segunda-feira, 2 de novembro de 2015

MEDIDA DEMAGÓGICA DO MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

ENSINO SUPERIOR E TÉCNICO-PROFISSIONAL

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Centelha por Viriato Caetano Dias (viriatocaetanodias@gmail.com )
 “Se você pede chuva, tem que aguentar a lama também.” Anónimo
Ser docente é como praticar a agricultura tradicional; empobrece-se alegremente por acreditar em utopias consoladoras no princípio, mas sepultadoras no fim.Em qualquer esquina ouve-se 'bom dia/boa tarde/boa noite doutor'. Alegramo-nos apenas, sem ter em conta que as saudações e reconhecimentos sociais não anulam a fome estomacal.” Extraído de uma conversa com o amigo e poeta Nkulu.
Quando não se conhece a raiz do problema, porque é mais fácil pescar em águas límpidas que turvas, alguns políticos inventam soluções precárias que roçam a demagogia. Um dirigente que não consegue encontrar antídotos adequados para curar a sezão (doença) que afecta o seu pelouro, está proibido, do ponto de vista legal, de tomar decisões néscias que mexem com a estrutura de uma sociedade.
O sector da educação é, indubitavelmente, uma dessas estruturas que suporta qualquer sociedade por ser a geradora e portadora da transmissão do conhecimento.
Vem este intróito a propósito da decisão do Ministério da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico-Profissional (MCTESP) que, reunido no seu primeiro Conselho Coordenador, realizado na Vila Municipal da Manhiça (Província de Maputo), de 28 a 30 de Outubro do ano em curso, decidiu impedir que os docentes universitários possam, a partir de 2016, leccionar em mais de uma das diversas instituições de ensino superior existentes no país, devendo, portanto, dedicar-se única e exclusivamente à instituição onde está vinculado e cadastrado.
Esta medida, no entender do MCTESP, visa, por um lado, impedir a proliferação de “docentes turbos” e, por outro, garantir a qualidade do ensino.
Eu que raramente ando distraído (a distracção e a precipitação são a morte dos fazedores da opinião pública), não me lembro de nenhum estudo elaborado pelo MCTESP para apurar a qualidade de ensino nas instituições do ensino superior públicas no país. Admira-me como é que o MCTESP toma medidas restritivas, meramente populistas, contra os docentes universitários, ignorando a raiz do problema. Infelizmente, no nosso país é normal discutir-se a doença e não a causa.
Se a qualidade do ensino no país é baixa, então é necessário analisar o problema a partir da fonte, observando, por exemplo, quatro primas: (i) políticas educacionais; (ii) orçamento das universidades; (iii) qualidade dos docentes; (iv) perfil dos estudantes. É um facto que o sector da educação está à deriva.
Há muito que os pelouros do ensino, nomeadamente Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) e MCTESP andam a testar políticas que não produzem resultados satisfatórios.
O que devia ser da inteira competência dos gestores da educação foi empalmada pelos gestores políticos. Assim, as políticas educacionais são caracterizadas por um falso triunfalismo, baseadas em estatísticas que são muitas vezes usadas para fins eleitoralistas. Para os gestores políticos a preocupação são os números de escolas, universidades, docentes, em detrimento do conhecimento que é pouco valorizado, pois parte-se do princípio de que o tempo proverá. As universidades e os professores só formam aquilo que os políticos querem que seja matéria de aprendizagem dos alunos.
O segundo prisma tem a ver com a insignificância do orçamento das universidades.
A educação é caríssima e exige meios adequados e capital humano profissionalizado. Assim como a paz, a educação é dispendiosa, mas indispensáveis para o Homem. Se não investirmos nelas, incondicionalmente, perderemos a nossa soberania nacional.
Aqui, não consigo esconder o meu desabafo: gasta-se mais dinheiro em alimentar deputados que se digladiam por assuntos pessoais, no lugar de apetrechar escolas e universidades. No nosso país, salvo raras excepções, as universidades são apenas letras mortas que carregam consigo múltiplos problemas.
A falta de livros, laboratórios, impressoras, viaturas, carteiras, incluindo pagamento de horas extras ao corpo docente, etc., não só comprometem a qualidade do ensino, como carcomam o desenvolvimento socioeconómico do país. O orçamento não chega para interpretar fenómenos naturais e humanos, tornando, destarte, as universidades locais onde não há questionamentos sociais, mas sim repetição de informações questiúnculas.
Sim, concordo com o MCTESP, apenas neste ponto: há professores mercenários e maquiavélicos. Culpado disso é senhor Luís Vaz de Camões que morreu sem nunca definir com clareza o conceito de professor. Hoje, qualquer escumalha (basta ter concluído o ensino superior) torna-se docente. Neste ponto, o meu amigo Nkulu é bastante crítico ao afirmar que “Na educação, na universidade, a docência não deve ser lugar 'Arca de Noé'. Devem ser docentes aqueles que demonstrarem integridade científica e éticaSão ideias modestas de quem quer apenas o país na boa estrada, consciente de que cria muitos adversários”.
É este ponto que o MINEDH e o MCTESP devem atacar, expurgando da docência os salafrários e candongueiros que envergonham a classe. Conheço tantos docentes que ostentam títulos académicos de “professor doutor” sem nunca ter produzido um único artigo científico. Falam e escrevem porcamente a língua de Camões. Estão na docência para manter o status quo, mas de docente só têm o nome. São profissionais medíocres nas instituições onde estão vinculadas, demasiadamente péssimos nos estabelecimentos de ensino e nulos para a sociedade. São os ditos intocáveis na política e azelhas em tudo o que fazem. Lamentavelmente, o MCTESP optou por uma medida draconiana que afectará, decerto, os docentes honestos que partilham conhecimentos com estudantes de várias universidades. Esta decisão, convenhamos, empobrecerá ainda mais a vida desses docentes que trabalham dia e noite para corrigir as estatísticas negativas. Ao empobrecer a vida desses docentes, a qualidade de ensino atingirá o fundo do poço.
O problema não está no facto de um docente dar aulas em duas ou três universidades – isto é bom porque enriquece o currículo do docente e dinamiza o processo de ensino e aprendizagem – e sim a sua competência, profissionalismo e honestidade. Um médico não deixa de ser bom médico porque exerce a medicina em dois hospitais.
Da mesma forma que um docente não deixa de ser bom profissional por exercer à sua actividade em duas universidades. A mezinha (remédio) que administrais contra os docentes, senhores decisores do MCTESP, pode ser tão forte que acabará por matar o doente (docente). Muitas vezes, enganamo-nos com teorias que podem fazer bons diagnósticos da doença, o que não significa a cura da mesma.
Quarto e último prisma: O perfil de estudantes que temos. Quem são? Donde vem? Como vivem? Como estudam? Que motivações carregam?
Estas perguntas devem ser respondidas para perceber a questão da qualidade do ensino. Questões económicas, financeiras e psicológicas, como a falta de bolsas de estudo, meios de aprendizagem e traumas da guerra, etc., afectam o aproveitamento pedagógico dos estudantes. E por mais que o docente intervenha, descarregando à sua motivação,  não conseguirá alterar o cenário da falta de qualidade em apenas um ano. Desconheço se alguma vez houve, nos estabelecimentos de ensino, estudos para perceber o nível de vida dos estudantes. A qualidade de ensino não pode atingir níveis satisfatórios quando persistem problemas estomacais e conflitos internos no país.
Que medidas deviam ter sido tomadas pelo MCTESP? Passo a elencar algumas: (i) aumento substancial de salários dos professores; (ii) assinatura de contratos de exclusividade entre as universidades e os docentes, garantindo salários elevados e melhoria de condições de trabalho dos docentes; (iii) garantir a contínua formação psicopedagógica dos docentes; (iv) a educação deve ser não só obrigação do Estado, mas também das famílias, (v) apostar a formação no ensino primário, etc., etc., etc. Zicomo (obrigado).
WAMPHULA FAX – 03.11.2015

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