Friday, May 20, 2016

Militarização da Formação Policial É Preocupante

Anti-corrupção l Boa governação l Transparência l Anti-corrupção l Boa governação Em Matalane e na ACIPOL Edição No 10/2016 - Maio - Distribuição Gratuita Crédito: pt.rfi.fr 2 ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA Militarização da Formação Policial É Preocupante Afecta o exercício de cidadania Em Matalane e na ACIPOL Por: Adriano Nuvunga, Borges Nhamirre, Jorge Matine, Tina Lorizzo1 2 “ Tina Lorizzo é fundadora de REFORMAR - Research for Mozambique. Doutoranda no Centro de Direito Comparado na África, na Universidade da Cidade do Cabo, Tina Lorizzo tem colaborado como advogada estagiária no Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica em Maputo e no âmbito da Iniciativa Artigo 5 para a prevenção e erradicação da tortura em Moçambique. As suas pesquisas abrangem matérias relacionadas ao sistema de justiça criminal como Direito Internacional Criminal; Direitos Humanos; Direito Penitenciário; Victimologia e Acesso à Justiça Formal e Informal e as suas relações com o Estado nos Países Africanos de Língua Portuguesa. Crédito: ambicanos.blogspot.com 3 ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA Com um efectivo de 20.000 membros – considerando ainda verídicos os dados de 2003 – a Polícia da República de Moçambique (PRM) tem aproximadamente 1 agente para cada 1.250 cidadãos. Um número pequeno para prevenir e combater a criminalidade de um país de mais de 25 milhões de pessoas. Mas se o baixo efectivo é uma grande fragilidade, a dimensão militarizada da acção policial é que é motivo de grande preocupação, na medida em que, em muitas ocasiões, limita o exercício de cidadania. ‘Reprimir’ tem sido a palavra mais pronunciada pelos porta-vozes da PRM a nível nacional. O CIP foi atrás das origens desta atitude na acção policial: a formação policial. O CIP trabalhou nas duas entidades que formam polícias em Mo- çambique, nomeadamente a Escola de Formação Básica de Matalane e a Academia de Ciências Policiais (ACIPOL). O CIP problematizou a formação policial a partir da análise dos standards internacionais que foram, nos anos, ratificados pelo país, passando pela legisla- ção doméstica em matéria policial até à observação de alguns elementos-chave da formação. E, de modo particular, a duração da formação, a parte curricular, o treino prático bem assim como as características dos formadores. A formação policial é um campo bastante inexplorado em todo o continente africano, marcado por falta de dados oficiais, publicamente disponíveis, e dificuldade de acesso directo às informa- ções. Mesmo assim, o trabalho realizado permite concluir que a formação militar domina a preparação da polícia. Na Escola de Matalane (e menos na ACIPOL) verifica-se uma formação gerida dentro de um panorama limitado e secreto. Sob a máscara do conceito de segurança do país, a formação policial é deixada longe dos reais desafios da sociedade, incluindo as novas e complexas exigências de oferta de serviços públicos de segurança. É esta a origem da acção policial virada para ‘reprimir’, mesmo naqueles casos em que o exercício da cidadnia esteja protegido pela lei. 2. Contexto Internacional Moçambique vem demonstrando, há já mais de duas décadas, um concreto compromisso internacional. Ratificou: o direito de todas as pessoas a não ser torturadas e não ser sujeitas a tratamentos desumanos e degradantes; o direito a ver os direitos civis e políticos respeitados; o direito a não ser vítima de discriminação racial e a ser respeitado como criança. Uma vez ratificados, os instrumentos têm a mesma força de um acto normativo infraconstitucional e o país responsabiliza-se por respeitar os princípios contidos nestes documentos e a implementá-los nas próprias jurisdi- ções domésticas. A seguinte tabela mostra de forma resumida a maior parte dos instrumentos vinculativos e as datas em que Moçambique os ratificou: 1. Introdução INSTRUMENTO INTERNACIONAL DATA DA RATIFICAÇÃO Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos com vista à abolição da pena de morte Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis Desumanos ou Degradantes de Tratamento ou Penas Protocolo Facultativo da Convenção contra a Tortura Convenção para a Protecção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados Convenção sobre os Direitos da Criança Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à participação de crianças em conflitos armados Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das Suas Famílias 21 de Julho de 1993 21 de Julho de 1993 Não ratificado 14 de Setembro de 1999 1 de Julho de 2014 24 de Dezembro de 20083 26 de Abril de 1994 19 Outubro de 2004 21 Abril de 1997 18 de Abril de 1983 06 de Março de 2003 30 de Janeiro 2012 19 de Agosto de 2013 Tabela 1 – Conformidade de Moçambique às Convenções Internacionais 2 Artigo 18 da Constituição da República de Moçambique (Direito internacional) 1. Os tratados e acordos internacionais, validamente aprovados e ratificados, vigoram na ordem jurídica moçambicana após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado de Moçambique. 2. As normas de direito internacional têm na ordem jurídica interna o mesmo valor que assumem os actos normativos infraconstitucionais emanados da Assembleia da República e do Governo, consoante a sua respectiva forma de recepção. 3 O país comprometeu-se a ratificar a Convenção através da assinatura do tratado, mas ainda não ratificou. 