Luanda - Quando no final de 2014, o Presidente da República na sua tradicional mensagem de fim de ano nos advertiu para a turbulência que o vôo Angola‐2015 havia de atravessar, apertamos os cintos sem, entretanto, fazer a mínima ideia da dimensão do problema, até porque, pouco tempo antes o Executivo havia feito aprovar um OGE demasiado optimista, apesar de todos os apelos da oposição (como sempre ignorados) para o irrealismo daquela importante peça de governo. Porém, não foi necessário esperar muito tempo para entender o que de facto aquelas palavras do Chefe de Estado encerravam.
Fonte: Club-k.net
Logo no início do ano um forte vendaval se abateu sobre o nosso precário e embrionário mercado financeiro e cambial fazendo desaparecer dos bancos comerciais o stock de divisas e consequente ressurgimento dos agentes do mercado informal, vulgo kinguilas. O kwanza se depreciou rapidamente e os cartões de crédito e débito que já se estavam a incorporar na cultura de pagamentos dos angolanos se tornaram meios inúteis. Sem os dólares, os importadores se viram atrapalhados e num país que vive essencialmente da importação alguns produtos começaram a escassear nas prateleiras das grandes superfícies. Da noite para o dia nos vimos regressados as sombras de um passado que pensavamos ultrapassado dando razão a Agostinho Neto e o seu presságio contido em Havemos de Voltar!
Quando hoje, na distância de um ano, sondamos mais cuidadosamente esta sucessão de acontecimentos percebemos claramente que afinal as dificuldades de tesouraria do Executivo precedem em muitos meses este tornado que se abateu sobre o mercado financeiro. Com efeito, já havia algum tempo que o Governo se confrontava com dificuldades montanhosas em honrar os seus compromissos com as empresas que lhe prestavam serviços, descontando as competentes ordens de saque. Como consequencia muitas empresas já vinham sofrendo com a pressão exercida pelos trabalhadores, com salários atrasados, e com a capacidade de pôr em funcionamento meios de produção, com consequências brutais sobre a vida das populações. No caso concreto de Luanda, a consequencia arrasadora chegou sob a forma de grandes amontoados de lixo que brotaram na cidade, montando um cenário que há muito não se via e fazendo lembrar a famigerada passagem pelo Governo de Luanda de Simão Paulo. A verdade é que ao deixarem de perceber os respectivos pagamentos as operadoras de lixo, de competencia, nalguns casos, já duvidosa, perderam a capacidade de recolha de resíduos sólidos empurrando‐nos a todos para aquela catastrófica situação.
Assim sendo, ficam no ar algumas questões: porquê que o Governo parece ter sido apanhado desprevenido a ponto de em Novembro trazer ainda uma proposta de orçamento tão optimista? Porquê que o Governo ignorou tão friamente as
advertências da oposição para o irrealismo da proposta de OGE? Porque se degradaram tão rapida e vertiginosamente as contas públicas?Porque o Governo despertou tão tarde para a magnitude do problema trazendo o OGE rectificativo?
A resposta reside no modelo autista de governar a que nos habituou o partido que sustenta o Governo há 40 anos. A resposta reside na farra com dinheiros públicos que ocorreu na altura em que por conta dos preços altos do petróleo Angola crescia a dois digitos, embriagando inclusivamente parceiros internacionais. A resposta reside, enfim, no “decreto” da acumulação primitiva de capital que significava comprar fidelidades políticas com dinheiro público, que significava nepotismo escancarado que permitiu o enriquecimento brutal e vergonhoso de uma pequena elite e que manteve na pobreza e na miséria mais de 60% dos angolanos. A gestão ruinosa do dinheiro do petróleo em tempo de vacas gordas criou um grupelho de novos ricos que ostenta vergonhosamente a sua riqueza de origem duvidosa e não contribui em nada para o desenvolvimento do país, com as devidas excepções que afinal só confirmam a regra. Muito do dinheiro destinado a educação e a saúde acabou em buracos negros da corrupção, diminuindo fortemente o impacto deste investimento no capital humano. Daí resultou o aprofundamento das desigualdades sociais, pois a muitos angolanos não foram oferecidas efectivamente oportunidades e, deste modo, acabaram excluídos.
