Monday, February 1, 2016

Ao SAVANA diz: “em democracia, eu tenho o direito e a liberdade de expressar livremente

É daquelas mulheres moçambicanas de fibra que ousam fazer e dizer coisas que, muitas vezes, o Governo e as multinacionais não gostam. Ao SAVANA diz: “em democracia, eu tenho o direito e a liberdade de expressar livremente, quer o senhor goste ou não, quer o senhor seja ou não representante do Governo”. Na entrevista, concedida nesta terça-feira, Alda Salomão, directora executiva do Centro Terra Viva (CTV), afirmou que a tensão político-militar é apenas uma dimensão das “várias guerras” que o País vive. Entende ela que não estamos suficientemente tranquilos, como País, para falar do desenvolvimento, porquanto estamos todos reféns da instabilidade, incluindo as instituições públicas. Nas linhas que se seguem, Alda Salomão analisa ainda o primeiro ano do novo executivo sobre o qual afirma: “dá a impressão de que não avançamos grande coisa em termos das mudanças que muitos de nós esperávamos ver”. Lamenta, por outro lado, que a filiação partidária em Moçambique se tenha tornado num factor de discriminação, marginalização e estigma e questiona “quem disse que ser dum partido diferente da Frelimo significa ser inimigo?”. Sendo o CTV uma organização de advocacia em prol da boa gestão do ambiente e da boa utilização dos recursos naturais, qual é, para vocês, o estado da nação, nestes domínios? O CTV não tem a capacidade de avaliar o estado completo da nação, por isso comentei com um dos órgãos de comunicação que nos próximos relatórios sobre o Estado geral da nação o Presidente da República apresente também a situa- ção dos recursos naturais, porque é importante sabermos como estamos do ponto de vista ecológico. Mas desde 2002 que o CTV trabalha nestas questões. Então, nestes 14 anos, quais têm sido os temas mais fracturantes na gestão ambiental e dos recursos naturais? Certamente que a questão do des- florestamento é um assunto sério e com causas conhecidas. Há vários estudos que mostram que os factores estão muito relacionados com a sobrevivência da maior parte das pessoas. Vou dar um exemplo: agricultura itinerante. A nossa tecnologia agrícola ainda é desse tipo, portanto, as pessoas cortam árvores para abrir espaços para a agricultura e vão transitando de espaço em espaço, à medida que esgotam a qualidade dos solos num determinado terreno, passam para outro terreno porque aquele tem de ficar em poisio e no terreno para o qual transitam devem também cortar a árvore. Então, tecnologia agrícola precisa de ser mudada. Mas quem afecta a floresta, afecta também a fauna. Alda Salomão ao SAVANA “Temos várias guerras” Por Armando Nhantumbo Por outro lado, a maior parte das pessoas ainda usa o carvão como fonte energética e, nos relatórios de avaliação do sector florestal, a produção do carvão é tomada como uma das principais causas de desmatamento. Ora bem, é preciso resolver esse problema. Não basta dizer as pessoas para pararem de cortar árvores, é preciso indicar como elas vão então suprir as suas necessidades energéticas. Certamente que se lembra do programa “Um Líder, Uma Floresta”, mas então, em que medida é que esse programa foi desenhado também para ajudar os líderes comunitários a se organizarem no sentido de terem espaços reservados para o desenvolvimento de espécies florestais para a produção de lenha e carvão. É que as florestas comunitárias terão os diversos usos que têm as florestas de uma maneira geral. Umas serão para a conserva- ção, outras serão fontes energéticas, outras para colecta de material de construção, então, é preciso organizar a utilização de recursos, mas como digo, é preciso levar estas estratégias de desenvolvimento sustentável para a base, para onde a maior parte da pessoas está porque é essa pobreza que depois resulta numa grande pressão nos recursos porque as pessoas não têm outras alternativas. Não têm fonte de energia eléctrica, não têm acesso a gás, o único recurso que tem para usar como fonte de energia é a árvore. Disse que é preciso levar as estraté- gias de desenvolvimento sustentá- vel para a base. Sente que isso está a acontecer e que há uma governação participativa no domínio do ambiente e recursos naturais? Nós vivemos num País em que do ponto de vista político-legal estamos muito bem no que respeita a princípios de boa governação, um dos quais é a gestão participativa da terra e outros recursos. Significa que, em termos de ditames constitucionais, de disposições legais, estratégias inclusivamente políticas, nós não poderíamos estar melhor. Há muitos países que não têm a protecção político-legal que temos no sentido de