4 ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA A implementação passa também pela formação de todos os actores-chave. É um dever dos Estados-Membros destas convenções treinar regularmente o seu pessoal para a aplicação das disposições. Em matéria policial, os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Agentes da Autoridade e o Código de Conduta da ONU para os Agentes da Lei e da Organização e Cooperação dos Chefes de Polícia da África Austral (Southern African Regional Police Chiefs Co-operation Organisation, SARPCCO)4 , assim como as Directrizes sobre o Uso e Condições de Detenção, Custódia Policial e Prisão Preventiva em África (Directrizes de Luanda)5 , estas últimas criadas em 2014, devem ser regularmente objecto de estudo e aplicação por parte da PRM. No entanto, pesquisas mais aprofundadas deveriam ser conduzidas para aferir o grau de aplicação destes instrumentos e se fazem parte do programa curricular de formação da PRM6 . Eventos reportados pela imprensa e organizações internacionais e nacionais demonstram como a PRM tem sido autora de tratamentos desumanos e degradantes, execuções sumá- rias e assassinatos extrajudiciais7 . Uma pesquisa do Forum de Policiamento Africano e Fiscalização Civil (African Policing and Civilian Oversight Forum, APCOF) sobre a implementação do Código de Conduta da SARPCCO em Moçambique8 confirma o uso excessivo da força, também durante a captura, detenção e interrogatório de pessoas, as execuções extrajudiciais, as mortes de pessoas sob custódia, o deplorável tratamento de detidos e as próprias condições de detenção, a corrupção e uma difusa cultura de impunidade no seio da PRM como sendo problemas-chave. A mesma pesquisa identifica que escassas investigações são realizadas, assim como são raros os processos disciplinares ou criminais contra oficiais da PRM9 . Será que a PRM é regularmente formada sobre estas matérias de forma abrangente? Se isso acontece, será a falta de uma formação regular e ampla a causa destes eventos acima descritos? 3. Legislação Policial Doméstica A legislação em matéria de polícia foi promulgada a partir do final dos anos 80 com a Lei n. 5/79, que criou a Polícia Popular de Moçambique (PPM), e o respectivo Regulamento pelo Decreto-Lei n. 6/79. A tabela 2 elenca o progresso legislativo em matéria policial a partir da cria- ção da PPM até à nova Lei da PRM n. 16/2013, passando pelas duas Constituições de 1990 e 2004: Lei n. 5/79 Decreto-Lei n. 6/79 1990 Lei n. 19/1992 Decreto n. 22/93 Lei n. 17/97 Decreto n. 24/99 Decreto n. 27/99 Decreto n. 28/99 Decreto n. 29/99 Plano Estratégico 2003-2012 2004 Lei n. 16/2013 Decreto-Lei n. 93/2014 Decreto-Lei n. 84/2014 Polícia Popular de Moçambique (PPM) Regulamento da PPM I Constituição da República de Moçambique Polícia da República de Moçambique Estatuto Orgânico da PRM Política de Defesa e Segurança Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) Estatuto Orgânico da PRM Estatuto da PRM Estrutura tabela indiciária das remunerações da PRM PEPRM II Constituição da República de Moçambique Lei da PRM que revoga a Lei n. 19/92 Altera o Estatuto do Decreto-Lei n. 28/99 Regulamento Disciplinar da PRM Tabela 2 – Quadro Histórico da Legislação Policial 6 Entre os meses de Março e Abril de 2016, a UEM organizou capacitações sobre esta matéria. Veja-se em http://reforma-researchformozambique.blogspot.sn (20/04/2016). 7 Amnesty International. I can’t believe in justice any more: Obstacles to justice for unlawful killings by the police in Mozambique (AFR 41/004/2009). Amnesty International. (2008). Licence to Kill: Police accountability in Mozambique (AFR 41/001/2008). 8 Amanda Dissel and Sean Tait. (2011). Implementing the Southern African Regional Police Chiefs Cooperation Organisation (SARPCCO) Code of Conduct. APCOF. 9 Nota 4 supra Durante as últimas três décadas, o quadro legislativo policial vem respeitando o desenvolvimento jurídico-constitucional do país, dando origem a uma proliferação de leis. A passagem do período socialista para o Estado de Direito Democrático foi uma virada importante, com a cria- ção da PRM, que substituiu a PPM, através da Lei n. 19/1992, e o seu Estatuto, através dos Decretos-Leis n. 22/1993 e 28/1999. Até aos meados dos anos 90 o recrutamento na polícia era feito seguindo três princípios básicos (porte físico, disciplina militar e militância político-militar) com a promulgação da Política de Defesa e Segurança (Lei n. 17/1997). Depois houve a necessidade de mudar estes princípios, porque a imagem dada pelo Primeiro Presidente, Samora Machel, sobre a PPM não podia mais reflectir o novo status quo: 5 ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA Os membros da polícia [devem] ser seleccionados entre os melhores soldados, entre os jovens que tendo ingressado as fileiras das Forças Armadas de Moçambique [...] se revelem com qualidades de disciplina e aprumo, cortesia e civismo. Os membros da Polícia Popular de Moçambique – PPM, devem ter um comportamento exemplar a fim de poderem ter autoridade moral que lhes permitam agir pela persuasão [...]10. A necessidade de eliminar o dualismo entre polícias que vinham de uma educação ideológico-militar e dos novos recrutas era iminente; também se revelou uma prioridade que resultou de alguma pressão externa que encontrou um ambiente interno favorável e praticamente possível. O