terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O que está a acontecer na capital do Estado Islâmico

A França e a Rússia estão a in­ten­si­ficar os bom­bar­de­a­mentos ao prin­cipal bas­tião do Es­tado Is­lâ­mico. Quais es­tarão a ser os re­sul­tados?
Em res­posta aos ata­ques em Paris rei­vin­di­cados pelo Es­tado Is­lâ­mico, a França co­meçou a bom­bar­dear a ci­dade de Raca no nor­deste da Síria. Cap­tu­rada pelos re­beldes sí­rios em ja­neiro de 2014, a ci­dade tornou-se o pri­meiro bas­tião dos jiha­distas a ca­minho da ocu­pação de quase me­tade do ter­ri­tório da Síria e um terço do Iraque no ano pas­sado. A ci­dade é, de facto, a ca­pital do Es­tado Is­lâ­mico.

Porquê atacar Raca?

Antes de tudo, é um alvo sim­bó­lico. Os ata­ques aé­reos da França visam re­primir o ânimo moral do Es­tado Is­lâ­mico, que es­tava já a so­frer com o mo­vi­mento das forças da co­li­gação no leste da Síria e no oci­dente do Iraque. Ge­ral­mente, os campos dos lí­deres do Es­tado Is­lâ­mico ficam nas am­plas áreas de­sertas perto da fron­teira da Síria com o Iraque onde são di­fí­ceis de iden­ti­ficar, e em al-Sha­dadi, uma ci­dade no leste da Síria. É lá que moram as fa­mí­lias da mai­oria dos co­man­dantes.
Ul­ti­ma­mente o ce­ti­cismo em re­lação aos ata­ques aé­reos tem cres­cido. Muitos du­vidam da sua efi­cácia, di­zendo que são mais vol­tados para a atenção do pú­blico oci­dental. O ati­vista sírio que luta contra o Es­tado Is­lâ­mico, Hussam al-Marie, afirmou:
"Se os media oci­den­tais in­for­massem de um ataque em al-Sha­dadi, nin­guém iria en­tender que lugar é esse. Mas quando dizem: "Foi efe­tuado um ataque a Raca", todos os fran­ceses en­tendem do que se trata."
Se­gundo o ana­lista sírio Hisham al-Hashemi, a ci­dade também foi muitas vezes o prin­cipal lugar das re­crutas es­tran­geiras para jiha­distas:
"Há muitos com­ba­tentes de ou­tros países a en­trar na ci­dade. Os prin­ci­pais ba­ta­lhões ficam aqui."
Mas com a agi­tação das forças opo­nentes sí­rias em volta de Raca nas úl­timas se­manas, muitos já se foram em­bora.

Como é a vida em Raca?

A ci­dade tem uma grande po­pu­lação de civis, a maior parte dos quais não tem nada a ver com o Es­tado Is­lâ­mico. Junto com Mosul, a se­gunda maior ci­dade do Iraque, estas duas ci­dades con­tro­ladas pelo Es­tado Is­lâ­mico são uma casa para cen­tenas de mi­lhares de pes­soas. Há muitos re­fu­gi­ados que se mu­daram para cá por causa da guerra civil na Síria.
Os mo­ra­dores de ou­tras re­giões con­tro­ladas pelo Es­tado Is­lâ­mico con­si­deram Raca um lugar se­guro com a me­lhor in­fra­es­tru­tura. Quando os ata­ques aé­reos fran­ceses apa­garam a ele­tri­ci­dade, os fun­ci­o­ná­rios civis do Es­tado Is­lâ­mico con­se­guiram res­ta­be­lecer tudo em menos de um dia.
Porém, sob gestão do Es­tado Is­lâ­mico, as pes­soas são for­çadas a se­guir o có­digo ri­go­roso de com­por­ta­mento e a so­frer ondas de vi­o­lência. Se­gundo os dados do Ob­ser­va­tório Sírio de Di­reitos Hu­manos (SOHR), os com­ba­tentes "cru­ci­ficam, açoitam e mantêm as pes­soas (in­cluindo as cri­anças) em gai­olas de ferro" em Raca e ou­tras re­giões da Síria. De­ca­pi­ta­mentos acon­tecem com frequência, e as ca­beças das ví­timas são pen­du­radas nos postes para criar medo medo.
O Es­tado Is­lâ­mico proíbe as pes­soas de aban­do­narem a ci­dade sem li­cença. As pes­soas podem ter ne­gó­cios, mas têm de pagar im­postos re­li­gi­osos a favor dos jiha­distas, cujo ta­manho de­pende do ca­pital do pro­pri­e­tário. São co­nhe­cidos como "zakah".

O que destruíram os ataques aéreos?

Se­gundo os ati­vistas, os mís­seis fran­ceses atin­giram al­gumas in­fra­es­tru­turas do Es­tado Is­lâ­mico: duas bases mi­li­tares e um es­tádio de fu­tebol. Ambos os grupos an­ti­jiha­distas — SOHR e "Raca está a ser aba­tida em si­lêncio" (RBSS) — dizem que ainda não há dados sobre as ví­timas entre os civis. Há dados sobre al­gumas des­trui­ções nas ruas e lojas, mas não há ne­nhumas in­for­ma­ções sobre as ví­timas.

Como os civis lidam com isto?

No geral, os grupos como o RBSS apoiam os ata­ques aé­reos. Mas muitos mo­ra­dores lo­cais estão pre­o­cu­pados com o au­mento da sua in­ten­si­dade e afirmam que os com­ba­tentes do Es­tado Is­lâ­mico apren­deram a evitá-los.
Uma das ha­bi­tantes de Raca conta:
"Não é pos­sível vencer o Es­tado Is­lâ­mico apenas com bom­bar­de­a­mentos. Quando os com­ba­tentes en­tendem que de­ter­mi­nado edi­fício pode tornar-se no pró­ximo alvo, mudam de local. Hoje as pes­soas pre­param-se para o pior e vivem num es­tado em que não estão mortas nem vivas."
Os ata­ques aé­reos russos des­truíram as prin­ci­pais pontes de Raqqa. Na terça-feira os media in­for­maram sobre os ata­ques com mís­seis de cru­zeiro, no­tando que foram sig­ni­fi­cantes. Um dos mo­ra­dores diz:
"Os Es­tados Unidos e a co­li­gação estão a tentar evitar ví­timas entre a po­pu­lação local, mas per­mitem que os ou­tros — a Rússia e o re­gime de Assad — efe­tuem mas­sa­cres. Quando ou­vimos os ata­ques russos, sa­bemos que al­guns civis vão morrer. Atoda a hora vi­vemos mi­nutos de pavor."

Como reagiu o Estado Islâmico?

Os jiha­distas já re­a­giram aos ata­ques aé­reos desta se­mana com um apelo ha­bi­tual aos mu­çul­manos. Numa men­sagem de vídeo pu­bli­cada na se­gunda-feira, os com­ba­tentes ape­laram aos mu­çul­manos da França e de ou­tros países oci­den­tais a vingar-se dos ata­ques.
Os adeptos do Es­tado Is­lâ­mico também ex­pres­saram o seu des­con­ten­ta­mento nas redes so­ciais. Um dos mo­ra­dores de Raca es­creveu no Twitter:
"Do centro de Raca para a França. Os vossos ata­ques nem nos su­jaram os sa­patos. De­pois do que vi­vemos nos úl­timos quatro anos vocês não nos podem as­sustar."

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