quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A História não perdoa…

Jonas Malheiro Savimbi – Um Homem nada pequeno

Savimbi-300x369A 22 de Fevereiro de 2012 completaram-se dez anos sobre a data em que Jonas Malheiro Savimbi foi morto às mãos daqueles a quem mais combateu. Foi morto com ajudas tecnológicas múltiplas que tinham a marca de Israel e dos Estados Unidos, países de quem, em tempos, fora amigo. As mãos que o abateram eram, de facto, angolanas, mas os meios que o “descobriram” e passaram a informação… não o eram tanto assim.
Corria o ano de 1974. Logo após o 25 de Abril, para aí em Junho de 1974, quando os democratas militares (?) já tinham saneado o então Director da Emissora Oficial de Angola, Oliveira Pires – que anda por Lisboa a curtir saudades – coube-me a mim, à frente da Informação da EO, pôr a máquina a funcionar para ir à procura dos líderes dos (então) movimentos de Libertação. A Agostinho Neto era fácil, porque ele falava muito de si e, por essa altura, até estava em Toronto, no Canadá. A Holden Roberto bastaria demandar o presidente Mobutu, do Zaire, e fazer a pergunta. Ele sabia, sempre, onde ele estava.
Difícil, difícil, era encontrar Savimbi. Era um guerrilheiro nato. Sabia sempre desenvencilhar-se das armadilhas que lhe montava e sabia, naturalmente, montar as suas próprias armadilhas. Era um “rato”, no melhor sentido do termo. Que, para mais, combatera sempre no interior da sua terra.
Dei a tarefa de encontrar o líder da UNITA ao colega Marques Rocha – um jornalista a quem eu puxara para a profissão e que foi, até há pouco, chefe de redacção da RTP Norte – que estava cheio de sangue na guelra e estava à procura do seu norte na profissão. De pergunta em pergunta, de conversa com os madeireiros do Leste a conversa com um missionário da mesma zona, Marques Rocha levou a carta a Garcia. E com gravador pequeno, sem grandes meios, para não dar nas vistas, o José Marques Rocha – que saudades eu tenho dele! – lá me trouxe a primeira entrevista.
Por essa altura, já eu – para me defender das incompreensões que os militares foram semeando – não ia ao microfone. No dia da divulgação da entrevista com o líder rebelde, achei que deveria voltar ao noticiário. Li mesmo o serviço informativo da 1 hora da tarde. Na entrevista, Savimbi criticava, a bom criticar, a Emissora Oficial, acentuando que ela estava com o MPLA. E eu sabia que não. Só que o emissor que o velho guerrilheiro ouvia na mata… era de uma chamada “Voz de Angola” que estava – essa sim… – “colada” ao movimento que está ainda no poder…
Quando apresentei a entrevista que o Marques Rocha trouxera… disse sem medo (palavra que na altura não entrava no meu vocabulário) que Savimbi não tinha razão: “o sr. Dr. Savimbi não tem razão. A Emissora é de Angola e… estamos com todos”. Dizer apenas isto, naquela altura, era mesmo perigoso. Nunca se sabia quem é que estava com quem… Recordo-me que fiquei até à espera de alguém me apanhar num qualquer lugar e me fazer pagar a veleidade de criticar um dos… pais da Pátria.
Daí a uns dias… o José Marques Rocha voltou à mata. Nessa altura já com outros meios e acompanhado por um operador. Foi ter, de novo, com Savimbi. Decerto que lhe explicou que aquele tal emissor era, de facto, da Emissora Oficial, mas não estava ao serviço directo da EO. O que sei é que, na entrevista seguinte, o velho guerrilheiro começou mais ou menos textualmente: “Quero pedir desculpa ao sr. Cruz Gomes. Eu estava mesmo enganado. Peço-lhe desculpa…”
Um guerrilheiro que sabe pedir desculpa é, antes, um homem. Um homem nada pequeno. E comecei, então, a olhar para ele com mais curiosidade. E a lembrar de uma outra cena, anterior, para aí em 72, quando em Genebra, na Suiça, onde estava integrado na missão da OIT, eu que era então presidente da secção de Angola do Sindicato (Português) dos Jornalistas. Levava comigo uma “Nagra” – a melhor máquina de gravar que havia… – e fui-me a tudo o que era sítio… para fazer trabalhos. Num deles, dei comigo a ir ao Instituto de Ciências Sociais e Políticas que vários políticos de então tinham frequentado. Recordo-me que, em conversa com o director-geral do Instituto, lhe perguntei como eram nomes como Medeiros Ferreira, Jorge Campinos, e outros. O director não se lembrava. Quando atirei com o nome de Savimbi – que eu, por essa altura, sabia apenas que era o “terrorista Savimbi” – ouvi uma resposta que ainda está no meu ouvido:”Jonas Malheiro Savimbi (foi a primeira vez que ouvi o seu nome completo) foi o aluno mais brilhante que passou por este Instituto…”
Recordo hoje. Como recordo a manifestação popular de muitos milhares que recebeu Savimbi na então Nova Lisboa. Igual àquela manifestação popular… só uma outra que eu acompanhara uns tempos antes… com Marcelo Caetano. Recordo até que estava por lá – e a falar também – um homem novo chamado Samuel Chiwale, que era então o comandante das chamadas FALA. Olhos azuis. Verbe fácil. Carisma, em suma. Ao vê-lo… não poude evitar um pensamento. Seria ele… que afastaria Savimbi. Enganei-me. Chiwale, ainda agora, ao lembrar a figura do chefe, diria que a democracia em Angola morreu com Jonas Savimbi. Acentuou que ele “morreu pela libertação da pátria” e nega que estivesse mais interessado em ser presidente de Angola do que na democracia. Palavras? Só palavras? Talvez… mas deu-me a noção de que, nesse longínquo ano de 74… eu me enganei ao pensar que seria ele a afastar Savimbi.
Estive, depois, várias vezes com Savimbi. E com Neto. E com Holden. Nunca falei nisto a nenhum deles. Mas agora, dez anos depois da morte do líder… entendi que valia a pena contar. Ele já morreu. Já não faz mal a ninguém. Já não repete todos os erros e até crimes… – e teve muitos… – que os pigmeus de hoje lhe assacam. Era um homem. Um homem nada pequeno…
Fernando Cruz Gomes – Jornalista
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