quarta-feira, 10 de julho de 2019

Tumulto diplomático Sem apoio de Trump e Boris Johnson, embaixador britânico nos EUA, Kim Darroch, é forçado a se demitir após vazamento de telegramas confidenciais.

Por Sandra Cohen
Especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em 'O Globo'


O embaixador britânico Kim Darroch — Foto: Sait Serkan Gurbuz / Associated Press O embaixador britânico Kim Darroch — Foto: Sait Serkan Gurbuz / Associated Press
O embaixador britânico Kim Darroch — Foto: Sait Serkan Gurbuz / Associated Press
Em telegramas confidenciais, o embaixador britânico nos Estados Unidos descreveu a seus chefes o presidente Donald Trump como inepto, incompetente e inseguro; e seu governo como disfuncional. A correspondência vazou. O presidente deu o troco raivoso publicamente pelas redes sociais: chamou o embaixador de maluco e estúpido e estendeu ofensas à primeira-ministra, Theresa May, pela forma insensata como conduziu o Brexit.
Favorito na disputa para premiê britânico, o ex-chanceler Boris Johnson se recusou a apoiar o embaixador; preferiu olhar para frente e não se indispor com Trump. Sem o respaldo do presidente americano e de seu possível futuro chefe, o embaixador Kim Darroch ficou sem opção e se demitiu.
Avaliações internas sobre seus anfitriões traçadas por um embaixador a seu chefe são corriqueiras na função diplomática. É ele quem municia e orienta a abordagem política a ser feita de um governo a outro. Darroch cumpria seu papel.
O vazamento dessas conversas privadas, sim, pode ser prejudicial às relações diplomáticas entre dois países. Sobretudo quando elas são tornadas públicas em tempo presente, com os principais personagens ainda exercendo suas funções. E especula-se que o vazamento tenha partido de um defensor do Brexit, alinhado ao governo americano e interessado no cargo de Darroch.
Habituado a criticar sem permitir críticas, Trump inviabilizou a presença do embaixador no posto. O governo britânico apoiou um de seus mais veteranos diplomatas, mas sua saída foi encarada também como um sinal de fraqueza diante dos EUA.
O papel mais inábil, contudo, coube a Boris Johnson, durante um debate com o atual chanceler, Jeremy Hunt, com quem disputa a liderança do Partido Conservador e o cargo de futuro premiê britânico. Em seis ocasiões, esquivou-se a dizer se manteria o embaixador Darroch em sua função até dezembro, data programada para a saída. Optou por ressaltar seu bom relacionamento com a Casa Branca e acabou bombardeado pelos pares.
“Ele praticamente jogou o embaixador embaixo de um ônibus”, resumiu o deputado conservador Alan Duncan, atual ministro de Estado para a Europa.
As implicações de todo o imbróglio mostram, uma vez mais, que o relacionamento entre os dois países, caracterizado como especial em governos antecessores, já não pode ser rotulado nessa categoria. A menos que Boris Johnson, parceiro de Trump, seja escolhido premiê britânico. 

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