25 Nov, 2015
Há (...) como nunca em outro momento da nossa História em Democracia, uma tendência quase esmagadora para um alinhamento das direções editoriais a uma leitura identificada em traços genéricos com a Direita (absoluta entre as publicações económicas, maioritária entre os generalistas, maioritária nas televisões e nas rádios) e isso percebe-se na enunciação e valorização das dúvidas e na seleção dos comentadores e entrevistados para ‘avaliar a situação política atual’
Sempre que se prepara a entrada em funções de um novo governo dá-se início a algo que costuma descrever-se como ‘um Estado de Graça’. É, por assim dizer, um período com duração mais ou menos indefinida durante o qual tanto corporações de interesses como jornalistas/analistas decidem dar tempo ao Executivo para que se acomode às funções e para que comece a dar andamento a algumas das suas propostas mais emblemáticas.
Como vivemos tempo em que as tradições já não valem o mesmo que valiam, tudo indica que o governo minoritário liderado por António Costa não vai ter acesso a essa benesse habitual.
As corporações não perderam tempo e as organizações sindicais também não. Foi, por um lado, curioso ouvir o dirigente máximo (e há tanto tempo, não é?) da CIP traçar, com linhas a vermelho, as zonas nas quais o governo não vai poder atuar sem a sua oposição, ao mesmo tempo que anunciava (sem apresentar provas e sem que a isso tivesse sido instado) que há já em curso uma ‘fuga de capitais’, e foi, por outro lado, igualmente curioso ouvir o dirigente máximo (e também há tanto tempo, não é?) da Fenprof fazer o elogio de um futuro ministro.
Poder-se-ia dizer que estas movimentações prévias das chamadas forças organizadas da sociedade civil são até um saudável sinal de vigor da nossa cultura democrática. E não andaríamos longe da verdade, naturalmente. Mas poder-se-ia também dizer que o espaço de manobra do executivo - sobretudo no que respeita a medidas que possam por em causa o poder negocial destas forças - fica ainda mais reduzido.
A possibilidade de essa ‘amplitude’ poder, como sempre aconteceu até agora, ser assegurada pelos média é remota. Há, por um lado, como nunca em outro momento da nossa História em Democracia, uma tendência quase esmagadora para um alinhamento das direções editoriais a uma leitura identificada em traços genéricos com a Direita (absoluta entre as publicações económicas, maioritária entre os generalistas, maioritária nas televisões e nas rádios) e isso percebe-se na enunciação e valorização das dúvidas e na seleção dos comentadores e entrevistados para ‘avaliar a situação política atual’. Há, por outro, questões ligadas à propriedade e à gestão financeira das próprias empresas que reforçam dependências não explícitas e pouco saudáveis.
Sem Estado de Graça, o novo governo vai ter que, por um lado, começar a desiludir alguém desde muito cedo e vai ter que conviver com um escrutínio dos média não habitual.
A crispação não acabou. Deverá aumentar e vai, em larga medida, ser fomentada em nome de interesses estratégicos sectoriais. As rupturas sociais e políticas que herdamos de uma governação belicosa não vão desaparecer tão cedo.
Estado de Graça? Nem pensar.
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