sábado, 9 de fevereiro de 2013

Nigéria, o momento perdido






In Rui Lamarques 



Texto: Futebol Magazine

Se houve alguma selecção do futebol africano que conseguiu ombrear, de igual para igual, com as potências europeias e americanas, essa foi sem dúvida a da Nigéria. Mas decisões políticas e erros crassos de gestão acabaram precocemente com a sua geração dourada e colocaram um ponto de interrogação na ascensão meteórica do futebol africano.

A Geração de Ouro

Quando Andoni Zubizarreta concedeu um dos golos mais espantosos da sua carreira, poucos se sentiam surpreendidos. Apesar da selecção espanhola chegar ao Mundial de França como um desses candidatos de quem se espera algo diferente, a selecção que o Mundo queria ver era mesmo a da Nigéria.

Campeões olímpicos em Atlanta, dois anos antes – o primeiro título internacional de uma nação africana – vencedor da CAN em 1994, os nigerianos eram a maior potência do futebol africano numa época em que, como nunca antes, África e o seu futebol estavam de moda em todo o mundo. Para os mais ousados não havia sequer que descartar a possibilidade dos africanos desafiarem, pela primeira vez, as grandes potências mundiais pelo título. Motivos não lhes faltavam.

Não eram só os títulos recentes. Era, sobretudo, a qualidade dos seus jogadores. Uma geração de ouro liderada por génios tão precoces como irreverentes como George Finidi, Nwanknuo Kanu, Jay-Jay Okocha, Sunday Oliseh, Tijani Babangida, Taribo West ou Rasheed Yekini. Todos eles figuras já consagradas pelo futebol europeu, cromos valiosos em qualquer colecção. Sob o comando técnico, a figura quase mitológica do jugoslavo Boris Milutinovic. O homem especializado em fazer de nações aspirantes selecções surpresa, parecia confiante de que a sua Nigéria podia cumprir com um velho sonho de muitos amantes do futebol e liderar a primeira selecção africana às meias-finais de um Mundial da FIFA.

A vitória por 3-2 sobre a Espanha parecia pressagiar isso mesmo. O cinismo como controlaram a vantagem mínima sobre a Bulgária dava ainda melhores sensações, a confirmação de que a magia africana era compatível com o cinismo táctico europeu. A derrota contra o Paraguai contou pouco mas deixou a nu as falhas de uma linha defensiva que era o calcanhar de Aquiles da equipa. E que não soube lidar com o génio individual de Michael Laudrup. O astro dinamarquês, no seu último torneio, liderou uma surpreendente Dinamarca nesse histórico duelo dos Oitavos de Final que acabou com o sonho das Super Eagles. Muitos pensavam que era só um parêntesis na progressiva ascensão dos nigerianos, tanto em África como no futebol internacional. Mas foi precisamente o oposto que sucedeu. Um longo e triste fim de uma era de glória.

A sensação africana

Os problemas da Nigéria tinham começado antes. Bastante tempo antes.

Quando a equipa chegou à CAN de 1994, na Tunísia, eram a nova sensação do futebol africano. A morte da maioria dos membros da selecção da Zâmbia, num trágico acidente de aviação, transformou a equipa favorita numa rendilha de veteranos e jovens inexperientes. Os nigerianos já tinham garantido o apuramento para o seu primeiro Mundial, a disputar nesse ano nos Estados Unidos. Terminaram em segundo a fase de grupos – por um golo de diferença, atrás do Egipto – e depois com golos de Yekini, a máxima figura da equipa, eliminaram o Zaire nos Quartos.

Seguiu-se uma das meias-finais mais icónicas da história da competição. Uma primeira parte vertiginosa, com quatro golos em 40 minutos, e depois um duelo táctico intenso que acabou com mais 80 minutos sem golos. Na marcação de grandes penalidades, só metade dos jogadores conseguiram converter o seu remate, mas foi suficiente para os nigerianos que assim encontraram a favorita emocional do público, a renascida Zâmbia, na final. Uma vez mais começaram a perder, um golo madrugador de Litana, aos 3 minutos dando vantagem aos zambianos. E uma vez mais deram a volta ao marcador, agora graças aos golos de Emanuel Amunike. Quatorze anos depois eram campeões continentais e preparavam-se para aterrar nos Estados Unidos como a versão melhorada dos Camarões de quatro anos antes.

