Tuesday, October 27, 2015

O "Gulag Angolano" (ii)

domingo, 25 de outubro de 2015

«25 de Abril»: a Fatal Derrocada (i)

Escrito por José Dias de Almeida da Fonseca









«P. - Em "África. A Vitória Traída", obra de V. Ex.ª e de outros três generais, pretende-se provar que a guerra em África não estava perdida. O livro foi discutido e criticado mais emocionalmente do que factualmente, ao que parece. E continua a sublinhar-se o elevado custo da guerra, as perdas de vidas, as de portugueses e guerrilheiros. Por outro lado, parece que a descolonização, exemplar ou não, provocou mais vítimas fora ainda, evidentemente, as suas consequências futuras com o prolongamento da guerrilha, em Angola, e dificuldades que, segundo alguns, se registam no caminho da normalização noutros territórios antes portugueses. A sua opinião sobre o problema? Ou será que, na realidade, é muito cedo para escrever a História?...

R. - Em "África. A Vitória Traída" repõe-se com números, que ninguém contestou, e factos relatados pelos chefes militares mais qualificados para o efeito, verdades que andavam monstruosamente deformadas. Não é mais possível empolar-se, sem demonstrar ignorância e má fé, os custos financeiros e humanos da guerra, ou a fuga dos mancebos pela impopularidade daquela. E se se comparar os custos financeiros e humanos da guerra com os mesmos custos da "paz" trazida pelo 25 de Abril, sem a restritiva óptica racista que explica muito do que se passou, e ficou consolidada na incrível lei da nacionalidade, fica-se horrorizado com o preço daquela "paz". Ouçam-se as vítimas que por aí andam, juntem-se as vítimas que deambulam por Angola, Timor, Moçambique, Guiné... some-se a tudo o comportamento indecoroso para com os soldados e as populações vitimadas por sempre se terem considerado portugueses. E não haverá arte, subtileza, ou habilidade, capaz de camuflar o horror provocado. E a haver inteligência que tente justificação, a não a admitirmos conduzida por razões menos transparentes, temos de lhe atribuir insensibilidade e, ou, irresponsabilidade.

Que a guerra não estava perdida em 25 de Abril, já hoje ninguém, medianamente informado, duvida. Como praticamente todos sabem que, em Angola, a vitória estava à vista. Quanto ao resto, é como se prova em "África. Vitória Traída". Os que andaram pelo Ultramar e os que por lá combateram sabem que era assim... E daí o sentimento generalizado de vergonha, arrependimento e frustração de muita gente boa que hoje sabe ter sido objecto de manipulação com o 25 de Abril.

P. - Um fenómeno curioso e sobre o qual gostaria de escutar a sua opinião. Depois da indisciplina reinante nas Forças Armadas Portuguesas, durante o período conturbado que terminou com o "25 de Novembro", o respeito pela hierarquia e pela disciplina regressaram progressivamente aos quartéis e creio que se reimplantaram entre a maior parte da oficialidade. Porque foi suspenso após o "25 de Abril"? Culpa dos soldados, até aí e hoje de novo obedientes, dos soldados que não quiseram combater, diz-se, assim que deflagrou a Revolução de Abril?


R. - A destruição da Instituição Militar fez parte da estratégia utilizada para, com o 25 de Abril, se perder o Ultramar, que acabou por cair em órbita soviética. Consumado o abandono de Angola e tentada, sem êxito, a conquista do poder pela força, a acção sobre a Instituição Militar deixou de se poder exercer com a mesma intensidade, e perdeu mesmo parte do seu interesse. As circunstâncias referidas, abandono de Angola e 25 de Novembro, com certa limpeza militar decorrente deste, levaram a uma melhoria indubitável da disciplina exterior das nossas Forças Armadas. Mas a destruição da estrutura da Instituição encontra-se, por muito tempo, consumada. Com raras excepções, o melhor dos excelentes quadros que possuíamos, nas hierarquias mais elevadas, foram objecto de uma odiosa purga, entre nós sem precedentes. Antes que novos quadros estejam preparados (o que não acontecerá com graduações e promoções por distinções... política de quadros jovens, que globalmente e com poucas excepções, se revelaram maus), oxalá não seja necessário recorrer a novo Conde de Lippe para restaurar o que programadamente foi destruído...».

