O relatório anual da organização dá conta de várias violações a leis internacionais na região, destacando Angola, Burundi e Moçambique como os países onde as violações são mais frequentes.
O relatório anual da Amnistia Internacional dá conta de várias violações dos direitos humanos em África ao longo de 2015
A União Africana (UA) elegeu 2016 como o ano dos Direitos Humanos em África mas, de acordo com a Amnistia Internacional (AI), ainda há um longo caminho a percorrer.
No seu relatório referente ao ano passado, divulgado esta quarta-feira (24.02), a organização refere que a limitação de liberdades dos cidadãos e a violação de direitos humanos fundamentais pelos governos marcaram o ano de 2015, especialmente em países como Angola, Burundi ou Moçambique.
Susana Gaspar, presidente da direção da AI Portugal, refere que as organizações internacionais de defesa dos direitos humanos não estão a agir corretamente e que os governos não são responsabilizados pelos seus crimes. "Os organismos de direitos humanos não estão a fazer o seu trabalho", sublinha, citando a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Tribunal Penal Internacional, mas também mecanismos regionais como o Conselho da Europa ou o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. "A União Africana pode muito bem ter dito isso, mas [África] continua a ser uma das regiões com mais crises de direitos humanos. Obviamente que temos algumas boas notícias vindas do continente africano, mas muitas más notícias também", afirma a responsável.
De acordo com os dados presentes no relatório, 2015 foi marcado pela limitação do espaço para a sociedade civil e para a defesa dos direitos humanos, com os governos a alegarem ameaças para a segurança nacional.
De acordo com a presidente da direção da AI, uma das principais dificuldades a ultrapassar em 2016 é o atropelo à liberdade de expressão. "A liberdade de expressão é atropelada constantemente. Muitas vezes, a ONU poderá lançar alertas, nomeadamente em relação à situação dos direitos humanos, mas essas afirmações, mesmo vindo de um órgão como a ONU, são desrespeitadas pelos Governos e não têm eco, como foi o caso de Angola".
A responsável destaca ainda países como Zimbabué, Congo, Gâmbia e Zâmbia, onde "as autoridades estão a fazer escutas e a perseguir ativistas e defensores dos direitos humanos. Isso vem de uma forma realmente muito sublinhada no relatório anual da Amnistia referente a 2015".
Susana Gaspar afirma ainda que "estamos a perder o espaço para a nossa liberdade de expressão e estamos a perder mecanismos de proteção de todos os ativistas que estão a querer fazer um bocadinho mais pelos direitos humanos nos seus países".
Angola é um dos países que mais preocupa a Amnistia Internacional
Em Angola, o ano passado foi particularmente marcado por casos como o dos 15 ativistas, detidos desde junho por se manifestarem contra o governo de José Eduardo dos Santos. Presos preventivamente durante mais de 90 dias, situação ilegal ao abrigo da Constitução angolana, passaram a estar em prisão domiciliária em dezembro. No entanto, nunca chegou a ser feita uma acusação formal, e as alegações finais do julgamento continuam a ser adiadas.
"Naturalmente, existem leis internacionais que são suficientes para nos fazer identificar estes casos como ilegais, [tal como] a própria Constituição angolana. Não podemos ter ativistas detidos todos estes dias sem acusação, sem serem formalmente acusados. E existem as constituições internacionais que servem para a proteção de qualquer pessoa", afirma a responsável, que volta a frisar a falta de ação dos mecanismos internacionais. "Estes mecanismos internacionais estão eles próprios fraudulentos e, mesmo existindo as constituições, elas não são respeitadas. A própria ONU não tem sido célere nem tem conseguido impor o respeito por estas convenções e constituições”.
O julgamento dos 15 ativistas e a prisão ilegal de Nito Alves são dois dos casos que a AI destaca em Angola
Manuel Nito Alves, um dos ativistas, foi condenado a 8 de fevereiro a seis meses de prisão e a uma multa de 50 mil kwanzas [cerca de 280 euros], por alegados desacatos em tribunal.
Susana Gaspar aproveita este caso para relembrar a dificuldade de aceder à justiça em Angola. "Muitas vezes o que acontece é que as pessoas – ativistas com manifestações pacíficas planeadas – estão detidas por difamação, mas depois não são formalmente julgadas, não têm direito à defesa. Tudo isto demonstra as dificuldades de ter justiça e acesso à justiça no país. Há aqui um caso de fraude e controlo por parte do Governo angolano que não permite que as pessoas tenham o mesmo acesso à justiça e estes julgamentos não são nada transparentes. Está também em causa a liberdade de expressão e as liberdades fundamentais de cada cidadão".
Conflitos levam à fuga de moçambicanos
A crise económica que afeta Angola poderá agravar ainda mais estes problemas, à semelhança do que acontece em Moçambique, onde a pobreza agravou o estado social do país, tornando mais visíveis os conflitos.
A crise política e os desentendimentos entre a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) têm levado à fuga de dezenas de moçambicanos, sobretudo para países vizinhos, como o Malawi, onde os campos de refugiados estão a ameaçar chegar ao seu limite.
Centenas de pessoas fogem dos conflitos em Moçambique para países vizinhos, como o Malawi, onde os campos de refugiados ameaçam chegar ao seu limite
"A questão dos refugiados é muito importante, e a verdade é que aqui em Portugal e na União Europeia no geral focamo-nos nos nossos problemas e na chegada dos refugiados que também temos vindo a assistir. Mas em África também são sucessivas as crises de refugiados e há, naturalmente, que agir e de forma muito ágil para impedir a sobrelotação dos campos de refugiados", afirma Susana Gaspar.
Para a presidente da direção da Amnistia Internacional, estas crises de refugiados que afetam o continente africano só podem ser resolvidas em união entre os governos e os países, de forma a encontrar os mecanismos necessários para evitar problemas como a sobrelotação dos campos de refugiados.
De acordo com a responsável, é também urgente resolver as crises internas nestes países. "Esta rivalidade política não ajuda à estabilidade de um país e obviamente que encaramos tudo isto com muita preocupação, sobretudo [em relação a] pessoas que necessitam de maior segurança e que dificilmente a terão”.
"Não são só os direitos humanos em África que estão em risco"
Com este relatório, a Amnistia Internacional pretende chamar a atenção de órgãos internacionais, como a ONU, para estes problemas, que afetam não só o continente africano, mas todo o mundo. "Nós estamos a reportar [estas situações] e com este relatório esperamos que exista a pressão necessária e que cada governo se sinta também envergonhado com o que encontramos em cada país".
O que a Amnistia espera para 2016 é que este cenário se possa reverter. "E que possamos voltar a observar um maior respeito pelos direitos humanos, não só em África como no mundo", esclarece Susana Gaspar, que relembra que "os direitos humanos em risco são os direitos humanos de toda a gente, nunca esquecer isto. Temos um ataque global às liberdades, não é somente em Angola, não é somente em África".
A Guiné-Bissau também é um dos países destacados no relatório, apesar de a sua situação face aos direitos humanos ter melhorado face aos anos anteriores. No entanto, a Amnistia Internacional continua a receber indícios de tortura, maus tratos e mortes, durante períodos de custódia policial.
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- Data 24.02.2016
- Autoria Vanessa Raminhos
- Palavras-chave Amnistia Internacional, relatório anual, direitos humanos, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, África
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