apoio chegou através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da ajuda de países como Suíça, Espanha, Portugal e Holanda, entre 1997 e 2007. Foi no âmbito deste panorama que, pelo Decreto-Lei n. 24/99, foi criada a ACIPOL, instituição de ensino superior em ciências policiais encarregada de formar oficiais de nível superior como forma de profissionalizar o trabalho policial e melhorar o desempenho da organiza- ção em enfrentar a criminalidade. O Estatuto da PRM, através do Decreto n. 28/99, de 24 de Maio, estabelecia os requisitos e pressupostos para se ingressar na carreira policial, baseando-se, essencialmente, no nível de escolaridade. Enquanto se tentava afastar a natureza da formação político-militar que caracteriza a primeira geração da PRM, a Constituição de 2004 foi promulgada11 e o primeiro Plano Estraté- gico da PRM 2003-2012 (PEPRM) foi elaborado. Não se podendo negar o imenso trabalho que o documento produziu, o mesmo tem sido criticado por ter respeitado mais uma agenda externa e também por não ter incluído questões importantes como a mobilização de recursos, a sustentabilidade, o HIV/ SIDA na organização policial, igualdade e mecanismos para abordar a corrupção e a má conduta12. Lalá sublinha o problema de fundo: Apesar da melhoria notória na legislação existente existe uma desconexão entre o processo formal de formulação da lei com a formula- ção de políticas e a implementação das mesmas. ...[A] legislação acima mencionada não foi o resultado de um processo abrangente [e] global de repensar o nível estratégico através de uma análise completa de revisão de segurança ou, pelo menos, a elaboração de documentos técnicos para estas áreas. Pelo contrário, era o resultado da necessidade de ter uma legislação que permitisse ao aparelho de funcionar num quadro democrático, através de requisitos legais mínimos.13 10 Exortação do presidente da Frelimo às Forças de Defesa e Segurança: Ofensiva Legalidade. In Revista Tempo 579, Maputo, 15 de Novembro de 1981. 11 Veja-se os Artigos 254 e 255. 12 SFrancisco Inácio Alar (2010). O Plano Estratégico da Polícia e sua Implementação. No ‘A Dinâmica do Pluralismo Jurídico em Moçambique. CESAB. 13 http://www.idn.gov.pt/publicacoes/nacaodefesa/textointegral/NeD114.pdf pg.45. É um dever dos EstadosMembros destas convenções treinar regularmente o seu pessoal para a aplicação das disposições Crédito: noticias.sapo.mz 6 ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA Depois do PEPRM 2003-2012 não ter alcançado todos os objectivos, alguns distantes da própria real implementa- ção, não foram ainda elaborados outros planos estratégicos que lhe dessem continuidade. Entretanto, uma noSva Lei, n. 16/2013, foi recentemente aprovada. Revogando a primeira Lei da PRM de 1992, o novo dispositivo vem sublinhar algumas profundas e contínuas divergências e uma nova falta de clareza sobre que PRM o legislador quer ver estabelecido ou funcionando. No âmbito da natureza da PRM, o Artigo 1 da nova lei introduz o termo serviço público que vem substituir aquele de organismo público e força paramilitar, trazendo, à primeira face, a escolha legislativa de querer aproximar a PRM à população, como um conjunto de actividades e serviços ligados à administração estatal através dos seus agentes e representantes. O Artigo afirma ‘1...a PRM é um serviço público, apartidário, de natureza paramilitar, integrado no Ministério que superintende a área da ordem e segurança pública’. Na mesma linha de pensamento do policiamento comunitário, introduzido no início dos anos 2000, o legislador afasta-se de conceitos como aparato, organismo e força, abandonando a definição orgânica ou formal da PRM, preferindo aproximar a PRM a uma ‘actividade social, ...visando ao bem-estar e ao progresso social, mediante o fornecimento de serviços aos particulare’14. Entretanto, logo depois, o legislador volta a usar o conjunto natureza paramilitar, deixando o leitor na confusão sobre a verdadeira PRM que o país quer: um serviço pú- blico, porém, de natureza paramilitar? Quer o termo paramilitar ser somente um eufemismo que esconde ainda a real e contínua militarização da PRM? É bem-vinda a eliminação da velha letra que afirmava que ‘a qualquer resistência ilegítima aos membros da PRM, no exercício das suas funções...[é permitido] o uso da força estritamente necessária, se outros meios de persuasão não forem suficientes’ (Artigo 8(2) da Lei 19/1992). O legislador actual prefere sublinhar que: ‘4. No uso dos meios ofensivos para a garantia da ordem, segurança e tranquilidade pública, a PRM observa os limites de necessidade, razoabilidade, proporcionalidade e adequabilidade’. Como estes limites são acolhedores, o legislador deveria tê-los detalhado. Infelizmente, nota-se que não há nenhuma referência ao trabalho de prevenção da criminalidade que deveria fazer parte do trabalho da PRM. O foco está ainda no combate e repressão da criminalidade. Enquanto o quadro legislativo existente em matéria policial levanta algumas questões críticas, o mesmo Artigo 2 afirma que: ‘1. A PRM, no seu funcionamento e actuação, observa os princí- pios do respeito pela Constituição, leis e demais normas vigentes na República de Moçambique.’ É uma Constituição que defende o direito à vida e a não ser torturado15 (Artigo 40); a ser capturado por uma ordem judicial e ser informado das razões da captura (Artigo 64) e o direito a recorrer à providência do habeas corpus em caso de prisão ou detenção ilegal (Artigo 66). Neste contexto, será preciso questionar até que ponto a PRM é treinada nestas matérias. São os novos cadetes formados a praticar acções necessárias, razoáveis, proporcionais e adequadas ao perigo que eles deverão combater? São eles formados sobre o quadro jurídico policial e os direitos humanos que protegem a população e são eles treinados a proteger estes direitos? A Escola Básica de Matalane e a ACIPOL são actualmente os únicos centros de formação do país. 16 A Escola de Matalane foi fundada em 197417, enquanto o Decreto 24/99, de 18 de Maio, criava a ACIPOL. Visando a modernização da Polícia, a ACIPOL foi oficialmente criada para a forma- ção de quadros, mas antes de 1999 a sede já funcionava para o treino básico. A Escola de Matalane, que funcionou com intermitências até à construção da ACIPOL, começou a ser reabilitada para melhorar a qualidade de vida e os padrões de formação básica da Polícia, entre os anos 2010 e 2013, no âmbito do ‘Projecto de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Ministério do Interior (MINT) da República de Mo- çambique’ da Comissão Europeia (CE) e Portugal18. A Escola de Matalane treina a classe básica da PRM, enquanto a formação de nível superior tem lugar na ACIPOL. A ACIPOL também oferece cursos para polícias que ocupam posi- ções de liderança nos vários níveis da organização. Além disso, a ACIPOL executa programas de formação especializados, tais como técnicas de investigação, polícia de trânsito, patrulha de fronteira e unidades de protecção de altas individualidades. 4. A Formação Policial em Matalane e na ACIPOL 5.1 Requisitos de entrada A nova lei n. 13/2013, no Artigo 37, elenca oito requisitos gerais para o ingresso na PRM: a) ser cidadão mo- çambicano de nacionalidade originá- ria; b) idade não inferior a 18 anos e não superior a 30 anos; c) voluntário; d) condição física e psíquica compatí- vel com a função; e) compleição física adequada; f) formação académica adequada; g) aprovado nos procedimentos de selecção para o curso de ingresso19 e h) aprovado no curso de ingresso. Há três diferentes escalas no âmbito da PRM: básica (Guarda), média (Sargento) e superior (Oficial). Entra-se na escala básica com os requisitos delineados no Artigo 21 (1). Uma vez concluídos com aproveitamento o curso básico policial e os dois anos de estágio, acede-se à carreira de Guarda, desempenhando funções operacionais e serviços internos (Artigo 50 do Decreto n. 93/2014). 14 Caio Tacito (2003). A Configuração Jurídica do Serviço Público. Revista de Direito Administrativo. Julho/Setembro. Rio de Janeiro 233: 374. 15 O novo Código Penal criminaliza a tortura como crime hediondo. Veja-se Artigo 160 (i) Código Penal. 16 Até 1992 funcionavam também os Centros de Formação de Dondo e Natikiri (Nampula). 17 http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/primeiro-plano/16088-escola-pratica-da-policia-em-matalane-de-mata-densa-a-pequena-cidadela (1/11/2015). 18 Veja-se http://www.grupolena.pt/comunicacao-noticias/pag6 (12/10/2015). 19 Provas escritas de Português, História e Matemática. 7 ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA Não existindo uma escola para a formação média, na carreira de Sargento entra-se através da aprovação no curso de promoção (oferecido em Matalane, não regularmente) e da satisfação dos requisitos de promoção. A carreira de Sargento destina-se ao exercício de funções de comando de natureza executiva com carácter técnico, administrativo, logístico e instrução (Artigo 49 do Decreto n. 93/2014). A carreira de Oficial exige formação superior em ciências policiais ou licenciatura e formação técnico-policial ou satisfação dos requisitos de ingresso do Estatuto (Artigo 48 do Decreto n. 93/2014). O Artigo 21 do novo Decreto-Lei elenca os requisitos especiais para o ingresso na escala superior da PRM como resumido na tabela 3: - Moçambicano de nacionalidade originária - Idade entre 18 e 30 anos - Voluntário - Condição física e psíquica compatível - Compleição física adequada - Formação académica adequada - Aprovado nos procedimentos de selecção para o curso de ingresso - Aprovado no curso de ingresso - 10° Classe ou equivalente; - Idade entre 19 e 30 anos - Serviço militar regularizado - Conclusão, com aprovação da Escola de Matalane - Conclusão com aproveitamento do período de dois anos de está- gio - Aprovação no curso de promoção - Satisfação dos requisitos de promoção - 12ª Classe ou equivalente - Idade entre 18 e 22 anos para os civis - Idade entre 18 e 26 anos para PRM e ex-militares - Licenciatura, complementada por formação técnico-policial adequada (até a 35 anos) - Conclusão, com aproveitamento, do curso da ACIPOL ou equivalentes REQUISITOS DE INGRESSO NA PRM GERAIS CLASSE BÁSICA CLASSE MEDIA CLASSE SUPERIOR Tabela 3 – Requisitos de Ingresso na PRM Sendo positivos os novos requisitos de ingresso, que sublinham a importância da preparação escolar, nota-se, porém, que na escala básica o(a) candidato(a) é admitido(a) com a 10ª classe, enquanto, por exemplo, na África do Sul, em geral, acede-se ao Serviço de Polícia Sul-Africana (South African Police Service, SAPS) com a 12ª classe20. A referência à possível entrada na ACIPOL de ex-militares (na classe de Oficiais) é um elemento que traz aquele dualismo que ainda caracteriza a PRM em Moçambique. Uma formação paramilitar, com enfoque no treino prático, terá um impacto diferente ao de uma aprendizagem curricular baseada em disciplinas abrangentes, entre elas as relacionadas aos direitos humanos e as de base sociocultural. 