José Eduardo dos Santos (JES) quis ser o protagonista da visita de João Lourenço a Portugal. Esperava-se que a sua conferência de imprensa, secundada pelas desgastantes publicações no Twitter da sua filha Isabel, colocassem Lourenço à defesa, numa posição instável, e lhe estragassem o périplo por terras lusas. Tal não aconteceu.
O actual presidente de Angola respondeu de forma bruta e forte a JES, e calou as vozes que se preparavam para sabotar a visita. Isabel dos Santos, como vem sendo habitual ultimamente, já re-twittou a dar o dito por não dito, tentando amaciar Lourenço. Ataca e foge.
A visita de Lourenço, em si mesma, pareceu algo estranha. Mais se assemelhava ao líder da antiga potência colonial a passear-se com honras e dignidades pela jovem nação independente. Os dirigentes portugueses encheram Lourenço de honras e amabilidades. Onde antes diziam «ai», passaram a dizer «ui». Inclinaram-se, solícitos, perante o novo presidente. Aquele homem do Norte que antes elogiara o genro do antigo presidente JES, Sindika Dokolo, derreteu-se agora com Lourenço.
Os negócios
No fundo, Portugal respira de alívio, esperando voltar aos seus negócios com Angola. Isto é um erro. Esses negócios acabaram por não ser benéficos, nem para o povo angolano, nem para as empresas portuguesas – apenas beneficiaram meia dúzia de comissionistas e intermediários.
Portugal tem de dar um novo rumo à sua ligação com Angola, numa perspectiva de médio prazo, focando-se no capital humano e no investimento produtivo, e tem de abandonar e despedir os antigos “facilitadores” das relações com Angola. Eles não sabem ainda, mas a verdade é que perderam toda a credibilidade e terão muitas dificuldades em fazer negócios no futuro em Angola.
Mas João Lourenço, se bem que tenha acertado no discurso de um novo modelo para as relações económicas entre Portugal e Angola, tem de garantir algo muito simples: segurança no investimento e liberdade de movimento de capitais, embora regulada. Isto quer dizer que as pessoas que investem têm de ter a certeza de que a meio do seu caminho não surge um general ou um ministro a apoderar-se do seu negócio por meios obscuros, e que podem repatriar os seus lucros legítimos sempre que necessário. Estas duas contrapartidas são absolutamente essenciais para fazer vingar o novo modelo proposto por João Lourenço.
A justiça
A mesma necessidade de melhor colaboração entre ambas as partes é vital no sector da Justiça.
A posição de Portugal, há que reconhecê-lo, tem sido ambígua. Por um lado, vem arquivando ou “congelando” a maior parte das investigações contra Pessoas Expostas Politicamente de Angola, como “Kopelipa”, Isabel dos Santos ou o general Dino, mas, por outro lado, quando acusou Manuel Vicente, antigo vice-presidente de Angola, por um crime pessoal cometido em Portugal, recebeu uma forte reacção por parte de Angola, designadamente de João Lourenço. Isto quer dizer que o mesmo João Lourenço que agora pede cooperação à justiça portuguesa foi aquele que impediu a mesma de levar avante a sua acusação a Manuel Vicente. Por consequência, não é de estranhar que a justiça portuguesa assuma alguma cautela. Na verdade, a melhor prática será investigar tudo e remeter as conclusões para Angola, a fim de ver os resultados efectivos, o que aliás é permitido pelos acordos judiciários existentes entre os dois países.
Dúvidas
Consequentemente, acerca das relações entre Angola e Portugal firmadas pela visita de João Lourenço, além da troca de amabilidades, que foi considerável, o sentimento que fica é de uma grande dúvida. Vão ou não mudar os paradigmas da cooperação económica e judicial? Haverá garantias de parte a parte para que tal aconteça? Grandes interrogações subsistem.
O maior sucesso da viagem de João Lourenço reflectiu-se na frente interna: o novo presidente arrumou determinadamente a primeira tentativa de levantamento de JES. Marcou o ritmo e o tempo. Aí, tratou-se indubitavelmente de uma vitória.
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