Moçambique é um país que actualmente está a viver o pior cenário financeiro
da sua vida, talvez rivalizado com o ano de 1983, para quem o viveu. Os
parceiros programáticos do Orçamento do Estado cortaram a sua contribuição, o
que faz com que o país tenha que colmatar o déficit com meios próprios, que
ronda nos 40% das necessidades do financiamento, e que apesar de se conseguir
tal proeza, não se pode negar que haja dificuldades para um país que, há menos
de dois anos, era considerado o exemplo da gestão financeira pelos doadores.
Esta situação foi despoletada pela não declaração de Moçambique ao Fundo
Monetário Internacional (FMI) de uma empréstimo realizado pelo Governo, que
tinha por objectivo a aquisição de meios para a protecção costeira, assim como
para a viabilização de um negócio direccionado de atum, através de uma empresa
nacional gerida por moçambicanos.
Voltando no tempo, recordemos que Moçambique aderiu ao FMI nos anos
oitenta, e como qualquer membro que adere a uma organização, ele deve seguir todas
as normas colegiais que regem a relação entre os FMI e os seus membros. Isto é,
ao aderir, Moçambique sujeitou-se, voluntariamente, às regras desta organização
financeira internacional.
Assim, com o recurso a um crédito financeiro sem comunicar a este clube em
que faz parte, Moçambique violou uma das normas que aceitou de livre vontade, que
serviu de mote para que o FMI se impusesse na sua fortaleza omnipotente, e
encostasse Moçambique na sua realidade, usando essa falta de comunicação como
pretexto para fazer exigências. E quando confrontado com tal situação, Moçambique,
como bom aluno que é, aceitou as consequências, e submeteu-se às exigências
institucionais que o próprio fundo apresentou, de modo a corrigir a situação, e
voltar ao convívio dos restantes membros do clube.
As exigências do FMI basicamente se resumiam à aceitação de uma uditoria,
que forense passou para administrativa, a qual foi prontamente aceite pelo
Governo moçambicano, que incluive ofereceu a pagar aos auditores que iriam
fazer tal trabalho. Mas, e de novo, o FMI disse que não confiava em empresas
moçambicanas, e com a ajuda da Suécia, que ofereceu-se para pagar as despesas,
foi se contratar a Kroll, uma empresa conhecida pela sua eficiência neste tipo
de trabalho.
Mais uma vez, Moçambique aceitou as condições, e a Kroll foi a Moçambique e
fez a auditoria. De referir que os termos de referência para esta auditoria foi
desenhadas unicamente pelo FMI e pela Suécia, esta como representante dos
doadores, e o Moçambique esteve representado pela Procuradoria Geral da
República, não como parte do grupo, mas como depositária dos resultados da
auditoria para posterior trabalho.
Segundo o FMI, a finalização da auditoria seria a condição para que os
apoios ao Orçamento de Moçambique retomasse. A auditoria em referência, teve
mais de dois adiamentos dos prazos inicialmente propostos pela famosa firma,
mas nenhuma explicação ou justificação foi dada a conhecer. E, quando o último
prazo passou, a Kroll apresentou um resumo da mesma aos mandantes da auditoria,
e nela reclama a falta de acesso a informações que para deveriam ter sido
dadas. De referir que essa informação tem a ver com questões sensíveis da
segurança do Estado, e nenhum Estado na sua consciência pode, em nome da retoma
de qualquer tipo de ajuda, dar informações de carácter sigiloso e que
condicionam a sua própria segurança.
Aqui devo abrir um parentesis para esclarecer que ao FMI não ajuda ao
orçamento do Estado, mas sim ao equilíbrio cambial e das reservas financeiras
do Estado. O que está em jogo neste imbróglio não é propriamente a retoma da
ajuda do FMI ou dos parceiros programáticos, mas a limpeza da imagem de
Moçambique que foi projectada negativa e injustamente pelo FMI, o que contrai
os investimementos e outras formas financeiras de ajuda à economia.
Aliás, os relatórios financeiros que condicionam a notação financeira de
Moçambique, assim como a imposição de reformas compulsivas, fazem parte do
pacote que o FMI disponibilizou para que Moçambique seja visto como vilão no
Sistema Financeiro Internacional (SFI), fazendo com que o país perdesse
credibilidade junto dos vários parceiros económicos e financeiros. Aliás, foi
este conjunto de pacotes que fizeram com que os que apoiam o Orçamento do país
cortassem a sua juda, assim como a retracção do investimento.
Isto tem a sua razão de ser, uma vez que os parceiros programáticos e os
investidores usam muito essa informação para tomar as suas decisões
financeiras, e com esse quadro ainda patente, apesar dos esforços de
cumprimento de Moçambique, não há nenhum investidor que, baseiando-se nessa
informação, que poderá arriscar-se a investir no país.
Apesar destes condicionalismos acima descritos, a situação de Moçambique
não está assim tanto no desespero, pois, e como exemplo ilustrativo, as
reservas de Moçambique estão acima do financeiramente recomendado, pois estas estão
asseguradas para seis meses de importação, num universo que quatro meses são
considerados óptimos para um país projectar o seu crescimento. Atenção, com
isto não quero dizer que a ajuda dos parceiros não é importante. Não.
Desde que aderiu a esta organização internacional nos anos oitenta, Moçambique
nunca, mas nunca mesmo teve qualquer cartão amarelo, ou mesmo uma admoestação,
pelo contrário, foi considerado um país modelo no que à implementação das
políticas do FMI diz respeito, mesmo com o prejuizo próprio, como a destruição
total da indústria do caju e o quase desaparecimento da indústria do açúcar nos
anos noventa.
