sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Sobre resultados eleitorais e dinâmica eleitoral em Sofala

Canal de Análise

Por: Marc de Tollenaere, in IDeIAS nr.48 (IESE)


Maputo (Canalmoz) – Há alguns meses o STAE publicou no seu website1 os resultados das eleições de 2009 até ao nível distrital. Isto aconteceu mais de dois anos após as eleições, o que é inexplicavelmente tardio, dado que a conversão das bases de dados dos resultados para um formato publicável é um processo relativamente simples. Já nas eleições anteriores também a publicação de resultados pormenorizados levou muito tempo.
É uma excelente iniciativa que o website do STAE dê agora acesso a resultados de todas as eleições (gerais e municipais) desde 1994, o que não era o caso antes. Os resultados de 1994 foram, tal como os das eleições seguintes, publicados no Boletim da República, mas apenas até ao nível provincial para as eleições gerais e apenas resultados agregados para as eleições municipais. No entanto, para as eleições de 1994 existe um livro publicado com resultados até ao nível das mesas de voto2. Esta publicação ainda deve existir nalgumas bibiotecas (públicas ou privadas), mas é concerteza difícil de encontrar, para além de que trabalhar com resultados impressos não é fácil. Os resultados de 1999 e 2004 foram publicados em CD-Rom. Para 1999, o nível mais baixo não são as mesas de voto, mas os locais de votação (normalmente agregando os resultados das várias mesas existentes numa escola). Os resultados de 2004 são os mais completos em formato electrónico, pois estão desagregados até ao nível das mesas. Esta prática não foi seguida para os resultados de 2009, que foram divulgados apenas ao nível dos distritos (o que limita muito a informação disponível). Para além disso, nas folhas de resultados distritais, aparecem repetidos várias vezes os nomes dos partidos (legislativas) e candidatos (presidenciais), sem que seja indicado a que nível de agregação isso corresponde. E, para se saber quantos votos, ou que percentagem de votos, um partido ou candidato obteve num distrito, é necessário efectuar manualmente a adição dos vários resultados registados.
O facto de não haver consistência na forma como os resultados dos vários processos eleitorais são divulgados torna complicada a análise dos dados e a identificação ou explicação das tendências do comportamento eleitoral. Nestas condições, a análise da evolução dos resultados eleitorais só é possível através de um processo artesanal e de trabalho intensivo e, portanto, sujeito a erros. Isto resulta também do facto dos resultados estarem apenas disponíveis em formato pdf, não podendo por isso ser usados directamente para as operações de análise quantitativa.
Para além disso, também há erros numéricos como, por exemplo, a soma dos votos de diferentes candidatos superior a 100% dos votos válidos, ou erros no número de eleitores recenseados. Os resultados por distrito de 2009 relativos à Zambézia faltam, tanto para as legislativas, como para as presidenciais. Isto aponta para dois problemas: i) uma certa falta de rigor e cuidado na publicação dos resultados; ii) uma falta de clareza sobre a que nível de tabulação correspondem os dados (distrital, provicial ou nacional). Isto significa que não é claro se os dados incluem os votos revalidados e as correcções feitas a nível provincial e nacional.
A publicação dos dados é louvável, mas deveria ser coerente ao longo do tempo e incluir notas explicativas sobre a organização dos dados. Evidentemente, seria útil também para a transparência do processo em geral, que a publicação dos resultados eleitorais (até ao nível das mesas de voto) fosse obrigatória por lei3.
É de salientar, por outro lado, que ninguém parece realmente se importar, pois não há pressão dos media, da sociedade civil ou da academia sobre a CNE e o STAE para publicarem os resultados. De facto, a publicação dos resultados no site do STAE passou totalmente despercebida nos media. Os resultados detalhados podem não ser considerados de interesse directo para um público amplo, mas para a análise académica a disponibilidade de séries completas de dados temporais4 têm grande interesse. Mas, a escolha de usar a informação, ou não, deve depender dos usuários e não do provedor. Por outras palavras, a falta de interesse público não é desculpa para publicar os resultados tardiamente, ou parcialmente. Além de que o interesse do público também pode ser estimulado pela disponibilidade de dados de boa qualidade.
Para além de uma grande falta de interesse público, é ainda mais impressionante a ausência de pressão política. Os partidos e candidatos não manifestam nenhuma insistência para que os dados sejam publicados. Pode-se supor que a Frelimo não reclama a sua publicação, porque tem acesso aos dados (do STAE, ou do próprio partido) para analisar o seu desempenho eleitoral. Mas os partidos da oposição e os candidatos certamente não têm esse acesso. Os resultados das eleições são um indicador óbvio sobre as zonas onde os partidos ganharam, ou perderam, influência e uma análise qualitativa posterior poderia permitir compreender as razões disso. Seria de esperar que a Renamo tivesse interesse em analisar de forma tão detalhada quanto possível, onde registou perdas, ou que o MDM procurasse saber onde tem ganho terreno e porquê.
