Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Comissão Mista e mediadores internacionais, o que já fizeram?
Se, em plena negociação, um membro da Comissão Mista discutindo e negociando para o restabelecimento da paz é barbaramente assassinado, alguma coisa não está objectivamente bem.
Nos Balcãs, no Iraque, na RDC, na Somália, o CS da ONU agiu, e está presente em alguns dos países que ainda mantêm focos de violência como a RDC.
Qual é a diferença com o que está acontecendo em Moçambique?
Será o grau de intensidade das hos tilidades militares? Ou outro tipo de considerações como proximidade geográfica das potências mundiais?
O acordo de chamar mediação internacional não está surtindo efeitos, e isso, em parte, pode ser devido ao grau de engajamento das potências mundiais integrantes do CS da ONU. A opção por figuras até ofuscadas pelo tempo e sua intervenção conspurcada em conflitos recentes no Médio-Oriente, tais que Tony Blair, pode explicar algumas coisas.
Chester Crocker e Jacob Zuma são figuras também com os seus problemas particulares e com agendas mais importantes, especialmente Jacob Zuma que luta pela sua sobrevivência política.
O alheamento visível das potências revela um procedimento e prática reactiva já recorrente.
Só aparecem preocupadas quando o “caldo já se entornou”.
Pelo que está acontecendo em sede de Comissão Mista, persiste a ideia de forçar o adiamento da solução de um problema conhecido e que até tem “barbas já cinzentas”.
Numa situação em que já se verificam abusos graves dos direitos humanos e em que progressivamente se verificam casos de assassinatos políticos com potencial de fazer explodir o conflito ou a sua generalização, as forças políticas estão surdas e mudas. Quando falam dos assuntos prementes, fazem-no com leviandade e uma postura calculista de quem só vai ceder se tiver garantido o “status” existente ou pretendido.
A “vista grossa” no Ruanda levou ao assassinato de 800.000 pessoas em 90 dias.
A ONU foi criada para evitar que genocídios e situações de guerra como a II Guerra Mundial voltassem a repetir-se.
Assim sendo, não se compreende nem se pode aceitar que o CS não actue proactivamente na questão moçambicana. Se hoje os combates são localizados e de relativa pequena intensidade, isso não significa que as partes beligerantes não se decidam a intensificar ou generalizar as hostilidades.
Sabe-se que a descoberta do gás em Cabo Delgado já está jogando com a situação política nacional. E também se pode ver que alguns dos mediadores internacionais escolhidos a dedo representam “lobbies” de petrolíferas americanas e britânicas.
Se até aqui os sucessivos avanços são determinados por posições baseadas em vantagens de grupos específicos e os recuos surgem sempre que os protagonistas têm receios da diluição de seu poder, é de prever que o “braço-de-ferro” continue.
Na RDC, embora sem resultados palpáveis ou animadores à altura dos anseios do seu povo, deve-se dizer que a presença da ONU com uma força de manutenção da paz tem servido de dissuasão efectiva.
Um potencial de minerais invejáveis, alguns dos quais estratégicos, interferência directa e indirecta de países vizinhos, interessados em aproveitar-se de vazios geográficos e políticos para cimentarem as suas influências e interesses económico- -financeiros, tem propiciado uma instabilidade quase permanente.
Moçambique, do ponto de situação geográfica e potencial mineralógico, não difere muito da RDC ou Angola. As valências são diferentes, mas os interesses de corporações internacionais são concretos.
Índia, China, Brasil lançaram-se ferozmente na busca de recursos naturais em Moçambique. A Rússia parece silenciosa ou adormecida, mas existe no tabuleiro. Os
EUA, Itália e Reino Unido estão na dianteira do aproveitamento do gás e eventualmente do petróleo.
Estes são factores económico-financeiros concretos que não se podem ignorar, sob pena de nos enganarmos inutilmente.
O Conselho de Segurança deveria exercer o seu poder para controlar e diminuir o acesso a armas para um Moçambique em guerra.
A China, Brasil e outros países devem refrear os seus apetites de lucros vendendo armas que vão exacerbar crises e conflitos.
O tipo de crise que persiste em Moçambique resulta da inflexibilidade dos interlocutores com o partido de suporte do Governo do dia, incapaz de estabelecer uma plataforma negocial conducente à produção de consensos, e com a Renamo encostada, cada vez mais, contra a parede.
Meses de inconclusão negocial no CCJC, seguidos de uma Comissão Politica paralisada pela inexistência de um mandato claro e carta-branca para negociar em plenitude, são razão para duvidar que, a breve trecho, se chegue a um acordo viabilizador da paz.
Uma sociedade civil precária e dependente de financiamentos externos, em geral partidarizada ou com a sua actuação limitada a acções esporádicas, com um passado de pouca credibilidade sociopolítica, enfraquece a intervenção de mais actores na busca da paz.
Os partidos extraparlamentares são marcadamente esporádicos e, em geral, inconsequentes, pois surgem quase sempre na boleia de “trust funds” eleitorais.
Da academia e do que são os poucos “think-tanks” existentes, tem-se visto alguma acção, mas a sua mediatização tem sido como que recusada pelas televisões.
Abundam abordagens analíticas simplicistas e alinhadas com a manutenção do “status”, mesmo que directamente contra a paz.
Dá-se relevo ao que os “autorizados” a opinar digam, e desse lado, o que infelizmente se tem verificado é a repetição de refrãos.
Uma poderosa máquina de propaganda diabolizadora dos outros que não pertencem à equipa que sempre governou Moçambique persiste na divulgação de mensagens fossilizadas de um passado em que reinava a Guerra Fria.
Ontem, não hesitavam em catalogar o conflito armado como guerra de desestabilização, e hoje continuam dizendo o mesmo. Como se pode ver hoje, na ausência de regimes racistas na vizinhança, trata-se essencialmente de guerra civil com matizes de “guerra feita por terceiros”.
Estar certo ou correcto não depende do que um diga e outro contradiga.
Poderíamos falar da SADC e da União Africana como entidades próximas, que deveriam estar agindo proactivamente. Infelizmente, estas organizações têm-se mostrado “inclinadas” e ineficazes.
As consequências do que possa acontecer em Moçambique com o recrudescimento da guerra serão regionais e poderão transferir focos internacionais de tensão acompanhados de corrida ao rearmamento.
Terrorismo internacional ou radicalização de origem ou orientação religiosa estão bem próximos, e qualquer deterioração da situação em Moçambique pode ser fatal para a pacificação de Moçambique, pois a sua instabilidade pode convidar à entrada de elementos terroristas interessados em fugir dos apertos em regiões como Somália.
Aconteceu com a queda de Khadafi na Líbia, e não seria o primeiro caso em África. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 26.10.2016
No comments:
Post a Comment