Evangélicos vetaram o moderado que o presidente tinha escolhido para a Educação. Os antiglobalismo vão mandar na política externa. Como se previa, executivo ganha cara de extremista de direita.
Secretário de Educação em Pernambuco, reitor da universidade do mesmo estado, diretor da ONG Todos pela Educação, autor de três livros essenciais sobre pedagogia, técnico qualificado de perfil moderado e dialogante, o nome de Mozart Neves Ramos para o Ministério da Educação do governo de Jair Bolsonaro foi recebido com entusiasmo por especialistas na área, à direita, ao centro e à esquerda. Mas não se confirmou. Entre a elaboração do convite e o anúncio oficial, os deputados evangélicos, que representam importante base eleitoral do presidente, vetaram a nomeação.
"Nós, a bancada evangélica, somos totalmente contra, vamos interpretar a escolha como uma afronta, o futuro governo pode errar onde quiser, menos na Educação", disse Sóstenes Cavalcante, deputado pelo DEM e membro da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. "Não podemos permitir pessoas com ideias contrárias às nossas", acrescentou o líder da chamada Bancada da Bíblia Hidekazu Takayama, do PSC. "É fake news, estou a rir à gargalhada aqui", completou Silas Malafaia, o pastor evangélico a cujo culto Bolsonaro e a mulher, Michelle, compareceram menos de 48 horas depois da eleição.
Neste contexto, Bolsonaro interveio, via Twitter, garantindo que ainda não havia escolha definitiva. Horas depois, anunciaria Ricardo Vélez Rodríguez, colombiano naturalizado brasileiro, professor emérito da Escola de Comando do Estado Maior do Exército, crítico do atual sistema científico brasileiro por ser "afinado" com uma tentativa de impor "a doutrinação (...) marxista" e defensor de que o golpe que derivou na ditadura militar de 1964 fosse "comemorado".
A propósito de Mozart Neves Ramos, o colunista do jornal Folha de S. Paulo e expoente da direita liberal Reinaldo Azevedo escreveu que "o ex-futuro indicado tinha a oferecer a sua comprovada experiência em educação e o seu reconhecido apartidarismo". Renato Janine Ribeiro, o ministro da Educação do segundo governo de Dilma Rousseff e, portanto, nos antípodas políticos de Azevedo, concordou: "É uma lástima que Mozart, que poderia ser o melhor ministro do novo governo, seja atacado por motivações ideológicas."
Janaína Paschoal, advogada que conduziu o impeachment de Dilma e que chegou a ser convidada para vice-presidente de Bolsonaro, alertara para o perigo de o partido de ambos, o PSL, se tornar o avesso daquele que procurava combater, o PT. "Não se governa uma nação com pensamento único, reflitam se nós não estamos correndo risco de fazer um PT ao contrário", afirmou num discurso na convenção do partido que praticamente a excluiu de "vice".
"Em nome do combate às ideologias de esquerda, Bolsonaro compõe um ministério dominado por outra ideologia, supostamente antiesquerdista, seja lá o que isso signifique", escreveu o colunista do Yahoo Brasil Matheus Pichonelli. E inclui o fim do programa Mais Médicos, assinado pelo governo PT e o de Cuba, como exemplo.
O novo ministro da Educação, fiel à agenda evangélica, deve agora pôr em prática o projeto de lei Escola Sem Partido, que proíbe noções como "identidade de género", "orientação sexual" e "preferências políticas e partidárias" e elenca um conjunto de deveres do professor afixados na parede da sala de aula. Mozart já se revelara contrário ao programa.
Rodríguez foi indicado a Bolsonaro por Olavo de Carvalho, filósofo radicado nos Estados Unidos e tido como o ideólogo da nova direita brasileira. Já antes, Olavo de Carvalho havia sugerido para ministro das Relações Exteriores (os nossos Negócios Estrangeiros) o diplomata Ernesto Araújo, que entende o aquecimento global como "dogma utilizado para justificar o aumento do poder regulador dos Estados (...) e promover o crescimento da China", o PT como "partido terrorista" e o "globalismo como sistema anti-humano e anticristão (...) pilotado pelo marxismo cultural."
À direita de Bolsonaro
Numa escala imaginária, pelo que têm dito e escrito, Vélez e Araújo são os dois ministros mais à direita do governo de Bolsonaro. Talvez mais à direita ainda do que o próprio presidente, já de si um fã de Brilhante Ustra, torturador do regime militar. Afinal, depois de se aconselhar com a empresária Viviane Senna, irmã do piloto de Fórmula 1 e presidente do Instituto Ayrton Senna, voltado para a educação, Bolsonaro escolhera o moderado Mozart para ministro da Educação.
Na Agricultura, entretanto, o presidente nomeou Tereza Cristina, a líder da bancada parlamentar ruralista, ou do Boi, que tem como agenda aumentar áreas para desmatamentos, opor-se a medidas de preservação do meio ambiente e limitar o combate ao trabalho escravo. Do DEM, um dos partidos mais à direita do Congresso, a deputada recebeu doações de campanhas de um fazendeiro acusado de mandar matar um líder indígena.