20 South African Act n. 68/1995. Crédito:noticias.mmo.co.mz 8 ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA 5.2 Orçamento A restruturação da Escola de Matalane, para melhorar a qualidade de vida e os padrões de formação básica da Polícia, abrangeu a reabilitação do edifício das camaratas masculinas e femininas e das salas de aula bem como a construção de enfermaria, incluindo a aquisição dos respectivos equipamentos e materiais.21 Como outros sectores no sistema de justiça criminal, a formação depende fortemente de doadores externos. E, como aconteceu no passado, em rela- ção ao PEPRM, muitas vezes, os progressos também aconteceram graças a orçamentos externos e/ou respeitando agendas externas, circunstâncias que nem sempre foram internamente e completamente aceites dentro da corporação policial. A tabela 4 mostra o orçamento anual do governo para despesas de funcionamento e investimento na Escola de Matalane e na ACIPOL. Também notamos que as despesas para o investimento foram previstas, nos últimos três anos, somente para a ACIPOL. É visível o magro montante destes valores, particularmente para o funcionamento da Escola de Matalane que gradua anualmente cerca de mil pessoas. Estes valores deixam-nos preocupados, pensando na qualidade da formação dada na escola. Será este valor suficiente para investir na formação dos Guardas que patrulham as nossas ruas? 2013 2014 2015 4.428,36 4.520,79 4.452,76 96.554,85 108.157,90 145.217,61 - - - 18.000,00 19.000,00 4.255,10 Ano Matalane ACIPOL Matalane ACIPOL Despesas para o funcionamento (milhões MT) Despesas para o investimento (milhões MT) Tabela 4 – Orçamento do Governo – Escola de Matalane e ACIPOL O Ministério do Interior é um parceiro privilegiado de Portugal. Entre 2011 e 2014, por exemplo, um orçamento indicativo de 62 milhões de Euros22 foi desembolsado. A cooperação portuguesa tem apoiado a criação da ACIPOL e a elaboração do PEPRM, desde o início de 2000. Até 2007, Portugal apoiou com a formação de quadros policiais nas diferentes especialidades e na formação de oficiais da Polícia na ACIPOL, depois com a formação de formadores e apoio a outras áreas como a criação das unidades de atendimento às mulheres vítimas de violência. 5.3 Dados estatísticos Se ainda considerarmos verídicos os dados de 2003, a PRM é constituída por 20.000 membros23, tendo aproximadamente 1 agente por cada 1.250 cidadãos24 contra um rácio médio internacional de 1 para 330/35025. Cientes de que estes dados não são recentes, é notória a informação de que o recrutamento de novos funcionários não tem sido regular, tendo também em consideração a perda constante de membros devido ao HIV/SIDA26 e outras doen- ças. Enquanto a Open Society Foundation27 afirma que o vírus da SIDA tem matado 1.000 agentes por ano, na maior parte das vezes estes dados não são publicados, também por questões de segurança, como aliás acontece em muitos países28. Entretanto, para fazer frente a este e outros desafios, Moçambique continua a recrutar novos polícias nos centros de formação das Forças Armadas (FADM)29. 21 http://www.oecd.org/derec/portugal/Projeto-de-apoio-ao-ministerio-do-interior-de-Mocambique.pdf pg 55. (1/10/2015). 22 Veja-se em http://www.oecd.org/derec/portugal/Projeto-de-apoio-ao-ministerio-do-interior-de-Mocambique.pdf (1/11/2015). 23 Este dado é de 2003. Veja-se Plano Estratégico da PRM (PEPRM), 2003-2012; Bruce Baker, ‘Policing and the rule of law in Mozambique’ (2003) 13 (2) Policing and Society 145. Liga dos Direitos Humanos, unpublished report, 2007. 24 Com uma população de 25 milhões de pessoas (Banco Mundial, 2013). 25 Veja-se em http://www.unodc.org/pdf/criminal_justice/State_of_crime_and_criminal_justice_worldwide_2010.pdf pg. 19. (12/11/2015). 26 UNDP, Support to the Police of the Republic of Mozambique. Outcome Evaluation Mission Report – October 2007. Pg 9. 27 Open Society Foundations (2006). “Moçambique. O Sector da Justiça e o Estado de Direito”. http://www.afrimap.org/english/images/report/Moz%20Discussion%20Paper%20(porto).pdf 28 Laurie Garrett. (2005). HIV and National Security: Where are the Links? A Council on Foreign Relations Report. 29 Veja-se http://www.panapress.com/Mozambique-to-recruit-police-personnel-from-armed-forces--13-580889-17-lang4-index.html (28/11/2015). 9 ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA 2009 2011 2013 2014 10032 10034 21535 15037 1602 31 190033 - 307836 ANO MATALANE ACIPOL Tabela 5 – Graduados – Escola de Matalane e ACIPOL Os dados do âmbito de formação policial não são, como já dito anteriormente, de fácil acesso ao público. Este artigo recolheu dados na imprensa que reflectem o número de pessoas que se graduaram em Matalane e na ACIPOL, entre 2009 e 2014. Cientes de que estes não são dados completamente fiá- veis, pensamos que são importantes para informar e ajudar a perceber o número de cadetes que são graduados anualmente por estas instituições. No futuro, as pesquisas deveriam aprofundar o número de pessoas que entram por ano em cada instituição e quantos se graduam anualmente, o número de mulheres e a percentagem em relação aos homens (considerando a sub-representação das mulheres na PRM que em 2003 era estimada em apenas 7%)30. De acordo com os dados lançados pela imprensa (Tabela 5), a Escola Prática de Matalane e a ACIPOL graduaram os seguintes números: O curso básico da Escola de Matalane dura nove (9) meses38 e está dividido em três fases: 1) inserção e ambienta- ção e treino virado para a disciplina paramilitar e cultura de espírito de corpo; 2) multi-disciplinar, direccionada para as áreas de ciência e tecnologia policial para instruir o formando sobre maté- rias específicas para a profissão de polícia e 3) disciplinas gerais, conduzidas para a competência de saber ser e saber estar como polícia no seu contacto com a sociedade. 