Países como EUA e Alemanha mantém uma distância segura em relação ao golpe de Estado, em curso no Brasil
Por Redação, com agências internacionais e correspondentes – de Brasília, Berlim, Lisboa, Paris, Pequim e Washington
Nem os EUA, nem a Alemanha, entre os maiores parceiros comerciais do Brasil no mundo, reconheceram, publicamente, o governo do presidente de facto, Michel Temer. Ainda que não se tenham declarado contrários ao movimento golpista, em marcha, as representações diplomáticas destas duas nações evitam o endosso da nova gestão.
Em nota, encaminhada com exclusividade à reportagem do Correio do Brasil, a embaixada dos EUA no país declara que mantém regulares os assuntos diplomáticos, mas evita a declaração de reconhecimento explícito ao governo imposto.
“Continuamos nosso engajamento com o governo brasileiro como parte da rotina do nosso trabalho diplomático. Os EUA estão empenhados em manter a forte relação que já existe entre nossos dois países. Os EUA cooperam com o Brasil para tratar dos desafios globais mais prementes do século XXI e continuamos a trabalhar com o país em assuntos de interesse mútuo”, afirma a nota da embaixada norte-americana.
O posicionamento oficial dos EUA diverge das declarações do representante interino do país na Organização dos Estados Americanos (OEA), Michael Fitzpatrick, que rejeitou, na quinta-feira, a constatação de que há um golpe em marcha no Brasil. Segundo Fitzpatrick, “não acreditamos que seja um golpe de Estado brando ou de outro tipo. O que ocorreu no Brasil foi feito seguindo um processo legal constitucional e respeitando completamente a democracia”.
Ainda na quinta-feira, o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, confirmou que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, telefonará ao presidente de facto, Michel Temer, para “reconhecer” o novo governo.
— Não sou um especialista na Constituição brasileira, mas nossa expectativa é que as instituições do governo brasileiro, que foram construídas nas últimas décadas, são suficientemente maduras e duráveis para resistir à turbulência política que o Brasil enfrenta agora — disse Earnest.
O porta-voz afirmou, no entanto, que “os EUA estarão ao lado do Brasil, mesmo neste momento desafiador”. Nem Obama ou seu vice, Joe Biden, devem se pronunciar sobre a situação do Brasil até o final do processo de impeachment de Dilma.
Nem sim, nem não
Ainda mais cautelosos, os alemães se mantiveram equidistantes na disputa entre o bloco conservador, que orquestrou e assegura a presença de Temer no Palácio do Planalto, e a esquerda, que tenta levar de volta a presidenta Dilma Rousseff ao cargo do qual foi afastada.
— O governo da presidenta Angela Merkel não reconheceu, oficialmente, o governo do presidente Michel Temer, embora também não tenha se posicionado contrário aos novos mandatários, no país — afirmou a assessora política da embaixada alemã, Maria Könnig, com exclusividade ao Correio do Brasil.
Em Berlim, na quinta-feira, ao ser questionado durante entrevista quanto à existência de um golpe de Estado no Brasil, Martin Schäfer, porta-voz do Ministério do Exterior da Alemanha, preferiu afirmar que a diplomacia germânica não se deixa levar por “jogos de palavra e formulações simples desse tipo”.
A União Europeia segue a tendência alemã e evita se pronunciar sobre o impeachment. Para o Grupo da Esquerda Unitária do Parlamento Europeu, no entanto, o processo de afastamento da presidenta Dilma é “um passo para um golpe de Estado”:
“A aprovação pelo Senado brasileiro do procedimento para afastar Dilma Rousseff, presidente eleita do Brasil, é um passo decisivo imposto pela direita e pela oligarquia brasileira para um golpe de Estado, com a interferência dos Estados Unidos”.
Segundo os parlamentares europeus, ainda é preciso lembrar que “os argumentos usados não resultam de qualquer processo penal e que o processo é liderado por membros com um histórico conhecido de irregularidades e atividades ilegais, que estão sendo investigadas judicialmente”.
Compasso de espera
O governo da China, maior parceiro econômico do Brasil, também expressou o desejo de que o Brasil garanta a “estabilidade política”, sem dizer se reconhece, ou não, o governo golpista:
— Esperamos que todas as partes consigam gerir a atual situação e mantenham a estabilidade política e o desenvolvimento econômico e social — afirmou na noite passada Lu Kang, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Lu Kang disse que a China “acompanha os desenvolvimentos da crise política no Brasil”.
O governo de Cuba, porém, foi mais direto. Para a diplomacia cubana, o afastamento de Dilma constitui um “um artifício armado por setores da oligarquia desse país, apoiada pela grande imprensa reacionária e pelo imperialismo, com o propósito de reverter o projeto político do Partidos dos Trabalhadores (PT), derrubar o governo legítimo e usurpar o poder que não ganhou com o voto. Em nota, o governo cubano denunciou o que considera ser um “golpe de Estado parlamentar e judicial, disfarçado de legalidade”, que foi preparado “há alguns meses” contra a presidente “legitimamente eleita”.