Num grupo equilibrado, destroçaram por 3-0 a Bulgária, perderam pela mínima com a Argentina e no jogo decisivo bateram a Grécia antes de cruzar-se nos Oitavos de Final com uma Itália em estado de depressão absoluta. Uma Itália que se viu eliminada, e que precisou de um eterno Roberto Baggio, como sempre, para seguir em frente e com isso adiar o sonho nigeriano.

Nos escorregadios corredores do poder

Mas o sucesso no relvado encontrou eco nos corredores do poder do país.

O presidente Sani Abacha, decidiu utilizar a selecção como uma das suas armas de propaganda política. As Super Eagles foram recebidas em euforia na capital do país, Lagos, e disputaram vários jogos pelas várias metrópoles onde o general – autor de um violento golpe de estado três anos antes – queria cimentar a sua popularidade.

Em 1996, quando a Nigéria se preparava para viajar à África do Sul, onde iria defender o título continental, Abacha vetou a participação da selecção queixando-se da atitude do governo de Nelson Mandela face à execução de Ken Saro-Wiwa, um escritor dissidente, a finais de 1995. A atitude provocou igualmente a suspensão da Nigéria do torneio de 1998 e chegou a por em questão a entrada na fase de qualificação para o Mundial de França.

No final, conscientes de que a qualidade dos nigerianos podia fazer melhor ao futebol africano em França do que em casa, os dirigentes da CAF acederam e a Nigéria garantiu facilmente o apuramento para o torneio. A morte de Abacha, vitima de um ataque cardíaco depois de ter tomado um frasco inteiro de comprimidos viagra numa das suas célebres orgias sexuais no palácio presidencial, e a eliminação precoce ante os dinamarqueses – que levaram os nigerianos a queixaram-se de que os jogadores já tinham a cabeça no duelo com o Brasil, quando na verdade era consequência de horas e horas de discussão noite dentro pelos prémios de jogo – antecipou o fim do apoio estatal à selecção.

Com o regresso da normalidade democrática a Lagos, vieram também várias inspecções ao uso do dinheiro público e descobriram-se vários favores a dirigentes e árbitros africanos, bem como pagamentos de bónus despropositados aos homens fortes da federação. O novo governo, liderado por Olusegun Obasanjo, tomou uma abordagem mais pragmática ao uso do futebol como arma de propaganda e progressivamente, muitos dos jogadores nigerianos começou a abandonar a selecção nacional para concentrar-se na carreira de clubes. Apesar dos nigerianos terem confirmado o terceiro apuramento consecutivo para um Mundial ninguém esperava muito de uma selecção que passou pela prova sem pena nem glória.

Um país unido pelo futebol

Num país dividido profundamente entre uma maioria muçulmana a norte e uma maioria eminentemente cristã na zona costeira, um país dividido entre o delta, rico em petróleo, e o interior, repleto de diamantes e metais preciosos, o futebol é o único elo real de união que mantém a Nigéria de pé.

O mais populoso entre os estados africanos, os nigerianos poderiam perfeitamente ter sido a ponta de lança da afirmação definitiva do futebol do continente a nível internacional. Mas falhar sempre nos momentos decisivos, quando todos os olhos do Mundo estavam postos neles, provocou uma profunda crise de auto-confiança. Desde 2002 que a selecção nigeriana se tornou num enigma.

Enquanto as suas versões mais jovens brilham em torneios internacionais, os seniores falham sucessivamente nas grandes tardes. Yekini, Kanu, Finidi e Amunike nunca mais tiveram sucessores à altura e o poder político em Lagos deixou de utilizar as Super Eagles como arma política o que significou um retrocesso no apoio financeiro directo à selecção.

E sem esse incentivo económico, tão utilizado no continente africano, a Nigéria parece olhar para trás com a consciência de que perdeu um momento único para deixar a sua marca na história do futebol.

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