sexta-feira, 22 de março de 2019

André Thomashausen: Defesa de Chang está a usar tácticas dilatórias

O perito em Direito Internacional André Thomashausen não tem dúvidas de que a defesa do antigo ministro das Finanças Manuel Chang está deliberadamente a apostar em tácticas dilatórias, com o recurso a expedientes que têm travado a sua extradição para os EUA.

Para Thomashausen, a África do Sul não tem alternativa senão extraditar Manuel Chang para os EUA, ao abrigo do acordo de extradição vigente entre os dois países.

O protocolo da SADC evocado pela justiça moçambicana para requerer o julgamento do ex-governante no país ainda não está em vigor, considera o académico sul-africano e antigo conselheiro do falecido líder da Renamo, Afonso Dhlakama.

O antigo ministro das Finanças volta no dia 26 deste mês ao tribunal, para mais uma audiência em torno do seu processo de extradição. Manuel Chang está detido na África do Sul desde o dia 29 de Dezembro, no âmbito de um pedido de extradição expedido pela justiça norte-americana.

Considera que as diligências a que os advogados de Manuel Chang têm lançado mão são dilatórias e que visam arrastar o caso na justiça sul-africana por razões meramente financeiras?

São tácticas muito evidentemente dilatórias, mas em muitos aspectos também manifestam ignorância da lei e falta de experiência com direito das extradições.

O recurso da defesa de Manuel Chang ao presidente Cyril Ramaphosa é uma forma de politizar o caso e tentar capitalizar uma eventual simpatia política, dados os laços entre o ANC e a Frelimo?

Não. Muito tarde, no processo, estes advogados lembraram-se de consultar a Lei da Extradição da África do Sul nº 67 de 1962, a tal que foi  revista em 2001 e 2004. Descobriram que os pedidos de extradição que não podem invocar um acordo de extradição (por tal acordo não existir) devem seguir um processo diferente, nos termos do artigo 3 (2) dessa lei, que prevê que o chefe do executivo, na África do Sul, o presidente, deve em primeiro lugar decidir se a pessoa procurada por um outro Estado pode ou não pode ser extraditada. A razão do tratamento distinto de pedidos baseados num acordo de extradição e pedidos feitos na falta de um tal acordo está na regra fundamental do direito internacional público que não impõe aos estados um dever geral de conceder pedidos de extradição e assim os tais pedidos só se tornam vinculativos nos casos em que existe um compromisso legal nos termos de um acordo de extradição. A falta de um acordo de extradição válido entre Moçambique e a África do Sul é agora admitida pelos advogados de Chang, com o pedido que fizeram que uma decisão preliminar pelo presidente da África do Sul nos termos desse artigo 3 (2) é requerido por lei. Isso depois de eu ter explicado isso numa entrevista à Rádio Nacional. Extraordinariamente, ao longo destes meses, nenhum jurista envolvido nas muitas iniciativas para evitar que Chang vá prestar testemunho nos EUA reparou que o Protocolo da SADC sobre Extradição não está em vigor, devido ao não cumprimento da regra do artigo 31 desse Protocolo.

É juridicamente atendível a pretensão da justiça moçambicana de ter Manuel Chang julgado em Moçambique?

 Não, o artigo 15 do acordo de extradição entre os EUA e a África do Sul torna isso impossível, a não ser que a África do Sul queira cometer uma violação desse acordo que, aliás, também foi transformado em lei interna da África do Sul. Uma decisão em violação do tal artigo 15, assim também constituirá uma violação do princípio do Estado de direito e seria invalidada em última instância pelo Tribunal Constitucional. 

Que argumentos serão razoáveis para a África do Sul rejeitar o pedido da justiça moçambicana e atender ao pedido norte-americano?

São os critérios contidos no artigo 15 do acordo de extradição com os EUA, nomeadamente, a prioridade que deve ser dada a pedidos baseados em acordos formais de extradição, a seriedade dos crimes inculpados, a data e o lugar da consumação dos crimes inculpados, a anterioridade do pedido dos EUA, o balanço dos interesses dos estados afectados, a nacionalidade das vítimas dos crimes inculpados e se o  país que deve ceder a extradição a outro Estado terá a possibilidade de apresentar pedidos de extradição subsequentemente ao julgamento do arguido. Assim fica claro que Moçambique sempre poderá apresentar um pedido de extradição ulterior, depois do julgamento de Chang nos EUA, já que Chang não arrisca pena de morte e execução nos EUA, ficando assim disponível para uma eventual e subsequente extradição para Moçambique.

MEDIA FAX – 22.03.2019

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