39 A ACIPOL oferece um programa académico regular de quatro anos, Bacharelado e Licenciatura em Ciências Policiais. Há também cursos de treinamento de executivos de breve duração (entre 5 e 180 dias) para os polícias que detêm posições de liderança e programas de treinamento especializados. Um mestrado em Ciências Policiais é também oferecido desde 2012.40 A ACIPOL prepara os quadros no lapso de quatro (4) anos. Ora, considerando que os futuros Guardas formados em Matalane serão enviados a patrulhar as ruas e a ter um contacto directo com a população, será o curso de nove (9) meses em Matalane suficiente para que os cadetes obtenham o conhecimento necessário para servir e proteger a população? Em média graduaram-se anualmente mil pessoas (1.000) em Matalane e cem pessoas (100) na ACIPOL. O número permanece insuficiente em relação ao número de perdas dos membros da PRM (devido a doenças, abandonos, expulsão, reforma) tendo em conta o crescimento da população moçambicana que tocou os 25 milhões de pessoas (Banco Mundial 2013) e o desenvolvimento jurídico e económico do país e as suas exigências de segurança. 5.4 Formação Tanto em Matalane assim como na ACIPOL, a formação é dividida em duas partes: prática e curricular. A parte curricular consiste na aprendizagem teórica de disciplinas específicas, enquanto a parte prática consiste em actividades físicas, treino militar e uso de armas. 5.4.1 Duração 30 Nota 27 supra. 31 http://www.verdade.co.mz/nacional/7617-escola-de-matalane-gradua-1602-agentes-da-policia (27/11/2015). 32 http://aeu-uem.blogspot.com/2009/03/acipol-gradua-cerca-de-uma-centana-de.html (27/11/2015). 33 http://www.jornaldigital.com/noticias.php?noticia=28659 (27/11/2015). 34 http://videos.sapo.pt/gwcIeWjrntlauS4wpN7N (27/11/2015). 35 http://opais.sapo.mz/index.php/sociedade/45-sociedade/24755-acipol-gradua-215-agentes.html (27/11/2015). 36 PP, da polícia de protecção de recursos naturais e meio ambiente e de agentes de Serviço Nacional de Migração SENAMI http://noticias.sapo.mz/aim/artigo/10465417122014221526.html (27/11/2015). 37 http://opais.sapo.mz/index.php/sociedade/45-sociedade/24755-acipol-gradua-215-agentes.html 38 Segundo a nossa investigação há informações de que esta duração pode ser ainda mais curta, às vezes até de 3 (três) meses. 39 (http://www.verdade.co.mz/index.php/opiniao/arquivo/7617-escola-de-matalane-gradua-1602-agentes-da-policia) e http://noticias.mmo.co.mz/2014/07/graduados-novos-membros-da-prm-naescola-pratica-de-matalane.html#ixzz3jiIoXXuf (27/11/2015). 40 Fernando Francisco Tsucana. Evolução da Polícia da República de Moçambique nos Períodos Pós- Independência Nacional – Sinopse Histórica: do CPM à PRM. 10 ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA O plano curricular de Matalane prevê o leccionamento das seguintes cadeiras: 1) Direitos Humanos; 2) Defesa Pessoal; 3) Preparação Física; 4) Ordem Unida; 5) Táctica das Forças de Segurança (TFS); 6) Organização Policial; 7) Ética e Deontologia Profissional; 8) Polícia Administrativa Aplicada; 9) Investigação Criminal; 10) Direito Constitucional; 11) Direito Penal e Processual Penal; 12) Direito Civil e Administrativo; 12) Técnica de Expressão; 13) Psicologia; 14) Topografia e 15) Violência Doméstica e HIV/SIDA41. Durante os meses lectivos, as disciplinas relacionadas aos Direitos Humanos têm 30 horas; Defesa Pessoal tem 126 horas; Ordem Unida tem 200 horas e as TFS têm 60 horas42. Podemos considerar esta formação como sendo bastante orientada para a vertente militar, já que 286 horas das 316 horas totais são dedicadas ao treino paramilitar. Tsucana afirma43 que a carga horária do curso de Bachelarado e Licenciatura da ACIPOL é de 5.040 horas divididas em 8 semestres: 1.260 horas anuais e 630 horas por semestre. Destas, 50% são reservadas às Ciências e Tecnologia Policiais; 25% às Ciências Jurídicas; 20% às Ciências Sociais e Humanidades, enquanto as restantes (0,5%) às Ciências Exactas e de Gestão. As últimas 5% são para o Estágio Curricular e Práticas Pré-Profissionais no fim do curso44. Entre as matérias, há cursos de: 1) Antropologia; 2) Filosofia; 3) Psicologia; 4) Sociologia; 5) Criminologia; 6) Ciências Políticas; 7) Estatística; 8) Topografia; 9) Comunicações; 10) Economia; 11) Noções Fundamentais de Direito; 12) Relações Internacionais; 13) Direito Constitucional; 14) Direito Criminal e Processo Penal; 15) Administração Pública; 16) Inglês/Francês; 17) Direito Civil; 18) Direito Fiscal; 19) Direito Administrativo; 20) Informática; 21) Ordem Unida; 22) Defesa Pessoal; 23) Armas e Explosivos; 24) Técnica de Expressão e 25) Direitos Humanos. Diferentemente de Matalane, a formação da ACIPOL tem um foco mais académico, não esquecendo, aliás, que a ACIPOL é um instituto de ensino superior. Uma pesquisa aprofundada