O secretário-geral da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), Ernesto Samper, afirmou nesta quinta-feira (12) que vê com grande preocupação a existência de fatores políticos na América Latina que “estão comprometendo a governabilidade democrática da região de uma maneira perigosa”. O colombiano pediu que se garanta o direito de defesa a Dilma e ressaltou que no processo contra a presidenta não há motivos que comprometam “sua responsabilidade pessoal em qualquer crime”.
No Reino Unido, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores afirmou que “esse é um tema interno para os cidadãos do Brasil e seus representantes eleitos”.
No Reino Unido, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores afirmou que “esse é um tema interno para os cidadãos do Brasil e seus representantes eleitos”.
Golpe inequívoco
Seja qual for o rumo que o novo chanceler brasileiro, José Serra, dê à política exterior a partir de agora, a “intensidade e a qualidade” das relações diplomáticas com os países europeus deve baixar até as próximas eleições. A avaliação é de Jean-Jacques Kourliandsky, especialista em América Latina do think tank francês Institut de Relations Internationales et Stratégiques (IRIS).
— Há uma grande perplexidade em todos os países europeus e também preocupação — afirma Kourliandsky. Para ele, “há a impressão de ter surgido um vazio” em um tradicional parceiro diplomático da Europa e que “é possível que haja um buraco de um ou dois anos na relação entre Europa e Brasil”.
Esta queda nas relações não deve se concretizar formalmente, mas se refletir no campo simbólico.
— A qualidade do parceiro brasileiro baixou, na medida em que há dois presidentes, um deles alçado ao poder sem eleição, com uma legitimidade não tão forte — afirma o cientista político, que é consultor para instâncias decisivas da administração pública francesa.
Negócios, setor privado e cooperações culturais ou universitárias não devem ser afetados, “mas não consigo imaginar Temer sendo convidado ou recebendo visitas de países europeus, considerando as circunstâncias pelas quais chegou ao poder”, afirma Kourliandsky.
Para os portugueses, porém, não resta qualquer dúvida quanto à ação golpista desencadeada em um processo duvidoso, no Parlamento brasileiro. Três parlamentares portugueses participaram, na noite passada, de um ato em defesa da democracia brasileira promovido pelo ator Gregório Duvivier no Teatro Tivoli, na região central de Lisboa. Joana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda (BE), Isabel Moreira, deputada do Partido Socialista (PS) e Miguel Tiago, deputado do Partido Comunista Português (PCP), foram os primeiros a discursar no ato e condenaram o processo de destituição da presidenta Dilma Rousseff.
O ato contou com a presença de cerca de 300 pessoas e aconteceu pouco antes de um show do ator brasileiros na mesma casa. Gregório optou por abrir o espaço para a realização de um ato em defesa do Brasil e convidou diversas personalidades portuguesas. Duvivier disse que gostaria de fazer um ato pelo “fica, Dilma”, mas em razão do afastamento já ter sido consumado, sugeriu uma campanha por diretas já. “O que aconteceu no Brasil foi um golpe dos derrotados nas últimas eleições”, disse o ator, ao abrir o evento.
O ator lembrou uma frase que ouviu em Portugal e que resume o atual quadro da crise política no Brasil: “Quando os políticos nos fazem rir nos restam os humoristas para nos fazerem pensar”.
Na sequência, Duvivier convidou várias personalidades a usar o microfone. Foram vários discursos condenando o golpe da direita no Brasil e criticando o governo interino de Michel Temer. Além dos três deputados, ainda fizeram discursos favoráveis ao Brasil a apresentadora portuguesa Rita Ferro Rodrigues, o poeta Sérgio Godinho, a jornalista Anabela Mota Ribeiro, o antropólogo Miguel Vale de Almeida e o escritor angolano José Eduado Agualusa.
A presidenta da Fundação José Saramago, Pilar del Río, foi convidada a participar, mas não pode comparecer. No entanto, ela enviou um vídeo onde diz que “é direito” de todos opinar sobre o que está acontecendo em “um país que nos é próximo”.
“É nossa obrigação como cidadãos opinar sobre o que está acontecendo no Brasil e dizer que é necessário restituir a democracia. É preciso restituir um governo da cultura e que contemple cidadãos e cidadãs”, afirmou a jornalista na mensagem.
O ato terminou com todos os participantes ocupando a frente do palco para um foto com a faixa “golpe nunca mais”. O evento encerrou uma semana de intensas atividades relacionadas ao Brasil em Lisboa. A presença de um grupo de deputados e senadores, que estiveram na capital portuguesa desde o início da semana, incentivou a realização de debates e atos contra o impeachment e contra o governo Temer. Uma organização de brasileiros nascida após os primeiros protestos, chamada Coletivo Andorinha, tem organizado uma série de atividades para discutir a política brasileira em Portugal.
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