A gestão ruinosa dos dinheiros públicos nos tempos áureos do petróleo conduziu a hierarquização de prioridades duvidosas que incidiu na qualidade das obras de infraestrutura realizadas como é o caso das infraestruturas rodoviárias. Não foi possível estabelecer um programa sustentável de manutenção preventiva e curativa destas infraestruturas porque o ilusório modelo de governar privilegia o show de inauguração pelo Chefe e ignora o usufruto do bem comum pelo cidadão. Por isso, se explica a aposta no novo aeroporto internacional de Luanda, mesmo sabendo que o volume de vôos não crescerá assim tanto pois a nossa economia tem, na verdade, pés de barro e continuará atrair de forma reticente investidores e turistas. As obras de infraestrutura de acesso multimodal ao novo aeroporto ainda não sairam do papel pelo que o conjunto da obra anda a duas velocidades correndo o risco do novo aeroporto se tornar de facto um elefante branco, com muito baixo índice de aproveitamento. Por isso, se explica que o projecto construção do campus universitário da UAN se tenha estagnado cerca de 18anos depois de lançada a primeira pedra, em modestos 13%, quando nas proximidades foram construídos caríssimos estádios de futebol e arena multiuso absolutamente subutilizadas. Hoje os terrenos destinados ao campus universitário sofrem a ameaça da especulação imobiliária. Só resta esperar, e rogar, que nenhuma filhinha se lembre de erguer um condomínio nas proximidades, pois se isto acontecer, com certeza que o papai emitirá uma ordem superior e ninguém ousará contrariar.
Muitos mais exemplos puderiam ser para aqui arrolados para ilustrar a gestão ruinosa dos nossos recursos que expôs completamente a nossa economia aos abalos da economia mundial, na verdade, nada foi feito para blindar minimamente a nossa economia destes abalos porque aqueles a quem delegamos a gestão dos nossos recursos se deixaram embriagar pelos preços altos do crude, impedindo‐lhes de prever
e assumir acções preventivas para eventuais turbulências no mercado como veio a acontecer.
Confrontado com a crise económica o Executivo se viu paralisado, desprovido de soluções imediatas e a médio e longo prazo. Trouxe a luz um pacote improvisado, de medidas desconexas que incidiram abruptamente sobre o poder de compra dos cidadãos. O fim dos subsídios aos combustíveis justifica‐se mas ao mesmo tempo inúmeros privilégios de que usufruem governantes e altos funcionários do Estado deveriam ser retirados. Muitos projectos faraónicos deveriam ser repensados, mas o que nós assistimos de facto é a insistência em projectos de requalificação que têm sido pessimamente conduzidos e são, à luz discarada de todo o mundo, autênticos vazadouros de dinheiro público no quadro do “decreto” de acumulação primitiva de capital. Aliás, com o clamor em alto dos moradores do Cazenga e Bairro Operário onde andam o Tribunal de Contas e Assembleia Nacional que não são capazes de instaurar auditoria a esses famigerados projectos de requalificação?
Tal como o jacaré na água, o dinheiro oriundo do petróleo era na verdade a grande força deste regime. Quando o dinheiro começou a escapar‐lhe entre os dedos o regime alterou perceptivelmente a sua atitude política passando delirante e quixotescamente a visualizar ameaças em todos os cantos. O aparelho securitário foi ajustado para enfrentar estas supostas ameaças e os efeitos não se fizeram esperar. Se na mensagem de fim de ano que já aqui fizemos alusão o Presidente fez um vibrante apelo à tolerância como jamais havia feito, apelo que foi aliás calorosamente saudado por todo o arco da oposição, na prática o quadro veio a revelar‐se totalmente ao contrário e dois grandes acontecimentos acabariam por marcar acentuadamente o ano de 2015 com danos profundos na imagem de Angola e do seu governo. Refiro‐me aos acontecimentos do Monte Sumi na Caála em Abril e ao polêmico caso dos 15 + 2 que acabaria por ocupar espaço na mídia nacional e internacional durante todo o segundo semestre e que analisaremos mais pormenorizadamente no próximo texto.
Maurílio Luiele
Luanda, 02 de Janeiro de 2016
Luanda, 02 de Janeiro de 2016
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