Entrevista de Silvino Silvério Marques concedida a J. N. Pereira da Costa, publicada no semanário «O País», de 11 de Novembro de 1977 (in Silvino Silvério Marques, «Portugal e Agora?»).








General Silvino Silveira Marques





«Decorrida uma década sobre o "25 de Abril", escrevi o seguinte:

Quando surgiu o 25 de Abril, não foram poucos os que previram que dele resultariam dificuldades maiores para o País metropolitano e ultramarino e para os portugueses de todas as condições e das diversas etnias.

E quando se tornaram conhecidos os seus principais autores e seguidores, aquela previsão transformou-se, para as mesmas pessoas, em certeza, na certeza daquelas dificuldades maiores.


Além disto, alguns, logo ou depressa, se aperceberam da projecção do 25 de Abril no conjunto da África Austral e dos gravíssimos problemas de tal resultantes para todo o Ocidente.


Hoje - ano de 1984 -, decorridos dez anos do processo ainda em curso do 25 de Abril, a previsão e a certeza em causa foram confirmadas e ultrapassadas pelos factos.


Todos, no Portugal de agora - situados no Poder e nos partidos ou fora deles; no Estado, nos organismos públicos ou entre os privados; no patronato, nos sindicatos ou noutros parceiros sociais; na classe política ou entre os não políticos; dos mais à direita até aos mais esquerdistas -, todos, no Portugal de agora, consideram e proclamam ter-se factualmente atingido uma situação nacional de emergência, uma situação de pré-desastre nacional.


Todos igualmente sabem ser um facto que, em Angola e Moçambique, o desastre se consumou, transformando estes territórios em espaços de opressão, miséria e sofrimento, onde, em consequência, se instalou uma luta violenta e cada vez mais generalizada.


E todos observam ainda que, na África Austral, se multiplicam os factos de cariz anti-ocidental e que, por força deles, grave conflito tende a intensificar-se e a agudizar-se, gerando um clima de desastre.


25 de Abril não deu pois somente lugar a dificuldades maiores, mas produziu realmente graves situações de desastre potencial ou efectivo.


Porém, o que deixa as pessoas, clarividentes e sãs, inteiramente atónitas é a circunstância dos autores e seguidores do 25 de Abril, ao proclamarem, conhecerem e observarem as calamidades daquele resultantes, o fazerem ingénua e candidamente, como se não estivessem, inseridos no processo, como se responsabilidade alguma lhes coubesse, como se esta responsabilidade fosse total e exclusivamente de outros.


Que se passa com tal gente? Obscurantismo? Paixão? Fanatismo? Oportunismo primário? Medo de culpa enorme? Apenas erro imenso?


Talvez um pouco de tudo, mas por certo, básica e simplesmente uma total carência de altura espiritual, que os inibe, que os torna incapazes de uma tomada de consciência, de um remorso, de um "mea culpa" histórico.


De um "mea culpa" na dimensão da desagregação quase completada de uma Pátria gloriosa com mais de oitocentos anos, na dimensão do retrocesso em séculos de territórios em progresso espectacular, como Angola e Moçambique, e na dimensão de problemas maiores criados na África Austral à civilização mais avançada e apurada que desde sempre existiu - a Civilização Ocidental.


Um "mea culpa", em verdade, a nível da grande História.



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Vista aérea da pista de Santa Eulália (Angola).




Avião Nord Atlas, conhecido por barriga de ginguba, a levantar da pista de Santa Eulália.













































































Ao centro: General Spínola




Marcello Caetano discursa perante Generais (1973).




Costa Gomes e o General Spínola aquando da proclamação da Junta de Salvação Nacional (26 de Abril de 1974).












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(...) O General António Spínola, Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, publicou, em Fevereiro de 1974, um livro intitulado "Portugal e o Futuro".

O texto do livro tinha sido aprovado, com elogio, pelo General Costa Gomes, Chefe do mesmo Estado-Maior, e a sua publicação foi previamente autorizada pelo Dr. Silva Cunha, Ministro da Defesa Nacional, com conhecimento do Prof. Marcello Caetano, Presidente do Conselho de Ministros.