assegurar que os processos tenham envolvimento de todos os cidadãos. Significa que não depende da vontade do governante incluir ou não incluir os cidadãos no processo de tomada de decisões. Não é discricionário dizer que eu vou ou não envolver os cidadãos, é legalmente obrigatório envolvê-los. Há envolvimento ou não? O problema é, justamente, o facto de que todos os actores não estão claros sobre esta obrigatoriedade legal. Os representantes do Estado, alguns deles, pensam que não têm a obrigação de envolver. Pensam que podem envolver apenas quando lhes convêm. Essa é uma componente do problema que precisa de ser abordada: nós precisamos de ter representantes da administração pública que percebam que os seus actos são guiados e orientados pelos ditames e pelas normas da legisla- ção e se a legislação impõe que os processos de tomada de decisão sejam participativos, os representantes do Estado não têm o espaço de não criar oportunidade para participação, nos moldes inclusivamente que a legislação estabelece como consultas públicas, consultas comunitárias, dar informação atempadamente, informação relevante, tudo isso está prescrito na legislação. Esta é uma componente que os nossos governantes precisam de perceber em todos os níveis, não é só os ministros, porque quando ouvimos os pronunciamentos do presidente da República e dos ministros só se fala de governação inclusiva e participativa. Ora bem, esse discurso tem de ser repetido até a base com consciência do que ele implica. Dizer que vamos promover ou somos por uma governação inclusiva e participativa tem implicações de natureza prática, significa que eu cidadão estou à espera de ver o meu governante a criar as condições necessárias para que essa governação inclusiva e participativa se possa materializar. Terá dito em 2015 que tínhamos chegado a um nível de impunidade pernicioso para o Estado. Mantém essa tese ou alguma coisa mudou neste primeiro ano do governo Nyusi? Neste momento só posso especular com base naquilo que é a minha percepção dos pronunciamentos que temos estado a ouvir dos representantes mais altos do Estado, a começar pelo presidente da Repú- blica que dá indicações de ter uma grande preocupação em relação à legalidade, ao rigor na utilização dos recursos do Estado, na actuação da administração pública. Mas não é só ele, nós ouvimos ao longo do ano pronunciamentos do ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural que nos deixaram muito agradavelmente surpreendidos, porque há muito tempo que não ouvíamos um governante e comprometer-se, publicamente, para corrigir as irregularidades no sector e organizar a maneira como os recursos naturais e o ambiente estão a ser geridos no País. Já é um bom passo que tenhamos tido pronunciamentos dos governantes nesse sentido porque ao fazerem esses pronunciamentos sabem que estão a expor-se ao escrutínio público. Nós havemos de avaliá-los em função da maneira como eles vão conseguir ou não transformar os seus pronunciamentos em realidade. Quando um ministro diz que quer eliminar a caça ilegal, quer eliminar a exploração ilegal de recursos florestais, quando um ministro diz que vai corrigir as irregularidades que estão a ser cometidas no processo de licenciamento do uso da terra para grandes investimentos, quando diz que os processos de reassentamento resultantes de investimentos tem de ser processos de desenvolvimento que respeitem os direitos dos cidadãos, são promessas muito sérias que estes governantes estão a afirmar. Quando eu digo que o nível de impunidade é pernicioso para o Estado é que em última instância quem está a ser prejudicado somos todos nós os cidadãos e as instituições que actuam em nosso benefício. Portanto, quando nós temos uma irregularidade, as consequências vão afectar muitas vezes não só a reputação do Estado porque dizemos que os agentes do Estado não são sérios, não são moralmente íntegros, mas as consequências também podem ser de natureza financeira. Por exemplo, se tiver de corrigir uma irregularidade ou uma ilegalidade muito provavelmente esse acto de correcção vai ter implicações financeiras para o Estado porque quem emite actos de administração pública, licenças, autorizações, etc, é o Estado, então se se constata que uma licença ou uma autorização emitida pelo Estado é ilegal, tem de haver responsabiliza- ção em relação a isso e eu, cidadã que recebe a licença, o que digo é que tenho uma licença de uma entidade pública com competência para emitir a autorização. Portanto, se emitiu autorização deveria saber o que estava a fazer, se emitiu de maneira incorrecta, eu quero ser compensando pelos danos que isso me vai causar.

