quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Guerra de desiguais

01/11/2010

 

Ouvir com webReader
Por António Zengazenga
Tendo a guerra em Angola começado a 3 de Fevereiro de 1960 pela Frente nacional de Libertação de Angola, os Portugueses traçaram planos de condu­ta, que consistiam em esmagar imediatamente qualquer agrupamento que apa­recesse com exigências de carácter político, económico, igualitário, etc. Por isso, quando os camponeses de algodão de Mueda apresentaram-se para falar com o administrador daquele distrito, este já sabia como devia rea­gir.
Feito o massacre de mais de seissentas pessoas, aos Moçambicanos não fi­cava nada senão activamente preparar-se para confrontar-se com Portugal, fundando partidos, que mais tarde se conheceram de perto. Deste contacto nasceu o desejo de se unirem, nascendo daí a Frelimo. Foi esta que me man­dou treinar no Egipto, na companhia de Manuel Lopes Lambe, Aníbal Ghilenge e Jorge Bomba, a 8 de Dezembro de 1962.
0 nosso curso tinha quatro moçambicanos, dezasseis sul-africanos, tantos sul-ieminitas e muitos egípcios. 0 nosso representante era um sul-africano, chamado Katibi, que mais tarde foi adjunto de Tambo e Chitsulo no Cairo.
Num belo dia, disse Katibi, que era um anglicano, a um dos nossos instru­tores que nós, os moçambicanos, tínhamos vindo ao Egipto para só treinar. 0 fim destes treinos não era fazer desaparecer da superfície da terra o Imperialismo, o Colonialismo e o Apartheid. Era perdoar o inimigo....Indicando-me com o dedo, disse Katibi ao seu interlocutor: "Olha, este estudou a Filosofia e a Teologia; queria ser padre e depois bispo e amigo do papa! O presidente do partido dele está casado com uma mulher branca americana e ele próprio ensina numa das Universidades de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América.... Pensa o Sr. que este terá a coragem de matar o inimi­go? Um branco? Não é verdade!...Este perdoará o inimigo, enquanto sabe que treinou para matá-lo, enquanto sabe que o inimigo está ai para matá-lo!"
Surpreendidos com uma tal inflamatória retórica, ficámos parvos...
Cinco anos depois, estando em Moscovo a estudar, Semeão Massango recebeu uma carta que dizia que o II Congresso da Frelimo tinha terminado com a resolução de libertar todos os soldados portugueses prisioneiros de guer­ra, condenação à morte a todos os dissidentes da Frelimo e raptados do Coremo.
A minha primeira reacção foi: isto é traicão; Katibi tinha razão! Isto es­tá contra o Código de guerras «...Isto não é dente por dente olho por olho.» Isto é traição, sem dúvida nenhuma!....
Portanto, quem liberta estrangeiros, prisioneiros de guerra sem nada, é traidor. Se a traição não tem cor, a mesma não tem categoria também.
Toda a Lei que favorece o estrangeiro em detrimento do cidadão nacional é traiçoeira, seja qual for ou forem os seus autores. Como tal não deve ser obedecida. Deve ser combatida para o bem da nação, para o bem comum.
Enquanto o Exército Português era comandado por oficiais que conheciam o código de Guerra, por terem frequentado Academias Militares, o Exercito Moçam­bicano carecia de académicos militares. Os seus comandantes e soldados tinham visitado apenas quartéis, onde haviam aprendido pontarias, sabotagens com mi­nas e explosivos, fugindo, em seguida, a pé.
Enquanto os Portugueses lutavam para conservar aquilo que não lhes per­tencia, chamavam traidor todo aquele que negasse esta teoria, a Frelimo lu­tava para se libertar do colonialismo. Enquanto os Portugueses matavam não só os feridos, os prisioneiros de guerra mas também os que se rendiam por vê-los como inimigos da Mãe-pátria, a Frelimo libertava todos por considerá-los inocentes, visto que os culpados estavam em Lisboa. Não sabia que estes soldados representavam o governo português, no campo de batalha.
Por conseguinte, a guerra da Frelimo contra Portugal foi uma guerra de comiseração da parte da Frelimo visto que hesitava em matar o inimigo, en­quanto este matava moçambicanos com júbilo, incluindo massacres de civis. Enquanto do lado português foi uma guerra de desafio e vingança aos que não queriam integração na sociedade portuguesa, do lado da Frelimo não ha­via nenhuma espécie de ódio.
Se a Frelimo fosse cruel como foi Portugal em relação a ela, i.e., matar todo o soldado ao seu alcance e cometer massacres a seu bel prazer como a FNLA em Angola, os Portugueses se renderiam muito mais cedo e a Frelimo teria a vitória com menos perdas.
A guerra da Renamo contra a Frelimo foi uma verdadeira guerra civil, cruel, onde, tanto quanto sei não houve traidores.Com efeito, ninguém tinha prisioneiros de guerra. Cada um assassinava outro de maneira que o apeteces­se. Era inimigo. Cada um estava armado. para matar o inimigo. Por isso, no fim de guerra que durou dezasseis anos ninguém apresentou prisioneiros políti­cos nem militares. Foi uma guerra cruel de ambos os lados.
Tendo lido o discurso fúnebre, pronunciado pelo antigo presidente da Re­pública de Moçambique, Joaquim Chissano, no Weblog de 28/09/2010,na pág.4/7, em honra de Sebastião Marcos Mabote, mais uma vez fiquei parvo!
Pois, disse ele: “0s soldados inimigos capturados foram por ele protegidos, os civis sempre respeitados. A sua bravura lendária. A sua inteligência as­segurou as vitórias do ("Nó Górdio") e da travessia do Zambeze".
Nunca acreditei que o discurso de Katibi revelava a verdadeira política da Frelimo quanto a nossa luta pela independência!...Meu inteiro respeito. A guerra não é um jogo entre amigos. Por não ser isso, têm-se multidões de soldados armados para matar o inimigo ou para arrancar do fraco aqui­lo que tem de bom. Se a Frelimo não via os Portugueses como inimigos da sua independência e liberdade, como qualquer outro ser humano no mundo era sua própria culpa.
Se a geração que escrever a ultima e definitiva História de Moçambique, não tiver a ideologia da actual Frelimo, verá, certamente, a paradoxia que existe entre o que a Frelimo disse e fez dum lado e entre herói e traidor de outro. Não faltarão intelectuais que, tendo provas convincentes, exigirão a expulsão de alguns tidos hoje por heróis do panteão, como fizeram os So­viéticos com o cadáver de Estaline, sendo substituídos por fotos daqueles que hoje são conhecidos por traidores.
Isto acontecerá, logo que se escrever uma constituição não dirigida nem pelo presidente da República nem pela maioria parlamentarias elaborada por todas as tendências políticas do país em pé de igualdade. Essa Histó­ria não será partidária. Não será da Frelimo, Será dos heróis de Moçambique.
Será escrita não pelo vencedor nem pela maioria parlamentar porque estes são partidários, subjectivos, muitas vezes mentem. Omitem suas derrotas e malícias e quando a verdade sobressai, ou calam-se ou desmentem a fim de guardar a sua honra.
Dr. António Zengazenga
NOTA:
Caro Dr.: Está enganado quanto ao número de mortos em Mueda: Está provado que foram apenas 17. Veja http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/massacre_mueda_16061960/
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE

Sem comentários: