O que sabia dos tanzanianos era sobretudo a sua entrega e fogosidade quando se tratasse de apoiar as suas equipas de futebol. Há-de ser por a primeira vez que ali fui ter sido em razão de um trabalho de reportagem desportiva.
Estava a acompanhar o Ferroviário de Nampula, no ano em que foi o campeão nacional, 2004, e ia medir forças com o Simba.
Sabia também do seu empreendedorismo, das poucas vezes que dão culpas a outrem, senão à si próprios, sobre o insucesso da sua vida. Cada um trabalha muitas vezes sem contar com o que os outros podem fazer por si, mesmo que esses outros sejam juntos a um grupo chamado governo.
Os tanzanianos não choram, fazem e trabalham para a sua sobrevivência, desenrascam-se, tal como os conheci, quando durante muito tempo fiquei mais vizinho deles, vivendo em Cabo Delgado, onde o cidadão tanzaniano está em todas, menos na política.
Alguns amigos receberam-me no aeroporto internacional Julius Nyerere, em Dar-Es-Salaam, sugeriram-me a hospedagem no New Bondeni Hotel, em plena avenida que no fim liga a capital do país a Murogoro, lá no norte. Mostraram-me lugares seguros para circular, como seja, os restaurantes menos suspeitos.
Acabamos decidindo por dois restaurantes: um de um iemenita de nome Saíde e outro que tinha uma servente-mor de nome Aisha. A razão foi simples. Foram as pessoas que rapidamente entenderam as minhas dificuldades de me comunicar na língua mais falada por aquelas bandas, por ser a primeira oficial, o Kiswahili. Rapidamente perceberam os meus erros e com eles quase que inventamos uma outra língua, que para mim era a mesma.
Num descampado frente ao restaurante de Saíde, que às vezes nos surpreende com motorizadas entre as mesas onde estão os clientes a servir as refeições, há sempre muitos políticos a conversar. Viaturas de alta cilindrada estacionam ali e o papo vigente era de dois dos nomes, Magufuli ou Lowassa.
Disseram-nos que Jakaya Kikwete só deixou de frequentar aquele sítio depois de eleito presidente da República. Terá havido um jornalista que depois lhe perguntou se não se lembrava de Magomeni, o seu lugar predilecto. Disse que era uma das coisas que não gostava na sua qualidade de presidente, não ir a Magomeni. Uma verdadeira célula democrática, local onde a fofoca rola célere e ninguém pergunta a ninguém de que partido é.
Foi aqui onde soube que um dos meus guias, Babu Azize, era ferrenho do Chama Cha Mapinduzi, mas nem por isso se redimia em me dirigir a indivíduos da oposição e me fazia chegar a jornalistas considerados críticos ao governo, pois eu precisava de ouvir a toda essa gente.
Quando o pedi para que me indicasse quem era do Ukawa, de quem queria ouvir das suas expectativas, dirigiu-me a Ali Kondo, um seu parente directo, porém, adversário político, que me desfilou um sem número de críticas ao governo do CCM e no fim disse, apontando para o meu guia, estes vão perder!
No mesmo quarteirão, Azize leva-me para um carreiro que nos dirigia a uma casa onde me apresentou uma anciã, literalmente grisalha e disse: é minha avó! Desejei-lhe tudo de bom na vida, por ter uma pessoa na família com aquela longevidade. Saquei do meu bolso 10.000 Shillings, para depois lhe informar que para além de ter perdido os pais, há muitos anos, nunca tinha visto nem avó nem avô.
Identificou-se como Mariamo Kondo, o que me suscitou uma curiosidade, se tinha algo a ver com o político do Ukawa. Disse sim, tinha familiares nos maiores partidos existentes, mas nem por isso representava algum problema, porque a convivência era salutar. Era desporto dos políticos.
Entendi, então, porque é que, mesmo no hotel Bondeni, assistia a discussões acirradas de índole politico, em que cada um dizia a quem defendia, mas já no dia 26, imediato à votação, o convívio era outro, Entendi, então, onde residia aquele civismo que levou a que no dia seguinte às eleições as pessoas estivessem caladinhas como se nada tivesse acontecido.
Os adversários políticos convivem, tanto no já referido largo de Magomeni, como na família, não se dão nomes nem epítetos, não se preocupam em falar mal da história de cada um, porque, segundo aprendi, as eleições são o desporto dos políticos.
Apeteceu-me levar dois exemplares de políticos moçambicanos para ali serem reeducados: um da bancada da Frelimo e outro da Renamo (sabem quem são?), para um rito de iniciação que os levasse a saber o que o eleitor não quer ouvir.
Pedro Nacuo
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