deveria ser conduzida para analisar a metodologia e o material usado no ensino destas disciplinas, seja em Matalane seja na ACIPOL. No âmbito de Direitos Humanos, dever-se-ia entender se matérias como o uso da força, a prevenção da tortura e outros tratamentos desumanos, a revista de pessoas e lugares, a captura de pessoas e a gestão da custódia policial, assim como lidar com as vítimas de crimes (crianças, mulheres, pessoas com perturbações mentais e outras pessoas vulneráveis) são tratadas, assim como a corrupção e o Código de Conduta da SARPCCO. E de modo particular, o Manual do Formador em Direitos Humanos para a Polícia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, publicado em 2002, aconselha que grupos de trabalho, palestras-debates, estudos de casos, painéis de discussão, mesas-redondas, chuva de ideias (brainstorming), simulação e representação (role-playing), trabalho de campo, prática (incluindo a elaboração de códigos de conduta, relatórios etc.) e uso de recursos visuais durante a formação. 45 5.4.2 Parte Curricular A disciplina de Ordem Unida, que em Matalane abrange 200 horas nos nove (9) meses, é aprendizagem de marcha, postura, regras de cortesia na cultura policial e, em especial, exige-se a coordenação de movimentos físicos repetitivos e principalmente a disciplina militar e o respeito pela cadeia de comando. 46 Em relação ao início da formação policial na ACIPOL, Borges47 afirma: [Inicia-se] com o rito de passagem designado “rethemo” o qual é realizado com todos os ingressantes… A obediência é imposta sob a voz de comando de um instrutor... Em duas filas e ao tom do apito seguem em corrida entoando canções de instrução militar para dar encorajamento à actividade física que irá ser posta em prática. No entanto, esses jovens ingressam apenas com a ideia de que irão participar de um curso universitário como qualquer outro sem carácter militar. Esta etapa se encerra...junto a um local onde lhes é fornecido o fardamento militar. Posteriormente, são conduzidos às casernas onde lhes será atribuído um número de identificação no uniforme, local de dormir, espaços a percorrer, a forma da caminhada para que eles assumam a dimensão de grupo em suas opiniões e ignorem as individuais. Enquanto o início da formação na ACIPOL é descrito como bastante militarizado, assim como os primeiros anos, somente a partir do segundo ano começa a ser dada maior atenção às disciplinas teóricas. É de salientar que nestas disciplinas teóricas, no entanto, há um mero conhecimento das normas; em Direitos Humanos, por exemplo, a disciplina não é suficiente para habilitar os formandos a traduzir as regras em apropriados comportamentos profissionais. A aquisição de competências deve ser vista como um 41 Idem. 42 http://noticias.mmo.co.mz/2014/07/graduados-novos-membros-da-prm-na-escola-pratica-de-matalane.html#ixzz3jiJGpEl8 (25/10/2015). 43 Nota 40 supra. 44 Idem, pg.11. 45 Manual do Formador em Direitos Humanos para a Polícia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, pg. 10. 46 Note 3 supra. 47 Egor Vasco Borges (2012). A Formação Profissional de Policiais e o Enfrentamento a Delinquência nos Marcos da Edificação do Estado Moçambicano (1975-1990), pg. 114. 5.4.3 Treino prático 11 ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA processo, uma vez que são habilidades que precisam de prática e aplicação48. Uma pesquisa mais exaustiva deveria analisar o quanto o treino prático, o uso de uniformes e as práticas tipicamente militares influenciam a formação, em geral, e a aprendizagem académica simultaneamente oferecida no instituto. O uso da AKM 47 Nas duas escolas, no âmbito da disciplina Armas e Explosivos, é inegável pensar que os cadetes não sejam também treinados a usar a AKM 47, arma oficial da PRM, assim como outras armas e explosivos. Uma questão preliminar seria sobre o que uma PRM com a AKM 47 pode representar para uma polícia de serviço público. Esta arma, de origem russa, hoje fabricada também por outros países, é a arma mais usada no mundo, por parte de forças militares, grupos terroristas e pela polí- cia em Moçambique e Myanmar49. Foi usada pela polícia russa no combate ao aumento da criminalidade durante os anos 90, uma polícia paramilitar de agentes mal treinados que patrulhavam as ruas nervosos e que viam a popula- ção mais como ameaça ao invés de alvo a proteger50. Não teria chegado o tempo de reflectir sobre a real necessidade da PRM na rua ter uma arma como a AKM 47, uma PRM que queremos como serviço público? Existem ainda as exigências para os Guardas que patrulham as ruas caminharem com uma AKM 47? sA formação policial deve ser fornecida por instrutores preparados, conhecedores da cultura que envolve o pessoal de aplicação da lei e que saibam transmitir saberes e práticas, ensinar a discernir entre as acções necessárias, proporcionais e adequadas e acções incertas, desproporcionais e inadequadas. Os treinadores devem buscam criar uma atmosfera colegial que facilita o intercâmbio de conhecimentos, experiências e práticas, reconhecendo o conhecimento profissional e incentivando o orgulho profissional51. É um tipo de relação que não está a acontecer. A este propósito, Borges declara que na ACIPOL, as relações entre os cadetes e o instrutor são maioritariamente autoritárias e coercitivas colocando o formando numa posição subalterna e sem reclamações, ou seja, o culto à obediência é ensinado