A definição de estratégias políticas e eleitorais pelos partidos parece ser baseada mais em percepções do que em evidências, o que aponta para uma paisagem politico-partidária imatura (com excepção da Frelimo). A análise do desempenho eleitoral pode mostrar não só onde foram registados progressos ou recuos no passado, mas também onde existe potencial para o futuro. Os partidos da oposição, que trabalham com recursos escassos e, portanto, precisam fazer escolhas críticas no que diz respeito a alocação de fundos, deveriam recorrer à análise dos resultados eleitorais para fundamentarem a sua estratégia.
O que é que os resultados eleitorais nos podem dizer, e o que não podem?
• As tendências da votação podem ser analisadas em séries temporais e em números absolutos e relativos para cada partido/candidato, ou através da comparação da evolução do peso proporcional entre diferentes partidos/candidatos numa determinada área.
• A evolução do número de eleitores inscritos pode ser analisada e comparada com os dados dos recenseamentos da população de 1997 e 2007. Uma breve análise dos dados mostra que o número de eleitores registados não tem mudado ao mesmo ritmo em todos os lugares. Entre duas eleições podem-se observar importantes variações, desde situações de redução até outras de triplicação dos eleitores registados.
• As tendências da participação e, portanto, a abstenção a nível nacional, provincial e distrital (e a níveis mais baixos até 2004) podem ser medidas e comparadas. Este é um aspecto crucial, não só porque revela o grau de envolvimento dos cidadãos no processo político, mas também porque pode revelar anomalias indicativas de fraude.
• Podem ser analisadas as tendências e feitas comparações geográficas dos votos nulos e inválidos.
• Podem ser comparados os dados entre diferentes eleições e o desempenho dos candidatos presidenciais em comparação com o dos · seus partidos nas eleições legislativas. No entanto, a comparação entre os dados das eleições gerais e das eleições provinciais, em 2009, é irrelevante, devido à ausência, ou participação parcial, de partidos da oposição nas eleições provinciais.
O que não pode ser feito a partir deste tipo de dados é a identificação dos motivos ou causas de mudança. Será que as mudanças nos níveis de pobreza influenciam os resultados? A actividade económica (açúcar, tabaco, mineração) tem alguma relação com os resultados das eleições? O activismo e a liderança partidários são um factor determinante? Estes e outros determinantes do comportamento eleitoral só podem ser identificados através de análises qualitativas realizadas em diferentes áreas. Mas a análise quantitativa dos dados existentes deve servir para identificar os locais onde a análise qualitativa deve ser realizada e também permitir a formulação de hipóteses de pesquisa.
A dinâmica eleitoral de Sofala
A dinâmica eleitoral mais marcante em Sofala desde 1994 é o facto da Renamo (só, ou em coligação com outros pequenos partidos na União Eleitoral) ter perdido a sua esmagadora maioria em 2009. Em três eleições gerais consecutivas a Renamo foi o partido dominante em todos os 13 distritos da província. Porém, em 2009, a Renamo manteve apenas uma pequena vantagem em Caia e ainda uma margem confortável no distrito de Chibabava, local de nascimento de Dhlakama; o MDM assumiu a liderança na Beira e a Frelimo obteve a maioria nos restantes 10 distritos de Sofala.
Uma análise mais atenta das tendências ao longo do tempo, mostra que existem duas dinâmicas distintas que levam à mudança. Uma é que a Renamo perdeu eleitorado em todas as eleições desde 1994. Embora isso tenha acontecido com maior incidência em 2009, a tendência geral é de uma erosão gradual do apoio eleitoral do partido Renamo. Por seu lado, a Frelimo não ganhou terreno de forma gradual. O progresso da Frelimo em Sofala é principalmente devido a um salto repentino em 2009. Antes disso, quase nenhum - ou apenas um lento - progresso foi registado (ver gráfico 1). A tendência é ainda mais forte quando se olha para os candidatos presidenciais. Em 1999 e 2004, Dhlakama obteve resultados consideravelmente melhores do que o seu partido, mas sofreu uma perda importante e brusca em 2009. Do lado da Frelimo sempre houve uma diferença notável entre os resultados do partido e do seu candidato presidencial.
