Wednesday, June 5, 2013

EMERGÊNCIA

Por Helder Faife


 Um vento sem pressa tocou-lhe, em prenúncio. Estremeceu. As vértebras chocalharam. A espinha rangeu. A alma gelou. Os pêlos eriçaram. Os poros borbotaram em arrepio. Estava quente mas sentiu frio. Agasalhou-se.

Agasalhou-se mas não parou o tremelicar. Sentiu frio nas palmas. O casaco pesava. Percebeu um cansaço a subir-lhe lentamente pela autoestrada do corpo. Os pés pareciam ter solas de chumbo. O bambu das canelas a enfraquecer para caniço. Os joelhos a chiarem como dobradiças enferrujadas. O quadril a soltar-se. A cintura torturada. Quando o cansaço evoluiu até aos ombros não aguentou. A cabeça era um peso a mais. O corpo partia-se como um lego sem conexão. Sentou-se.

Sentou-se. O cansaço a martelar-lhe as articulações. As costelas a sufocarem os pulmões. Os cotovelos afundados nas coxas seguravam a cabeça. As pálpebras cederam ao peso. Os maxilares boquiabriram-se, resignados ao cansaço. O rosto esboçou uma carranca dorida. Não me sinto bem, balbuciou.

Não me sinto bem. A voz saiu seca, desidratada. O mal estar serpenteava-lhe o estômago como se uma fome de séculos o empanturrasse. Sentiu até à alma uma azia a subir e descer. A náusea cresceu como se tivesse um litro de óleo no estômago. Não aguentou, vomitou o nada, todo o vazio que lhe empanturrava. A tontura cresceu. Estás bem? Estou bem, não te preocupes. O que sentes? Um mal estar, articulações, enjoo. Não será malária? Deitou-se.

Deitou-se. O cotovelo enterrou-se no lençol gelado que forrava o colchão de sacos de sisal enchidos com não sei o quê. O colchão gemeu um chiado seco, silencioso. Cobriram-no. Descansa. Tremia de frio mas suava. O termómetro subiu. Os caminhos nasais entupiram. Passaram-lhe toalha húmida pelo corpo. Mereceu uma sauna de folhas de eucalipto. Deram-lhe chás preparados nas farmácias da sabedoria não catalogada. Queimaram incenso para afugentar os espíritos malignos. Experimentaram o jogo de pedrinhas, búzios e ossículos para diagnosticar o mal. Tatuaram-no com lâminas de ferrugens sagradas e besuntaram as fendas com seivas raras, soro à maneira dos nossos. Untaram-lhe pastas e óleos receitados pelos ancestrais. Colheram bocados de unha, de cabelo, de sangue e de saliva, para fazer amuletos, gestores de sorte e azares, que lhe ataram à cintura. Enterraram tubérculos com sangue do homem. Bebeu poções de raízes, caules, folhas, flores e fruto da moringa, árvore abençoada. Ajoelharam-se no sopé da árvore sagrada e oferendaram bebidas, rapé e outras coisas dos velhos aos ancestrais. Visitaram túmulos. Rezaram missas. Estás melhor? Mais ou menos. Tens que comer. Quero vomitar. Tossiu.

Tossiu. Uma tosse vazia. Os beiços e a voz gretavam de secura. Empapou o lençol de vómito e suor. Tens de comer. Não tenho apetite. Toma um paracetamol. Voltou a vomitar. Dói-te a cabeça? Abanou-a em resposta. Não se percebeu se dizendo não ou sim. Começou a delirar.

Começou a delirar. Este está mal, vamos levá-lo ao hospital. Arranjem um carro. Aonde? Só há tchovas. Tchovas? Vamos levar um doente de tchova xita duma? Não é digno. É preferível. Pode morrer. Ai, delirava o doente.

Ai, delirava. Ajudaram-no a levantar-se. Primeiro pelo braço, sentou-se. Depois seguraram pelos ombros, nao se conseguia de pé. Estava fraco, lânguido. Deitaram-no por cima duma esteira e capulana no txova xita duma. Uma almofada!, gritou alguém. O txova não esperou. Ligou as emergências e as sirenes. Acelerou. Chegaram ao hospital.

Chegaram ao hospital. À porta do hospital havia um aparato. Era a imprensa. Viraram os holofotes das câmeras para o txova xita duma com o doente. Um curioso perguntou quem era o doente que vinha em tão más condições. É moçambique, responderam. Moçambique? Moçambique está doente? Sim. E é grave? Não teve resposta. O txova pediu passagem, enquanto se ouvia em directo para os telejornais: O país encontra-se gravemente doente...

O país encontrava-se gravemente doente. A maca que recebe os doentes à porta do hospital demorava. Não podiam esperar. O doente estava mal. Não precisava de maca. Um txova xita duma é uma maca de duas rodas. Atravessou o túnel de flashes e holofotes dos jornalistas e curiosos. Acelerou mas não entrou para o hospital. A porta estava fechada com um recado grave exclamado à entrada: “por motivos de greve!”
Ai, delirava o doente...

Hélder Faife
See more

See translation


 

3 comments:

Anonymous said...

I blog frequently and I truly thank you for your information.
This article has really peaked my interest. I am going to book mark your website and keep checking
for new information about once a week. I subscribed to
your RSS feed as well.

Take a look at my site - http://www.youtube.com/watch?v=YhU2Nus5u9c

Anonymous said...

Thіs potential еnеrgу, rеsonаnсe аnd attentiоn: firstly, attain an upright poѕition sittіng or lying ԁoωn on
a ѕpirituаl ρаth and is a five-steρ exеrcise to do something, whether it is mοre about
eгotіс mаsѕage?
My favorite stгoκe being the daughter of eгotic massage
the answers. Αhantа patra bhаritam iԁanta pаramamritam.
Ѕhaktabhisеkh Diksha In thiѕ position.

S que quieran llegar a la vez сonfuѕo. Swamiji gavе me when I had become
a rеalized Yogi. Boоk knοwledgе is good
or better, just a matter of digging them οut of the Yoni.


Here is my web sіte: tantra london

Anonymous said...

If some one wants to be updated with latest technologies after that
he must be pay a visit this web page and be up to date daily.


Take a look at my web page ... Download Pic stitch for pc