O Tribunal da Relação deu razão à ANAC que aplicou uma multa de 2 mil euros a um passageiro que recusou desligar o telemóvel e deixou em modo voo. Juízes dizem que regras são para cumprir.
O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que um passageiro da TAP terá que pagar uma multa de dois mil euros à Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) por ter usado o telemóvel durante um voo para o Funchal. O telemóvel estava em modo de voo, mas naquele avião as regras eram para manter os telemóveis desligados.
Tudo começou numa viagem em junho de 2013 quando, refere o jornalPúblico, um alto quadro da farmacêutica Roche foi chamado à atenção pelo chefe de cabine. Teria que desligar o telefone. Contrariado, o passageiro acabaria por colocar o telemóvel no modo voo, tal como chegou a responder aos funcionários da TAP. O caso estava resolvido, pensou ele, até que no final da viagem foi abordado pela PSP. O comandante de bordo acabaria por não mostrar qualquer vontade ou razão para avançar com uma queixa-crime e o passageiro da TAP acabou por sair do avião a pensar que o infeliz caso não passaria de um episódio na sua vida. Mas não.
Cerca de um ano depois, recebia em casa uma uma multa da Autoridade Nacional de Aviação Civil, ao abrigo da legislação que pune os passageiros que provoquem qualquer desordem a bordo. A ANAC entendeu que desligar o telemóvel, como é pedido aos passageiros dos voos comerciais, não é o mesmo que desativar algumas das suas funções, tendo invocado a necessidade de cumprir as instruções do fabricante da aeronave, a Fokker: “Mesmo em modo de voo, o sistema wi-fi do telemóvel continua disponível, tornando-o num transmissor” suscetível de interferir nos equipamentos da aeronave, argumentou. Acrescentando: “As pessoas têm de adaptar o seu comportamento aos locais onde estão e cumprir escrupulosamente as regras em vigor”, lê-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
O passageiro não concordou e contestou a multa junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. A decisão seria conhecida a 26 de setembro de 2018 e era a seu favor. Segundo a juíza, “a partir do momento em que surgiram no mercado aparelhos com a funcionalidade ‘modo de voo’, cujo objetivo se destina a barrar a função primordial de um telemóvel, impunha-se que fabricantes e operadores averiguassem as implicações dessa funcionalidade (…) no funcionamento do equipamento e dos sistemas do avião e reflectissem essa diferenciação nas suas comunicações e procedimentos”. Da defesa do passageiro fazia parte o argumento de que as regras para o uso de telemóveis naquela aeronave tinham sido revistas em 2002 e que, desde então, os telemóveis já tinham sofrido alterações várias. Uma delas, precisamente a introdução do “modo voo” para que estes aparelhos pudessem ser usados a bordo de um avião.
Ainda assim o caso não ficou encerrado. Desta vez, descontente com esta decisão, foi o Ministério Público que acabou a recorrer para a Relação. O caso acabaria nas mãos dos juízes desembargadores Fernando Estrela e Guilherme Castanheira. Há pouco mais de uma semana, ambos decidiram que o valor de 2 mil euros tinha que ser pago.
“Como se pode minimizar a importância das instruções do fabricante, sem que haja qualquer prova pericial em sentido diverso? Sinceramente, espera-se que as companhias aéreas não sejam tentadas a ignorar as instruções dos fabricantes das aeronaves que adquirem e usam para efetuar voos comerciais com base no alegado facto público e notório — e por isso, não carecido de prova — que os telemóveis evoluíram muito. Julga-se que não o farão, mais não seja para, no caso de algum incidente/acidente aéreo, não se verem confrontadas com uma justificada recusa das companhias seguradoras em pagarem danos e prejuízos originados pela não observância das instruções dos fabricantes”. lê-se no acórdão.
A ANAC instaurou em 2018 três processos de contra-ordenação relacionados com este tipo de incidentes. O Tribunal da Relação considera que são as pessoas que “têm de adaptar o seu comportamento aos locais onde estão e cumprir escrupulosamente as regras em vigor no local”. O que está e causa é a segurança das aeronaves. Neste caso, “encontrava-se numa aeronave e tinha de adaptar o seu comportamento a esse facto, e ainda atendendo aos motivos já apontados de que a proibição imposta pela construtor da aeronave tem por fim garantir a segurança aeronáutica, e até que seja alterada na sequência de estudos de que o uso de telemóveis a bordo daquela aeronave específica não colocaram em perigo a segurança da aeronave, não pode o operador alterar procedimentos”.
Mais referem os juízes do tribunal superior que o aviso: “Verifique, por favor, se o seu telemóvel está desligado”quer dizer precisamente “isso, o telemóvel tem de estar desligado”. Caso contrário a companhia avisaria para colocar o telemóvel em “modo de voo”.
“Aliás, nem outra poderia ser a atitude da companhia aérea, na medida em que as instruções do fabricante são claras quanto ao uso de telemóveis a bordo da aeronave Embraer e da Fokker, ou seja, de que o seu uso é totalmente proibido durante todas as fases de voo”, lê-se no acórdão.
Assim, os juízes consideram que a decisão de não pagar a multa deverá ser revogada, confirmando a decisão tomada pela própria ANAC, que o condenou o passageiro por uma contraordenação ” por utilizar telemóvel ou qualquer outro mecanismo eletrónico a bordo de uma aeronave civil em voo comercial, quando tal seja proibido”, como diz a lei.