Primeiro-ministro iraquiano ordenou a detenção dos apoiantes de Sadr que no sábado invadiram o Parlamento.
Milhares de manifestantes continuavam neste domingo acampados na Zona Verde, o perímetro de alta segurança no centro de Bagdad que até agora lhes era vedado. O primeiro-ministro iraquiano visitou entretanto o edifício do Parlamento e deu ordens para que sejam presos os manifestantes que na véspera ocuparam e vandalizaram parte do edifício.
A ocupação de sábado é uma consequência de uma nova e grave crise política que, uma vez mais, está a paralisar o país, desviando atenções daquelas que deveriam ser as suas prioridades: o combate à corrupção, o investimento nos deficientes serviços básicos e o combate contra ao Estado Islâmico - os jihadistas controlam parte do Norte e Noroeste do país, lançando ataques frequentes noutras zonas, como o duplo atentado suicida que neste domingo matou 33 pessoas na cidade de Samawa, no Sul.
Foi esse o programa que Haidar al-Abadi prometeu cumprir depois das manifestações do Verão passado, encabeçadas pelos seguidores do líder radical xiita Moqtada al-Sadr à cabeça. Mas com a Assembleia Nacional paralisada pelo sectarismo, as reformas tardam e no sábado, depois de uma nova tentativa fracassada para aprovar os nomes de novos ministros indicados por Abadi, centenas de pessoas furaram a apertada segurança da Zona Verde e apoderaram-se do edifício do Parlamento.
Na televisão, Sadr acabava de dar um ultimato à classe política iraquiana, exigindo a entrada em funções de um governo apartidário capaz de lutar contra a corrupção e avançar com as prometidas reformas. Se tal não acontecer em breve, avisou, “todo o Governo cairá e ninguém será poupado”.
O protesto foi maioritariamente pacífico, mas um deputado afirma ter sido agredido e dentro do Parlamento houve cadeiras estragadas, fios arrancados e quadros derrubados das paredes. As forças de segurança acabaram por intervir ao final do dia e os manifestantes deixaram o Parlamento sem incidentes, mas muitos passaram a noite acampados no exterior e, neste domingo milhares continuavam a passear-se pela Zona Verde – dez quilómetros quadrados onde se concentram os principais edifícios públicos e a maioria das embaixadas.
“Esta é a primeira vez que aqui venho desde que uma visita de escola durante o tempo de Saddam [Hussein]", contou à AFP Youssef al-Assadi, de 32 anos, enquanto tirava uma selfie em frente a um edifício militar. “Este é um dos sítios mais bonitos de Bagdad. Deveria estar aberto a toda a gente. Aqui há ar condicionado e electricidade por todo o lado enquanto lá fora a população sofre com cortes a toda a hora”, acrescentou.
A invasão foi um novo desafio à já debilitada autoridade de Abadi, que chegou ao poder em Setembro de 2014 com a missão de suplantar o sectarismo que marcou os mandatos do seu antecessor, Nouri al-Maliki, prometendo governar para xiitas, sunitas e curdos. Mas o impasse no Parlamento e o desafio aberto de Sadr deixam-lhe pouco espaço de manobra. Neste domingo, depois de ter ido ao Parlamento avaliar os estragos causados pelos manifestantes, deu ordem à polícia para “levar perante a justiça as pessoas que atacaram as forças de segurança, os cidadãos e membros do Parlamento e vandalizaram a propriedade do Estado”. Ordenou também o reforço do perímetro de segurança da Zona Verde, mas até a meio da tarde ninguém tinha sido detido e os manifestantes continuavam a passear-se pelo local.
Milhares forçam entrada na Zona Verde de Bagdad e ocupam Parlamento
Exército declara estado de emergência e corta acessos à capital no mais grave episódio de uma longa crise política. Manifestantes são apoiantes do líder xiita Moqtada al-Sadr.
No início da semana, milhares de iraquianos tinham marchado até à entrada da Zona Verde, a vasta área fortificada no centro de Bagdad onde fica o Parlamento, o Palácio Presidencial e a maioria das embaixadas, em protesto pela demora dos deputados em aprovar reformas políticas e um novo governo de tecnocratas. Este sábado, os manifestantes conseguiram derrubar alguns dos blocos de cimento que rodeiam a zona e abriram caminho até ao hemiciclo do Parlamento, ocupando-o, ao mesmo tempo que impediam vários deputados de abandonar a zona.
Imagens de televisão mostram os militares que habitualmente identificam e revistam várias vezes todos os que entram na Zona Verde parados a olhar, enquanto alguns manifestantes se encarregam das buscas. “Os cobardes fogem”, gritaram alguns, em referência aos deputados.