O número de eleitores diminuiu consideravelmente entre 1994 e 2004, mas em 2009 houve mais cidadãos que foram votar do que em 2004. Esta tendência é ainda mais acentuada quando olhamos para as taxas de abstenção nacional (1994: 12,9%; 1999: 37,7%; 2004: 63,9%; 2009: 55,2%), mas isso resulta em grande medida da distorção nos dados do recenseamento eleitoral para 2004. As eleições gerais de 2004 foram as únicas realizadas sem um novo recenseamento eleitoral. O recenseamento de eleitores existente foi simplesmente actualizado, mas apenas com o acrescento de novos eleitores e de transferências. O facto de não haver um registo nacional consolidado, mas sim 11 registos provinciais, levou a que os eleitores transferidos ficassem registados duas vezes. Isto significa que a abstenção em 2004 foi na realidade próxima da taxa de abstenção de 2009.
Para além da mudança na relação de forças política que teve lugar em 2009, o forte aumento da abstenção é, certamente, a outra dinâmica marcante em Sofala, apesar do facto desta ser a província mais competitiva em termos eleitorais. Como resultado da alta abstenção, a Frelimo pôde tornar-se, de longe, a força política dominante em Sofala, apenas com o apoio de 20% dos eleitores registados.
Se compararmos o aumento provincial de eleitores recenseados com as mudanças a nível distrital entre 1994 e 2009, quatro distritos mostram um aumento bem acima da média provincial (x1, 6): Muanza (x3, 1), Gorongosa (x2, 8 ), Caia (2,5) e Marromeu (2,4). Se olharmos para os eleitores que votaram, o aumento é mais forte em Muanza (x1, 9), Gorongosa (x1, 4) e Caia (x1, 3). Embora Caia registe um aumento significativo, tanto em termos de registo como de participação, é consistentemente o distrito com os níveis mais baixos de participação em todas as eleições. Um caso estranho é o de Muanza que, estando entre os distritos com taxas de participação mais baixas em 1999 e 2004, apresenta a maior participação de 2009. É também um dos três distritos onde a Frelimo quintuplicou os seus votos entre 2004 e 2009 (Chemba e Marínguè são os outros dois distritos onde a Frelimo multiplica seus eleitores por cinco em 2009). Em Marínguè, distrito histórica e intimamente ligado à Renamo, a Frelimo obteve 87% dos votos em 2009. Ao mesmo tempo, a Renamo perdeu 90% de seu eleitorado naquele distrito. Na Beira, a Frelimo fez, em comparação com os outros distritos, o menor progresso. Mas, depois de ter tido à volta de 32.000 votantes nas três primeiras eleições gerais, mesmo assim ainda aumenta a sua votação para 48.000 em 2009, ou seja mesmo aqui regista um aumento do seu eleitorado de 50%.
E qual foi o desempenho do MDM? Este partido ganhou a maioria na Beira, com 55.000 votos, ou seja, mais 1.000 do que a Renamo obteve em 2004 e fez uma incursão ao longo do Corredor da Beira (Buzi, Dondo, Nhamatanda) onde obteve mais de 20% dos votos da oposição. No distrito de Machanga, o MDM tornou-se o principal partido da oposição. Em termos provinciais, o MDM e a Renamo tiveram uma votação semelhante (cerca de 75 mil votos), mas o MDM com 75% dos seus votos provenientes da Beira.
O que esses números não explicam é o como e o porquê das mudanças. Podem ser avançadas hipóteses, mas não há ainda nenhuma pesquisa que explique e fundamente tais mudanças. Será que a Renamo perdeu quase ¾ de seu eleitorado em 15 anos porque não se construiu como uma oposição credível, ou perdeu apoio devido à falta de organização partidária e de mobilização a nível local (e isso é consequência da falta de recursos financeiros, de trabalho politico, ou de ambos, ou há outras razões)? E como é que a Frelimo conseguiu mobilizar mais 90.000 eleitores em 2009 do que em 2004? Só este aumento foi maior do que o número de eleitores mobilizados por este partido nas eleições anteriores (65.000-75.000). O que terá mudado na implantação e trabalho do partido nos distritos depois de 2004? Surpreendentemente, o notável progresso eleitoral da Frelimo acontece ao mesmo tempo que os dados oficiais indicam um aumento forte da pobreza nas zonas rurais de Sofala. Na verdade, as políticas da Frelimo não parecem ter beneficiado o eleitorado de Sofala, pelo contrário. Assim sendo, o que terá levado 90.000 eleitores mais a votar na Frelimo? Mais uma vez, sera isto resultado de trabalho partidária e / ou de outros recursos?
Estas e outras questões merecem mais investigação, para esclarecer como o comportamento político a nível micro e macro influencia o comportamento eleitoral.
(1.) www.stae.org.mz. O webstite não indica quando os resultados foram carregados.
(2.) Os resultados foram publicados sob a supervisão editorial de Brazão Mazula, que foi o Presidente da CNE da altura, mas não se trata de uma publicação oficial da CNE ou STAE
(3.) Deveria ser um dever da CNE “prestar contas” sobre todos os aspectos dos processos eleitorais (legislação, calendário, despesas, concursos, educação cívica, formação, etc). Só a CNE que supervisou as eleições de 1994 publicou um tal relatório abrangente. Desde 1994, isso não aconteceu mais.
(4.) Cartografia eleitoral, Luis de Brito, http://www.iese.ac.mz/?__target__=rec_cart. (Marc de Tollenaere, in IDeIAS nr.48 - IESE)
2013 02 08 001
2013 07 08 002
2013 07 08 003

5 comentários:

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