ocou pontos importantes sobre o funcionamento de um Estado de Direito Democrático e, a esse propósito, vamos fazer uma ponte para analisar o primeiro ano de governação do presidente Filipe Nyusi e um novo Governo. O que lhe parecem os primeiros 12 meses? Dá a impressão de que não avan- çamos grande coisa em termos de mudanças que muitos de nós esperávamos ver. Temos uma situação político-militar que nos põe a todos reféns e penso que de alguma maneira paralisa a nossa percepção em relação à existência de condições e capacidade para começarmos os grandes processos noutros sectores que o País precisa de começar e que esperávamos que começassem com a tomada de posse deste novo Governo, mas sem paz não se faz muita coisa. Estamos todos distra- ídos com este assunto, mesmo que em alguns momentos pareça que o assunto está esquecido, etc, mas sabemos que está lá. Eu não sei se há alguém que saiba em que sentido este País está a caminhar do ponto de vista de estabilidade, de segurança, de entendimento entre nós. Estamos a falar de gestão de recursos naturais, protecção da fauna, da floresta, conferir maior segurança da terra, ouviram falar do programa «Terra Segura», tudo isso são processos de organização e estruturação do Estado. Tu estruturas o Estado em situação de insegurança militar? De insegurança política? Eu não sinto que estamos suficientemente tranquilos, como País, para falar do desenvolvimento neste momento, ainda estamos à espera de ouvir falar de paz para retomarmos as nossas atenções para o desenvolvimento. As próprias instituições parecem estar paralisadas também. É preciso mudar mentalidades Mas quando o presidente Nyusi tomou posse transmitiu um discurso de sossegar as pessoas, com garantias tipo tenham certeza de que os moçambicanos jamais voltarão a viver sob espectro de guerra… Ele ainda não conseguiu começar a fazer uma ligação entre os seus pronunciamentos e a prática. As promessas do presidente da República não estão a ser materializadas, mas também é preciso reconhecer a complexidade e a profundidade das reformas implícitas no pronunciamento do presidente da República. Tudo o que o presidente disse e se comprometeu a fazer implica que ele deveria ter a capacidade de encetar reformas profundas para que o País mudasse de rumo e começasse a seguir alinhado com aquilo que foi o seu pronunciamento: maior legalidade, maior inclusão, maior participação, paz, respeito mútuo, respeito por posicionamento e opiniões diferentes, etc, etc. É preciso mudar as mentalidades. Eu dou um exemplo concreto. Nós estamos a fazer trabalho em Palma, fazemos parte do processo em que somos chamados a contribuir. Mas o Governo local está a dizer nos seus comícios sobre os trabalhos do CTV que “bom, nós aqui conseguimos desmantelar o colonialismo, mas ainda sobram alguns inimigos, nomeadamente a oposição e organizações da sociedade civil, que vêm para aqui perturbar o nosso trabalho”. Portanto, temos um governante a equiparar-nos ao colonialismo. O que é que significa isso? Eu acho que nós temos várias guerras, várias dimensões de instabilidade. Temos a instabilidade político-militar, esta de que falamos todos os dias, mas não prestamos atenção aos focos de instabilidade que nós temos na maneira como os diferentes actores se relacionam mutuamente. Quando eu tenho um governante a dizer que as organizações da sociedade civil são inimigas, está a dizer que vamos afastá-las, marginalizá- -las e se for necessário vamos abatê-las porque é isso que se faz com os inimigos. O pecado de não ser da Frelimo Eu não sei se a oposição é um inimigo e este é o outro ponto que eu gostaria de colocar. É que a nossa filiação política, a maneira como estamos a construir democracia neste País, faz com que nos dividamos, nos confrontemos, nos olhemos como inimigos e não como cidadãos do mesmo País com os mesmos direitos e mesmas responsabilidades e com as mesmas oportunidades de contribuir para os processos do mesmo País. A filiação político-partidária é hoje um factor de discriminação, marginalização, estigma. Se tu és do MDM ou da Renamo, então, és inimigo. Quem disse que ser dum partido diferente da Frelimo significa ser inimigo? Frelimo, Renamo, MDM seja lá quem for, estão vinculados ao mesmo quadro legal. Os preceitos da Constituição deste País aplicam-se tanto a Frelimo, a Renamo, etc. Que implicações para o País, essa politização? É muito perigosa porque eu deixo de olhar e lidar consigo como pessoa e cidadão igual a mim. O simples facto de você ser da Renamo e eu ser da Frelimo é factor de distanciamento e de potencial conflito. Onde é que vamos chegar como País com cidadãos divididos? Que desafios para 2016, um ano que começa com seca severa no sul de Moçambique e inundações no norte? Somos um País frequentemente assolado por desastres naturais. Temos de encontrar uma forma de nos organizarmos do ponto de vista de utilização dos nossos recursos, mas não só, também do ponto de vista de organização e ocupação territorial e também do ponto de vista de adaptação e evolução nas tecnologias que usamos para fazer frente a estes fenómenos. Era previsível que fôssemos ter seca, é possível prepararmo-nos para minimizar o impacto. Por exemplo, temos muita