quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A parte inversa da mesma medalha

09/11/2011

 

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No País está em curso as festas comemorativas do ano de Samora Machel, o primeiro Presidente da então República Popular, hoje, simplesmente República de Moçambique. Ouvem-se discursos e comentários diversos sobre a vida política de Machel, e erguem-se estátuas para que o Povo não perca da memória a figura visual da história passada.
Não conheci Samora menos do que muitos outros contemporâneos meus mas não pretendo tecer mais elogios para não dar a impressão de seguir a regra geral de uma orquestra teatral organizada em que a harmonia musical não tolera notas discordantes. No circo político africano, e isso não é segredo, na falta do melhor, passa-se a vida organizando meetings de propaganda ou exibindo as dimensões do Poder e das riquezas acumuladas para infundir medo e respeito ou obediência cega aos subordinados. É inútil dar exemplos.


Nesta ordem de ideias, acho que é também muito importante, e até, moral e historicamente obrigatório que se falem abertamente dos erros cometidos pelo sucessor de Mondlane. São factos que, a bem dizer, constituem a outra face da mesma medalha. Efectivamente, logo após o assassinato do grande liberal democrata, Eduardo Mondlane, Machel deixou introduzir no Partido Frelimo a ditadura marxista-stalinista conquanto esta ideologia fosse contestada mesmo nos países socialistas de então incluindo na própria União Soviética. Para a tal decisão, que eu saiba, não houve consultação do Povo. Marcelino dos Santos e Samora Machel ditaram as regras do jogo manipulando os ideais de Mondlane ou usando o nome deste para fins próprios. Mondlane nunca foi marxista-stalinista. Não! Nunca se gabou de representante legítimo do Povo em prejuízo de quem quer que fosse. Toda a fanfarronada revolucionária nada tem a ver com Mondlane. O respeito e a simpatia merecem-se e não se exigem. Mondlane nutria grande respeito e enfrentava qualquer opinião adversa com argumentos, sem cinismo nem rancores.
A perseguição dos ditos reaccionários saídos subitamente, como que por milagre do Diabo, do túmulo de Mondlane; a criação dos Campos de Concentração e proclamação da República Popular foram a obra exclusiva de Machel e dos seus Conselheiros. Até uma organização essencialmente não política como a União Nacional dos Estudantes Moçambicanos (UNEMO) cujos destacados membros contribuíram para a Formação da própria Frelimo, foi abolida sem decreto e sem nenhum comentário oficial. Decidiu-se e pronto! O Partido de Mondlane e a filosofia da sua política pragmática e neutral viam-se, assim, assaltados por uma vaga de espírito maligno, insensível e intolerante aos princípios democráticos. A aquisição e manutenção do Poder tornaram-se mais importantes do que a Unidade Nacional. Quem não agradasse ao Duo Machel-dos Santos era logo declarado, por razoes ocultas, inimigo do Povo. Essa era uma nova linguagem na história da Frelimo. Dois indivíduos reclamavam o direito do Povo inteiro!... E daí nasceram os que presentemente se chamam "Frelimos,"como distinção dos membros ordinários do Partido, e dispõem do Poder absoluto.
Atribuir os momentos difíceis durante a governação de Machel a uma suposta" conjuntura interna e externa" não favorável ao "modelo de vida escolhido pelos moçambicanos" é, francamente, uma afirmação demagógica e grotesca. Houve, sim, para os moçambicanos uma imposição do modelo de vida marxista-stalinista por parte de Machel e seus Conselheiros mas não a livre escolha do Povo. Diga-se, aqui de passagem, que os que, por convicção ou experiência própria, tiveram o "atrevimento" de protestar contra o "modelo escolhido"não voltaram a abrir as bocas... Portanto, seriamente e sem exageros, ao político Duo cabe toda a responsabilidade sobre as causas da destruição das infra-estructuras sócio-económicas e das deficiências que se notam em todos os sectores da sociedade. Os quadros nacionais com formação académica tinham nos olhos de Samora e seus conselheiros o aspecto de uma ameaça política, razão porque eles viram-se seleccionados arbitrariamente em verdadeiros revolucionários e contra-revolucionários pela nova direcção da Frelimo. As consequências dessa política são bem conhecidas.
Eu creio que, sem debates sérios sobre a face inversa da medalha, a Frelimo, a curto ou a longo termo, não terá qualidades ou dignidade moral de se impor ou de se apresentar como um Partido que respeita as regras da Democracia. Organizar e ganhar eleições, como se sabe, não têm sempre a significação democrática propriamente dita. E o decurso e as verdades da História não se manipulam eternamente.
Acho justa a indignação silenciosa do Povo que tem de suportar no fundo da sua pobreza discursos e louvores sobre os tempos do marxismo- stalinismo e seus heróis. É uma triste realidade quando, dum lado, esses heróis se orgulham do passado anti-capitalista, e doutro, adoram o capitalismo puro sob a manta da pseudo-democracia.
Há quem compreenda a lição e o rumo da História Nacional? Repito a ideia do meu artigo anterior: seria muito oportuno que o governo da Frelimo propusesse ao Parlamento a criação de uma Comissão de Inquérito e de Reconciliação Nacional. Senão, a barafunda continua... e a Pobreza também!
Simeão Massango

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