CORRELAÇÃO E CAUSAÇÃO NO BANCO DOS RÉUS:
De acordo com a comunicação social, a partir do próximo ano, os docentes universitários serão obrigados a deixar de lecionar em mais de uma universidade. Tal medida vem no âmbito dos esforços do governo em melhorar a qualidade do ensino superior em Moçambique. Quem o disse foi o Professor Jorge Nhambiu, Ministro da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico-profissional, MCTESP.
Uma coisa é certa. Em Moçambique, a “proletarização” do professorado, pelo menos ao nível do ensino superior (em inglês dir-se-ia CASUALIZATION – que consiste na transformação de uma força de trabalho ou postos de trabalho permanentes em postos ou força laboral temporária, com contratos de curto prazo) constitui um dos factores para a pauperização da profissão e com ela, baixos índices de motivação, controlo de qualidade etc., uma vez que no afã pela busca de sobrevivência muitos outros afazeres acabam se sobrepondo a do professorado, com as consequências advenientes.
Análises apressadas acabaram confundindo dois conceitos importantes na investigação social - corelação e causação, levando com que o Ministério tomasse tais medidas quiçá draconianas. No mundo ocidental, professores com mais experiência dão aulas em várias universidades, fazem parte da banca de examinação em várias universidades e engajam-se em vários projectos de pesquisa e editoriais! Nos EUA, por exemplo, o contrato de um docente universitário é renovado anualmente, que na prática é de 9-10 meses. O resto dos meses ele/a deve encontrar formas de sobrevivência caso não esteja no dito “tenure track”, ou seja, em processo de nomeação definitiva. Os “tenured professors” ou seja, com nomeação definitiva também procuram outros afazeres durante pelo menos três meses por ano, durante o verão (é durante este período que muitas conferências tem lugar pois, normalmente os professores estão livres para atendê-las).
Em Moçambique porém, a situação é diferente: para além de poucos professores universitários com formação acima de licenciatura, está quase que impossível encontrar se quer um que não tenha actividades extras, digo, suplementares à renda. Se não é funcionário público, este/a também tem uma posição num outro local de trabalho, seja a tempo parcial ou inteiro ou desdobra-se em consultorias ou mesmo ensina em várias escolas. Há os que o fazem por amor aliado às necessidades. Estes podem ser tanto competentes como incompetentes.
O que não se pode afirmar categoricamente é que a lecionação em várias escolas é prejudicial à qualidade. Isto é confundir correlação e causação. EXISTE SIM UMA CORRELAÇÃO entre a qualidade do ensino com a disponibilidade do professor; entre a qualidade do ensino com a proletarização do professorado; entre a qualidade do ensino com a qualidade dos curricula; a qualidade do ensino com a qualidade dos professores; a qualidade de ensino com as infraestruturas de ensino, a qualidade do ensino com a língua, por aí em diante. Correlação, em palavras simples, é a relação ou dependência mútua entre pessoas, coisas, ideias, etc. É uma medida estatística que descreve a dimensão e a direcção de uma relação entre duas ou mais variáveis. A correlação entre as variáveis, no entanto, não significa automaticamente que a mudança de uma variável é a causa da alteração nos valores da outra variável. Por seu turno, causação indica que um evento é resultado da ocorrência do outro evento; ou seja, existe uma relação causal entre os dois eventos. Isto também é referido como relação de causa e efeito.
Portanto, existem muitas causas que justificam a fraca qualidade do ensino. Professores-turbo, como são conhecidos hoje ou a fraca qualidade do ensino são consequências de causas que o Ministério ainda não estudou. Se estudou, admira-me que venham hoje atacar variáveis corelacionadas. Muito estranho que tal medida venha de uma instituição onde abunda a fina flor académica do país! Se o Ministério não sabia, a verdade é que tal como em qualquer outro sector profissional, há muito poucos professores dispostos em dar aulas em Moçambique, tanto por causa das limitações orçamentais como por défice de oferta.