chuva no norte, ou seja, temos comida a ser produzida no norte e temos gente quase a morrer de fome no sul. Quer dizer, nós talvez não sejamos capazes de prevenir a seca no sul, mas acho que somos capazes de prevenir que as pessoas da região sul morram de fome por falta de comida. Somos capazes de nos organizar ao longo do ano para termos reservas de água para que as pessoas não fiquem completamente sem água porque não chove, pelo menos água para consumo humano, para as pessoas não morrerem. Estou a falar dos instrumentos de gestão ambiental que também nos ajudam a fazer face a desastres naturais e que talvez tenhamos de ser mais vigorosos na utilização desses instrumentos, mais atentos e mais oportunos na tomada das medidas necessárias para que quando os fenómenos ocorrerem eles não sejam um desastre. Por outro lado, as nossas instituições têm um papel a desempenhar. Houve, na província de Maputo, uma situação em que areeiros barraram o curso de água do rio Incomati, fazendo com que os agricultores a jusante não tenham água. Onde estão as instituições? Isto lembra-me o assunto das demolições. Eu reconheço ainda que somos um País com muitas dificuldades, mas não aceito o argumento de que temos falta de recursos e é por isso que algumas coisas acontecem porque já não estamos em 1975. Já houve uma evolução do ponto de vista de capacidade humana, financeira, instrumentos de apoio à organização e tomada de decisões para nos permitir fazer as coisas melhor do que estamos a fazer. Se não conseguimos gerir areeiros, o que vamos conseguir gerir, 40 anos depois da proclamação da independência. Quarenta anos depois não conseguimos gerir assentamentos informais na nossa capital. A nossa capital está com uma cara deplorável do ponto de vista de ocupação de espaço. Os nossos bairros perifé- ricos têm uma cara de miséria que já não justifica terem nesta altura em que nós estamos. Continuamos a ter resíduos sólidos a serem amontoados e depositados onde as crianças vivem onde as crianças brincam. Nós não temos capacidade de fazer melhor do que isso? 

V ezes sem conta, as organizações da sociedade civil têm entrado em choque com o Governo e, no caso dos mega projectos, também com as multinacionais. Metas diferentes? Eu vou basear-me nas fricções que o CTV tem enfrentado na sua relação com instituições do Governo e com instituições do sector privado. Às vezes, não se trata de choques, é um problema cultural nosso. Nós não estamos habituados a ter os nossos governantes a serem confrontados com ideias e posições diferentes. Nós viemos de um passado político-histórico em que havia uma certa veneração aos representantes do governo, portanto, opiniões contrárias não eram muito encorajadas e publicamente expressas. Mas precisamos de construir um ambiente de relacionamento entre os actores que seja consonante com o Estado Democrático que pelo menos estamos a tentar construir. Em democracia, eu tenho o direito e a liberdade de expressar- -me livremente, obviamente com o respeito que devo a tudo e a todos, mas tenho o direito
de expressar a minha opinião, quer o senhor goste ou não dela, quer o senhor seja ou não representante do Governo. Proibir expressarmos as nossas opiniões porque o governante vai ficar molestado, já não estamos nessa fase. Só que nós avançamos muito do ponto de vista teórico, documental e do ponto de vista de instrumento de governação do País, mas não avançamos tanto assim do ponto de vista de preparação ideológica das pessoas para funcionar num cenário como este. O resultado é que quando eu dou a minha opinião técnica sobre a maneira como um determinado processo está a ser tratado e se esta opinião tecnicamente contraria aquilo que é a posição e interesse do governante, então, eu estou a confrontar o Governo, estou a criar confusão para o Governo, não estou a colaborar para os interesses de desenvolvimento do Governo. Não estamos a ouvir argumentos no sentido de que a posição técnica que o CTV tomou é errada por este contra-argumento técnico vindo seja do sector privado ou do Governo. Não, não é isso que se diz, diz- -se apenas que as ONGs só querem complicar o processo, não se analisa o conteúdo das posições da sociedade civil, analisa-se apenas a posição com ideias preconcebidas de que o papel da sociedade civil é só confrontar, é só dificultar. A única coisa que estamos a dizer é que vamos fazer esforços para seguir as normas e procedimentos que aprovamos neste País senão todos nós estamos a brincar. Então, o desagrado que o CTV tem estado a causar a algumas empresas e instituições do Governo está no facto de que nós somos muito insistentes na posição de que se estamos num Estado de Direito, todos os actos da administração pública e dos cidadãos são regidos por lei. É isso que significa Estado de Direito, então se somos um Estado de Direito significa que todos nós somos obrigados a agir em conformidade com a lei e se nós constatamos que há uma situação que mostra claramente que houve um desvio legal, pensamos que é nossa obrigação até como obrigação indicar que aqui sa- ímos dos carris e vamos entrar, mas parece que não se gosta muito deste tipo de contribuição. 

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