fomes, assume-se como prolongamento do departamento de informação de um partido.
Há programas religiosos e de entretenimento juvenil que abrem e fecham com imagens e actividades do presidente da República. Passam mais vezes figura do chefe de Estado que a imagem caritativa de Jesus Cristo.
Penso que é altura da presidência da República dar um basta nesta campanha de promoção a imagem do chefe do Estado, porque não estão a promovê-lo como se pensa mas sim a ridicularizá-lo, fazendo dele um actor de circo. No fim das contas, há gente mal-intencionada a tirar dividendos dessa campanha.
Pessoalmente, não estou contra a publicidade que se faz a favor do presidente da República, desde que seja em dose que não mate a gula de quem paga seus impostos para consumir outros produtos. Penso que seria sensato por parte dessas televisões, como forma de equilibrar a balança da justiça, mostrar as realizações e irrealizações de modo a que o governo se concentre mais em coisas não concretizadas em vez de coisas realizadas.
Dou por mim a pensar que, se o mandato do presidente Guebuza ainda nem sequer terminou e já anda um bando de jornalistas a fazer balanços da sua governação, não estarão estes jornalistas a tentar distrair o chefe de Estado? Porque o eleitorado sabe, de facto, separar o joio do trigo, por isso não se deixa enganar.
O meu pensamento vai ainda mais longe. Mesmo antes de ser presidente da República, quando ainda era poeta e guerrilheiro da luta pela independência nacional, Armando Guebuza já tinha conquistado a intemporalidade que só os imortais têm direito, por que carga de água andam esses jornalistas a bajular o chefe de Estado?
Conheço alguns jornalistas que, antes mesmo de esta campanha de endeusamento iniciar, tinham uma conduta de trabalho honesto, amor à profissão e rectidão de alma, mas que se transformaram em mercenários políticos diplomados pelos órgãos de informação social em analistas e comentadores políticos. Certamente não podem ter a minha amizade e admiração.
Permitam-me que vos conte uma confidencialidade: a primeira e única vez que tentei “bajular” ao chefe do Estado fi-lo em silêncio, de mim para mim, em que pedia a serenidade e inteligência que teve em Roma como negociador chefe da delegação do Governo para acabar de uma vez por todas o diferendo político que o seu governo tem com a Renamo. Em contrapartida pedia a Deus, Todo-poderoso, que o beatificasse, como o salvador.
Não sei se Deus o fez, pois Ele não gosta de bajuladores. A verdade é que continuo a achar, como muitos, que o chefe do Estado é a única pessoa que pode pôr fim ao clima de quase guerra que se vive no país.
Esta devia ser a tarefa de todos esses comentadores e analistas políticos: persuadir o chefe do Estado a voar num daqueles pássaros gigantes à Santungira (“Santos e Giro”, como dizem alguns anciãos da minha povoação em Chivule, terra do antigo régulo Chaleca) para negociar com o líder da Renamo. Este seria um acto de coragem que melhoraria a qualidade intelectual dos nossos analistas e comentadores.
Mas eu, em toda a minha modéstia, vejo as coisas da seguinte maneira: enquanto o líder da Renamo não for constituído arguido e procurado pela justiça moçambicana, a bem da paz e do nosso Estado democrático, não acho que seja ridículo o presidente da República ir atrás de Afonso Dhlakama para, de uma vez por todas, acabar com este cenário de quase guerra, até porque continuo a considerar o líder da Renamo é um tigre enjaulado e simples de dominar, o que não significa que não possa rebelar-se.
Humilhante e ridículo seria sim investir no exército, já por si frágil, para enfrentar uma guerrilha de onde se sabe que nunca há vencedores, apenas danos materiais e mortais a lamentar. Pior ainda, numa altura em que se fala de falta de medicamentos nos nossos hospitais, será doloroso. Basta!
Ndatenda (Obrigado). E-mail: gentoroquechaleca@gmail.com
P.S.: Santungira foi tomada pelas forças governamentais. Dhlakama encontra-se agora em “parte incerta”. Anda por aí um grupo de analistas a esfregar as mãos e a atiçar o governo para perseguir, prender e/ou matar o líder da Renamo que é agora acusado de violador de crianças! O assassinato de Dhlakama, como alguns analistas / comentadores advogam, não acabará com a Renamo, partido que nasce da alma, dos corações e do ventre dos moçambicanos. E a História está saciada de exemplos elucidativos. Mesmo a vigorosa Indonésia, com todo o seu poderio militar e tecnológico, não foi capaz de acabar com a débil porém consistente Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (Fretilin). É caso para dizer, parafraseando o saudoso amigo e historiador português José Hermano Saraiva: “É UMA RESMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS.”
Autarca - 29/10/2013
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