Parlamento obstruído e PR em “colete-de-forças”?
Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Moçambique, com o Orçamento Geral do Estado deficitário e dependente de doações externas, tem a obrigação de travar a onda despesista que se regista.
A funcionalidade governativa e parlamentar são uma exigência de primeiro plano.
Todo o formalismo existente no que se refere aos órgãos que compõem o quadro dos poderes democráticos torna-se um simulacro da verdade se não funcionam em pleno e com a qualidade transformadora que os cidadãos governados esperam.
É lamentável e chega a ser criminoso alimentar centenas de pessoas num parlamento que pouco produz que seja de interesse nacional.
Uma forte disciplina partidária reina no seio dos deputados, coarctando as suas intervenções, mesmo quando bem-intencionadas e de interesse nacional.
Quem ganha principescamente e continua a exigir melhorias e aumento das suas regalias e mordomias deveria estar trabalhando proactivamente na defesa daqueles que são os elementares e legítimos interesses dos representados.
Eleitos através de listas partidárias, os nossos deputados, por mais bem-intencionados que sejam, acabam por cair nas malhas tecidas e decididas ao nível dos seus partidos. Cada vez que se reúne o parlamento, é tempo perdido e um dispêndio de recursos, porque este órgão não consegue trazer a público resultados palpáveis. A sua missão fiscalizadora, um dos pilares de sua existência, não se verifica. Daí que as instituições governamentais “navegam contra rochedos”. Daí que tudo o que é empresa pública está alegadamente em falência técnica. Daí que a corrupção substituiu a qualidade no Sistema Nacional de Saúde e no Sistema Nacional de Educação.
Esta opinião não se pretende pessimista nem é uma acusação sem bases.
Milhões de moçambicanos vivem de forma indigna para seres humanos. Fome, doenças, água não potável, educação sem qualidade e centros de saúde sem medicamentos não são uma falácia, mas a realidade que é sentida por milhões de compatriotas.
De forma subtil e insidiosa, os avanços alcançados em alguns sectores estão sendo diluídos por uma avalanche de corrupção a todos os níveis.
Este país transformou-se num “enorme pasto onde os cabritos não estão amarrados mas soltos e comendo a seu bel-prazer”.
É uma vergonha que deputados de nossa Assembleia da República estejam sujeitos a uma disciplina partidária que paralisa o país e que desse comportamento ou procedimentos não resultem ganhos para os cidadãos representados por estes tão dispendiosos deputados.
Quando apreciado de uma forma fria e rigorosa, temos um parlamento que é uma mascarada, um carnaval parlamentar, de figurantes muito bem trajados e perfumados. De substância ou de conteúdo, a maioria deles é manifestamente medíocre ou sofrível, e isto é somente uma constatação relacionada com a sua produção.
Longe de nós difamar ou catalogar os nossos deputados. Há poucas excepções. E isso corresponde ao modo como são feitas as coisas no país em geral. Onde não há meritocracia, acaba reinando e imperando a mediocridade.
A nossa Assembleia da República pretende-se parlamento digno, mas a sua actuação revela precisamente o contrário. É, na pompa e circunstância emprestada aos seus actos, similar a outros parlamentos dignos desse nome, mas tudo se resume só a isso. Quando é para trabalhar e para agir proactivamente, nada se verifica. Têm “dossiers” muito importantes na sua posse, mas não deliberam e, quando o fazem, o Executivo simplesmente ignora o que tenham deliberado. As suas comissões de trabalho são a personificação da inutilidade. Andam anos e anos produzindo quase nada, mas, ao mesmo tempo, não se cansam de recolher mordomias e regalias proibidas para a maioria dos cidadãos a quem “representam”.
Não se tenha dúvidas de que é da génese doentia de nosso parlamento de onde advêm os seus inúmeros problemas.
Quando as listas partidárias que chegam a ser votadas são submetidas a processos obscuros e fraudulentos, os votados acabam por desapontar. Quotas por género e outras pré-definições minam a qualidade dos futuros deputados.
Quando este parlamento tem oportunidade de ser relevante, é-lhe imposto um “pacote de instruções” de concepção partidária que tira a possibilidade de um actuar em consonância com a consciência dos deputados e o interesse dos cidadãos.
Não é basicamente por falta de especialização ou de conhecimentos que os deputados não possuem iniciativas legislativas.
Eles não produzem porque o sistema montado é exactamente para eles se limitarem a cumprir ordens emanadas dos centros de decisões dos seus partidos.
Não nos podemos cansar de referir que o nosso ordenamento político-parlamentar precisa de incorporar elementos altos de moral e ética.
Não nos podemos cansar de sonhar e de desejar que a normalidade governativa e parlamentar se estabeleçam no nosso país. É parte dos direitos políticos dos cidadãos serem governados e representados por gente com perfil adequado e correspondente aos desafios que o país enfrenta.
Não nos podemos cansar de exigir trabalho com qualidade da parte dos nossos deputados.
Quem se sacrifica para que tenham salários muito acima da média são milhões de indigentes.
Importa que não nos iludamos ou que não tenhamos falsas expectativas dos nossos deputados.
Eles pertencem a um órgão que foi concebido como parte de uma máquina cosmética. A pretensão de quem concebeu o modelo nunca foi tirar poder ou iniciativa ao Executivo estreitamente controlado pelo partido no poder.
Um órgão na verdade subordinado ao centro de poder do partido vencedor das eleições pouco ou nada tem a decidir. É um parlamento de pacotilha destinado a carimbar as iniciativas legislativas do Executivo.
Por isso, se queremos ver os problemas político-militares actuais resolvidos, se queremos ver as reclamações da oposição, face ao desfecho das eleições de Outubro de 2014, resolvidas, temos de esperar que haja sensatez e patriotismo da parte da Comissão Política da Frelimo, onde repousa o poder real.
Alguém tem de dar o dito por não dito naquele nível, e daí saírem instruções concretas, para a “maioria parlamentar” votar pelos interesses nacionais e não pelos interesses patrimoniais em jogo.
A nulidade das conversações que decorriam no Centro de Conferências “Joaquim Chissano” acaba revelando-se quando chega à altura de decidir por algo com substância e impacto no desanuviamento do ambiente político no país.
Moçambique precisa de reinventar-se e ver os seus filhos tomando conta do destino comum. Não se pode permitir que um grupo de “aves de rapina”, independentemente do passado que tenham, se apodere do país e dos seus órgãos deliberativos para benefício das suas agendas pessoais.
Mais do que uma crise pós-eleitoral, Moçambique vive uma crise patrimonial ou uma situação em que um grupo historicamente influente vê os seus interesses em perigo. O que fazem na arena político-eleitoral, no parlamento, nos órgãos de consulta do PR, no sistema judicial, nas finanças e banca é tudo para calafetarem e blindarem tudo a seu favor.
O resto é fumaça para distrair a população. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 03.11.2015
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