desde o primeiro dia para inculcar no futuro policial a ideia de que a ordem deve ser executada sem contestações e só depois de realizada a tarefa é que se reclama52. Esta abordagem afecta as relações entre os cadetes e os formadores, também considerando o peculiar complexo de inferioridade dos mesmos formadores que, não tendo, na maior parte das vezes, uma formação superior, sabem que estão formando os seus próprios e futuros chefes53. Isto deveria ser gradualmente eliminado, formando constantemente os formadores e reconhecendo esta categoria como importante e independente de uma cultura militar. A academia deveria ser incólume nestas características. Não excluindo a importância de os formadores serem polícias, é importante salientar como, muitas vezes, os formadores-polícias não são especialistas em Direitos Humanos e, por isso, precisa-se de formadores com especialidade nestas matérias. A este propósito, numa entrevista publicada no Jornal Notícias, em 2014, o então Director da Escola de Matalane, o Comandante Feliciano Chongo, deixa algumas preocupações. Ele afirma: Só o polícia é que pode formar outro polícia, daí que há esta necessidade de termos um corpo docente próprio. É uma questão lógica. E temos vários quadros a serem formados fora do país que ao regressar prioritariamente estarão afectos nas escolas da Polícia para poderem transmitir a experiência que têm de outros países54. Esta posição é contrária ao desenvolvimento de uma corporação aberta. Com efeito, o PNUD afirma que durante o projecto, em 2007, tinham sido recrutados cerca de 30 formadores civis para ensinar disciplinas socioculturais e ligadas aos Direitos Humanos55. Pensamos que o governo deveria aprofundar mais sobre a qualidade e quantidade dos formadores civis nas duas instituições de formação56. 5.4.4 Os Formadores Os elementos-chave da Escola de Matalane e da ACIPOL, tais como requisitos de entrada, o magro orçamento, a curta duração da formação com a sua parte curricular e treino prático, demonstram que a formação militar domina a preparacão da polícia. Na Escola de Matalane, mais que na ACIPOL, a análise destes factores, ainda que muito descritiva, revela uma formação gerida dentro de um panorama limitado e secreto. Sob a máscara do conceito de segurança do país, a formação policial é deixada longe dos reais desafios da sociedade, incluindo as novas e complexas exigências de oferta de serviços públicos de segurança. Esta é a origem da acção policial 48 Nota 48 supra, pg.14. 49 http://worldmilitaryintel.blogspot.co.za/2013/05/blog-post_2803.html (12/10/2015). 50 https://inmoscowsshadows.wordpress.com/2008/10/23/new-guns-for-russias-cops-so-what/ (12/10/2015). 51 Nota 48 supra, pg.14. 52 Nota 50 supra, pg.114 53 Nota 50 supra, pg. 116. 54 http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/primeiro-plano/16088-escola-pratica-da-policia-em-matalane-de-mata-densa-a-pequena-cidadela (12/10/2015). 55 Nota 40 supra, pg 37. 56 O Prof. Alexandre Timbana ensina Linguística Forense na ACIPOL. Veja-se http://www.linguisticaforense.ufsc.br/tiki-index.php?page=Prof.+Dr.+Alexandre+António+Timbane (1/11/2015). 6. Conclusão 12 ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA virada para ‘reprimir’, mesmo naqueles casos em que o exercício da cidadnia esteja protegido pela lei. Entretanto, enquanto estes factos deveriam ser aprofundados através de uma pesquisa aplicada, poderíamos concordar que o novo legislador (Lei n. 16/2013) concorde com a desmilitarização da PRM, dando-lhe a conotação de serviço público. Se este elemento for realmente aceite, um novo plano estratégico do sector deve repensar na formação policial como elemento importante para materializar o princípio do legislador. O desafio estaria em compreender como este novo elemento, de serviço público, poderia traduzir-se na prática durante a formação policial. Também fica por compreender como a formação policial respeitaria os novos objectivos, de prestador de serviço público. Como, nas formações de reciclagem de antigos membros da PRM, o novo programa seria introduzido? Fora a necessidade de formar sempre mais pessoas, os crimes informáticos, os raptos, o tráfico de seres humanos e o tráfico de droga precisam de uma polícia melhor preparada e regularmente treinada para enfrentar estes novos crimes e as novas necessidades da sociedade em contínua evolução. Os curricula deveriam responder a estas novas exigências, preparando Guardas que patrulhem as ruas do país para prevenir a criminalidade, proteger a população e combater o crime de maneira eficaz e eficiente, preparando quadros que, conhecedores das dinâmicas internacionais e de Moçambique, estejam prontos a criar adequados planos de acção e estratégias. Editorial Information Director: Adriano Nuvunga Technical team of CIP: Anastácio Bibiane, Baltazar Fael, Borges Nhamire, Celeste Filipe, Edson Cortez, Egídio Rego, Fátima Mimbire, Jorge Matine, Stélio Bila. Program Assistent: Nélia Nhacume Ownership: Centro de Integridade Pública Design and Layout: suaimagem Partners ANTI-CORRUPÇÃO l BOA GOVERNAÇÃO l TRANSPARÊNCIA Contact: Center for Public Integrity (Centro de Integridade Pública, CIP) Bairro da Coop, Rua B, Número 79 Maputo - Moçambique Tel.: +258 21 41 66 25 Cell: +258 82 301 6391 Fax: +258 21 41 66 16 E-mail: cip@cip.org.mz Website: www.cip.org.mz Crédito:www.informarmoz

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