Não houve registo de confrontos nas primeiras horas da ocupação, mas alguns manifestantes pilharam o Parlamento e atacaram carros de deputados que tentavam sair dali, batendo em alguns políticos com bandeiras, ao mesmo tempo que outros manifestantes apelavam à calma. A maioria cantou, dançou, fez vídeos e fotografias.
Ao início da noite, as forças de segurança começaram a disparar gás lacrimogéneo e balas para o ar para impedir mais manifestantes de entrarem na zona. Ao mesmo tempo, forças especiais e membros da guarda presidencial tentavam impedir os seguidores do líder radical xita Moqtada al-Sadr de atravessarem uma ponte junto ao complexo da embaixada norte-americana. Seis horas depois do início da ocupação, alguns manifestantes começaram a abandonar o Parlamento, respondendo assim aos apelos de membros da milícia de Sadr.
Uma unidade das forças especiais com viaturas blindadas tinha sido mobilizada para proteger alguns dos locais na Zona Verde e as forças de segurança anunciaram o encerramento de todos os acessos a Bagdad “como medida de precaução”. O estado de emergência foi declarado em toda a cidade, diz a BBC, e as embaixadas e os edifícios das agências da ONU foram encerrados com os funcionários no seu interior.
Revolução popular
Sadr tinha acabado de dar uma conferência de imprensa na cidade-santuário de Najaf quando os manifestantes avançaram para a Zona Verde. Um dos rostos do combate à ocupação norte-americana, à frente da sua milícia, o Exército de Mahdi, entretanto convertido em líder político depois de um exílio no Irão, Sadr não ordenou aos seus seguidores que ocupassem o Parlamento. Mas fez uma espécie de ultimato aos políticos, afirmando estar “à espera da grande revolução popular para travar a marcha dos corruptos”.
“As pessoas vieram ao sítio certo, para se governarem a si próprias”, disse à Reuters um manifestante, Ali Mohammed. Esta é uma nova era na história do Iraque”, gritou outro manifestante diante das câmaras de televisão. “Há 13 anos que eles nos roubam.”
Há várias semanas que Sadr, cuja milícia tem sido essencial no combate aos jihadistas que em 2014 partiram da Síria para conquistar vastas áreas do Norte e Noroeste do Iraque, incluindo a segunda maior cidade do país, Mossul, ordenou aos seguidores que começassem os protestos em Bagdad.
A ideia era pressionar o primeiro-ministro, Haidar al-Abadi, e os partidos a avançarem com as prometidas reformas – esta crise é uma continuação da que começou com as manifestações do Verão passado, quando milhares saíram à rua em protesto contra a falta de serviços básicos e a corrupção no Governo. Foi aí que o também xiita Abadi começou por anunciar um programa de reformas que Parlamento bloqueou e Sadr lhe cobra agora.
Quotas e sectarimo
Sob pressão do líder radical xiita, Abadi tenta que o Parlamento aprove um novo governo e ponha fim ao sistema de quotas inaugurado pelos Estados Unidos que prevê a distribuição de poder pelos diferentes grupos étnicos e religiosos. Pensado para manter a estabilidade, este sistema impede que se ponham em prática reformas cruciais para combater a corrupção e promove o sectarismo. Claro que alguns partidos se opõem à mudança, temendo ser afastados do poder e perder as vantagens garantidas pelo controlo de ministérios.
Na terça-feira, Abadi conseguiu que os deputados aprovassem alguns dos nomes dos novos ministros numa sessão agitada em que houve parlamentares a atingi-lo com garrafas de água. Na sessão de sábado deveria ter sido votado o resto dos membros do governo mas não chegou a haver quórum para a votação. Depois da ocupação do Parlamento, a televisão mostrou imagens de Abadi dentro da Zona Verde rodeado por dezenas de guardas armados (corriam rumores de que tinha fugido).
Abadi chegou ao poder em Setembro de 2014, apoiado precisamente por Sadr, quando os avanços do autodenominado Estado Islâmico e as críticas à marginalização da população árabe sunita forçaram Nouri al-Maliki a abandonar a chefia do Governo. Os extremistas lançaram este sábado uma ofensiva em Baiji – cidade do Norte com uma importante refinaria que uma aliança de militares e milícias xiitas recapturou há meses –, matando 14 membros das forças de segurança.
Já houve rockets a caírem dentro da Zona Verde, sede da ocupação norte-americana nos anos que se seguiram à invasão e ao derrube de Saddam Hussein. Mas nunca manifestantes tinham conseguido penetrar no interior desta área de dez quilómetros quadrados. Em Bruxelas, a chefe da diplomacia da União Europeia, Federica Mogherini, condenou o assalto ao Parlamento e sublinhou a urgência “de um rápido regresso à ordem, no interesse do povo iraquiano e de toda a região, confrontada por numerosas ameaças”.
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