Limitar um professor por cada estabelecimento do ensino sem o incentivo para recrutamento de novos docentes é praticar a eutanásia social no ensino superior. Parafraseando José Roberto Goldim em Eutanásia, dentro da grande categoria de qualidade de ensino quero focalizar três situações: primeiro, a grande massa de moçambicanos que, por motivos políticos, sociais e econômicos, não chegam se quer de serem estudantes universitários porque não conseguem ingressar no sistema de ensino superior; segundo, os estudantes que conseguem sê-lo, em seguida, tornam-se vítimas da fraca qualidade do ensino e, terceiro, os estudantes que acabam sendo vítimas destes por vários motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos, reproduzem as suas deficiências no país todo! A eutanásia social é uma categoria que nos permite levar a sério a maldade prestes a ser implementada pelo Ministério dirigido pelo Professor Nhambiu!
Sabe bem afirmar um Professor, uma cadeira ou um Professor, uma Universidade. Mas se olharmos para os subsistemas anteriores, digamos, do nível primário, tal já está acontecer e os resultados continuam preocupantes! Um inquérito do Banco Mundial sobre a educação em Moçambique (2015) indica que o país tem o índice mais baixo de competência dos professores incluindo elevados níveis de absentismo. Curiosamente, estes professores faltam às aulas não para lecionarem em outras escolas mas para ficarem em casa cuidando de outros afazeres.
Curiosamente não ouvi nenhuma reacção do Sindicato de Professores sobre esta medida. E 2016 é já no virar das portas. Ou será mais uma estratégia do silêncio, em que o Ministério toma a medida e todos fazem ouvidos de mercador!?
A terminar, gostaria de ressaltar dois aspectos: eu não disse que estou a favor de Professores-turbo ou contra eles. Eu, simplesmente afirmei que não devemos confundir correlação e causação. Neste caso vertente, eu disse que o governo ao confundir estes dois conceitos está assumir que a baixa qualidade de ensino superior resulta dos professores-turbo que, não tendo tempo suficiente, acabam faltando para com as suas obrigações não apenas lectivas mas acima de tudo instrutivas. Eu disse que tal não constitui a verdade, até porque a mobilidade constitui uma das características das universidades modernas. O turbo entanto que tal é resultado de contingências sociais e económicas tanto ao nível das instituições como ao da economia. A esmagadora maioria das instituições do ensino superior paga os Professores por cada aula lecionada, esquecendo que ela resulta de (a) investigação e (b) preparação, tempo gasto e não contabilizado. Na África do Sul por exemplo, os Professores universitários gastam mais tempo com (a) preparação das aulas, (b) investigação, (c) correcção de testes, (d) sessões de “coaching 1-0-1”, portanto atendimento personalizado ao estudante e só em quinto lugar (e) lecionação. E em Moçambique, qual é a distribuição do tempo de um docente? Ao pagar o docente universitário pelo tempo gasto na sala de aulas, os industriais estão a pagar apenas um quinto do esforço total!
A consequência directa desta medida é que haverá mais vagas para Professores MAS tal não significará nem qualidade muito menos exclusividade. Estes encontrarão sempre formas compensatórias do seu magro salário.
Em segundo lugar, disse que o governo precisa buscar as verdadeiras causas da fraca qualidade do ensino, partindo pelos outros subsistemas de ensino, tal como bem anotou o Professor Narciso Matos em entrevista a STV em 2014. Avançar com esta proibição é populismo. As universidades ou terão que fechas as portas, ou terão que enganar o Estado ou verão a qualidade a baixar ainda mais. Não há tantos professores assim!
Tornar o Professorado universitário uma profissão prestigiante, competitiva e de competentes é o grande desafio que, querendo, o Professor Nhambiu pode se oferecer.
Notícia original: AIM: A PARTIR 2016/MCTESP APERTA O CERCO AOS PROFESSORES TURBO
31-10-2015 17:55:06
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