Generais e porte de armas
O ministro da Casa Civil, a quem compete gerir a relação entre executivo e legislativo, e o titular da Saúde também são do DEM - a preponderância de um partido que, oficialmente, apoiou Geraldo Alckmin na eleições está, aliás, a deixar o PSL de Bolsonaro desconfortável. Onyx Lorenzoni, como o presidente, é um firme defensor da flexibilização do porte e da posse de armas. Luiz Henrique Mandetta criticou o programa Mais Médicos, que servia 28 milhões de brasileiros, "por ser um convénio entre PT e Cuba".
No governo cabem ainda dois generais, Fernando Azevedo e Augusto Heleno, um dos mais próximos conselheiros de Bolsonaro. Para ele, o polícia não deve ser punido se atirar a matar: "Vai morrer gente? Vai. Mas é melhor morrer bandidos ou inocentes? Quer continuar assim? Vamos virar um anarcopaís."
Carta-branca na Economia
Finalmente, Bolsonaro deu carta-branca a Paulo Guedes, considerado um dos economistas mais liberais do Brasil, formado na escola de Chicago e que fez fortuna no mercado de capitais. "Privatizações, concessões e desmobilizações: tínhamos que vender tudo!", afirmou em entrevista à Reuters.
Ao contrário de Dilma, última presidente eleita, Bolsonaro está apenas a ser fiel ao seu eleitorado. Ela, que na campanha de 2014 rebatera as acusações de crise nas contas públicas feitas pelos outros candidatos, uma vez chegada ao governo convidou para a Economia o austero Joaquim Levy, que havia participado na redação do programa de Aécio Neves, o seu principal adversário.
Já Bolsonaro vem agradando às suas bases de apoio - o mercado, atendido pela equipa ultraliberal de Guedes, os evangélicos, que determinaram a política de educação, os grandes proprietários, a quem entregou a Agricultura, e a nova direita moldada por Olavo de Carvalho, que influenciará a política externa. Bolsonaro rodeia-se, portanto, de bolsonaristas. Mas alguns, é certo, mais bolsonaristas do que o próprio Bolsonaro.
O grau de extremismo dos 13 ministros de Bolsonaro
Onyx Lorenzoni
Ministro da Casa Civil
Fervoroso anti-PT, apoiou Bolsonaro, apesar de o seu partido, o DEM, ter optado por Alckmin. Destacou-se no combate parlamentar por mais acesso dos cidadãos a armas.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: 4,5
Gustavo Bebianno
Ministro da Secretaria da Presidência
Coordenador de campanha do presidente, por quem diz nutrir "amor heterossexual", ofereceu serviços jurídicos de advocacia a um filho de Bolsonaro em processo contra Dilma.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: 4,5
Fernando Azevedo
Ministro da Defesa
Considerado um militar político, o general transita entre os três poderes - era assessor do presidente do Supremo - e chegou a ser nomeado por Dilma para cargo nos Jogos Olímpicos.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: 3,5
Augusto Heleno
Chefe do Gabinete de Segurança Institucional
Um dos principais conselheiros de Bolsonaro, raramente opina sobre temas ligados aos costumes mas é particularmente rígido no combate à criminalidade.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: 4,5
Ernesto Araújo
Ministro das Relações Exteriores
Alinhado com o pensamento do filósofo de direita Olavo de Carvalho, acha que o aquecimento global é uma balela para fortalecer a China, é contra o globalismo movido pelo marxismo cultural e acredita que Cristo é o caminho do Ocidente - e Trump também.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: 5
Paulo Guedes
Ministro da Economia
Conhecido como um dos economistas mais liberais do Brasil, favorável ao máximo possível de privatizações, não lhe são conhecidas ideias no campo dos costumes, no entanto.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: 4,5
Sergio Moro
Ministro da Justiça
Sublinha que encara o seu novo cargo mais como missão técnica do que política e diz-se defensor dos direitos das minorias. A esquerda acusa-o de parcialidade na Lava-Jato.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: 3,5
Ricardo Vélez Rodríguez
Ministro da Educação
Quer instituir o programa Escola Sem Partido, considerado ultraconservador e retrógrado pela maioria dos especialistas em educação. Defende que o dia do golpe militar devia ser comemorado.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: 5
Tereza Cristina
Ministra da Agricultura
Lidera a Bancada do Boi, cujas propostas passam por aumentar áreas para desmatamento, opor-se a medidas de preservação do meio ambiente e limitar o combate ao trabalho escravo.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: 4,5
Luiz Henrique Mandetta
Ministro da Saúde
Como Tereza Cristina, é do conservador DEM.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: 4,5
Marcos Pontes
Ministro da Ciência e Tecnologia
Apoiante firme de Bolsonaro, o astronauta ataca o ensino de temas de "sexo fora de idade" e defende o lema "direitos humanos para humanos direitos".
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: 4,5
André Mendonça
Advogado Geral da União
Advogado, escolhido pelo perfil técnico.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: ?
Wagner Rosário
Controlador Geral da União
Único ministro de Temer que transita, ocupa-se da área da transparência e trabalhará muito próximo de Moro.
Escala de radicalismo de direita de 0 a 5: ?
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