As condições apresentadas para que o nome de Moçambique fosse lavado são
inéditas, e nenhum país já teve tanta atenção do FMI por causa de créditos não
declarados, ou mesmo por causa de uma situação financeira negativa. Aliás, no
fundo o FMI tinha conhecimento de toda a operação para a concessão deste crédito
desde o início, e tem informação privilegiada sobre as condições em que tal
crédito foi negociado, e o que Moçambique está a pagar é a falta da
formalização do mesmo, segundo as regras do FMI.
Assim, o FMI segurou na questão das dívidas como um cavalo de batalha para
usar Moçambique como uma lição severa sobre os desvios comportamentais no
clube, mostrando o grau de punição que vai caber àqueles que no futuro ousarem
desafiar a sua autoridade mundial na área financeira, e assim construir a sua
hegemonia e monopólio, usnado o medo de destruição como bandeira do seu poder.
Assim, o FMI está concentrando toda a sua força e inteligência para Moçambique,
exibindo a sua farta musculatura e encostando o país num beco, tudo isso para
mostrar que quem ousar desafiá-la vai ser esmagado como está a esmagar
Moçambique.
Isso explica-se porque na primeira ida do Governo aos Estados Unidos da
América para se reunir com o FMI, e durante as conversações, os responsáveis do
Fundo disseram que o grande problema de Moçambique era somente a falta de
informação ao FMI sobfre os créditos, não exactamente o que foi comprado com
esse crédito, porque isso é de total responsabilidade do país e não era matéria
do Fundo. A condição essencial era somente Moçambique declarar o montante total
de toda a sua dívida, o que prontamente cumpriu.
Hoje, o assunto cresceu, e, depois de se exigir a realização de uma
auditoria independente, à qual o Governo alinhou, hoje há uma pressão para que
Moçambique se livre dos meios adquiridos como uma das condições para que se
limpe o nome de Moçambique no SFI, aspecto que foi desdenhado aquando da
primeira visita dos membros do Governo a Washington.
Apesar desse condicionalismos todos, estranhamente o país tem sabido gerir
esta situação provocada pela inflexibilidade do FMI, e está há dois anos a
sobreviver sem o apoio dos parceiros programáticos, tomando medidas
estratégicas que mudam a forma como o país encara o financiamento para o seu
financiamento.
O Governo r5ecorreu ao corte de subsídios ao pão e ao combustível, assim
como nos salários dos funcionários públicos; o Presidente da República começou
uma “cruzada” pelo país, instando o povo moçambicano a intenisficar a produção
de comida, facto que teve resultados impressionantes, uma vez que a produção tida
nesta ano (2017), nunca tinha sido atingida há vinte anos no país. O Banco
Central tomou medidas de contenção, com o objectivo de estabilizar a siatuação
cambial e da inflação, assim como a fusão e reformulação das empresa públicas.
A cobrança de impostos foi revolucionada e diminuiu-se os níveis de perdas
e desvios; e com o aumento da produção houve a queda de preços, havendo neste
momento produção por escoar para o consumop. De notar que estas reformas foram
feitas sem a presença do FMI, mas foi iniciativa do próprio Governo do
Presidente Nyusi. Aliás, estas medidas e os respectivos resultados significam a
redução de importações, e consequentemente a poupança de divisas, o que garante
o aumento das reservas de Moçambique para a importação de produtos essenciais.
Por outro lado, e apesar de os investimentos de grande porte estarem a
retrair (segundo o último relatório do Banco Mundial, sobre os grandes
projectos não se notou novos investimentos), os pequenos e médios investimentos
estão a mudar a configuração económica de Moçambique (dois exemplos: a
instalação de uma nova linha de produção de açúcar que praticamente elimina a
necessidade de importação deste produto por Moçambique, e a inauguração de uma
fábrica de pão que tem a capacidade de abastecer a província e Cidade de
Maputo). Aliás, os investimentos que beneficiam directamente ao povo é que
fazem diferença no aumento da qualidade de vida, diferentemente dos grandes
investimentos que não têm um impacto directo na vida dos cidadãos.
Apesar destes resultados, Moçambique não se snte à vontade por estar à
margem do SFI, pois, como um país que quer estar no meio doutros países, sente
a necessidade de ser readmitido e de conviver com os restantes países, e ser
visto como membro deste Sistema. O que está em jogo não é necessariamente a
retomada da ajuda financeira, mas a readmissão de Moçambique no SFI, como acima
de disse.
A inflexibilidade que o FMI apresenta, está eivada de um cunho político que
deve ser repudiado e denunciado, pois não faz sentido que haja dois pesos e
duas medidas. Moçambique violou, sim, uma das normas do clube onde é membro,
mas pela primeiríssima vez, diferentemente de muitos países que são violadores frequentes
das normas em alusão. As sanções e a inflexibilidade que são apresentadas pelo
FMI não fazem nenhum sentido para uma organização toda poderosa como aquela
para um país pobre como Moçambique.
A falta da retirada as alegações do FMI no SFI, é um atentado grave aos direitos humanos, uma vez
que isso é um embargo económico, que deixa Moçambique a laborar no mínimo em
todos os sentidos. Nenhuma razão pode ser tão forte para que o FMI não devolver
a alforria de Moçambique para estar no SFI. Isso não significa automaticamente
a retomada das ajudas, que não são o motivo principal, mas somente a volta de
Moçambique nas grandes praças financeiras, onde pode vender as suas
potencialidades para os investidores.
O que o FMI está a fazer é um embargo económico não declarado a Moçambique,
com objectivos inconfessos e vergonhosos para um Golias financeiro como é esta
organização financeira.
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