Naquele texto, evidenciava-se a incoerência do autor, segunda Autoridade Militar do País, com a concordância da primeira Autoridade Militar do País, ao mostrar não acreditar e ao considerar não ser possível o sucesso militar português em África. Assim, o Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, apoiado pelo Chefe do mesmo Estado-Maior, estava, insiste-se, incoerentemente, a dizer - aos militares deles dependentes e que se batiam em Angola, em Moçambique e na Guiné - ser o seu esforço e, porventura, o seu sacrifício inúteis e sem sentido. A expressão pública desta opinião, por um chefe militar, mesmo que correspondesse à realidade - o que não acontecia - exigia a sua demissão prévia e voluntária.

Este facto conduziu à exoneração compulsiva de Spínola e de Costa Gomes das suas funções no Estado-Maior General das Forças Armadas. E foi uma das causas do pedido de demissão de Marcello Caetano das funções que exercia de Presidente do Conselho de Ministros, apresentado ao Almirante Américo Thomaz, Chefe do Estado, em 11 de Março de 1974.

O livro em questão, "Portugal e o Futuro", foi certamente uma das causas próximas da queda, em 25 de Abril de 1974, do regime político vigente em Portugal.

(...) O Governo teve muito cedo conhecimento do movimento dos capitães, depois Movimento das Forças Armadas. Teve conhecimento do progresso deste MFA; do seu comandamento, a partir de certo momento, parcial mas muito efectivo, quer por portugueses apóstatas e traidores, quer por estrangeiros inimigos de Portugal; e dos seus objectivos, incluindo a entrega do Ultramar. E teve conhecimento das ligações que os Generais Costa Gomes e Spínola com ele mantinham, sendo até o Presidente Marcello Caetano prevenido de que esses Generais o iam visitar - o que fizeram - com a intenção de lhe dirigirem convite - o que se não sabe se se concretizou - para encabeçar o mesmo MFA.


Para cúmulo de explicitação, verificou-se, como reacção à exoneração compulsiva daqueles Generais das suas funções no Estado-Maior General das Forças Armadas, em 14 de Março de 1974, a revolta falhada de 16 do mesmo mês. Esta revolta constituiu aviso supremo e deveria ter sido motivo e pretexto para chamar à razão e às suas responsabilidades nacionais - ou, se necessário, neutralizar - aqueles dois Generais e todos os oficiais promotores do MFA que se presumisse continuassem a agir contra a Nação.

Mas, por razões ainda não cabalmente explicadas, e muito menos justificadas, o Governo, desde o início apático, acabou por adoptar uma atitude de grande passividade para com os referidos Generais e oficiais do MFA, deixando-lhes toda a liberdade de actuação. Esta passividade foi tal que não poucos admitiram tratar-se de cumplicidade. O que pode dizer-se é que pelo menos houve cumplicidade inconsciente.

Repetia-se, porém, agora em situação muitíssimo mais grave, a benevolência havida com Costa Gomes em Abril de 1961.

Esta passividade e cumplicidade, pelo menos inconsciente, foi com certeza uma outra causa próxima da queda, em 25 de Abril de 1974, do regime político vigente em Portugal».

Kaúlza de Arriaga («Guerra e Política. Em Nome da Verdade. Os Anos Decisivos»).
















Kaúlza de Arriaga na Barragem de Cabora Bassa (Moçambique).

























«O Senhor Dr. Freire Antunes, muito recentemente, em artigo publicado no jornal Diário de Notícias, diz-nos que, segundo René Pélissier, investigador da História Angolana, "a UPA não tinha, em 1961, uma estratégia nacional, mas uma estratégia meramente tribal para os povos de Bacong e Dembos".

Não nos diz o Senhor Dr. Antunes, nem o Senhor Pélissier, quem financiou este grupo terrorista, mas sabem, com certeza, que foi especialmente a Fundação Ford sob o alto patrocínio dessa sinistra figura que foi a Senhora Eleanora Roosevelt, a mulher do Presidente que entregou metade da Europa ao goulag soviético.

A partir de todos estes auxílios e após muitos anos de luta armada sem conseguirem os seus objectivos — os grupos terroristas estavam na iminência de depor as armas — compreenderam que só com uma acção em Lisboa, conseguiriam alcançá-los.

A dificuldade, porém, com que tinham deparado, noutras tentativas fracassadas, era a de não terem encontrado, nem terem conseguido promover, um descontentamento, que é sempre o ponto de partida para qualquer acção de subversão política. Tinham tentado criá-lo, várias vezes, ao longo de anos, mas sem êxito. O aproveitamento do descontentamento entre os oficiais veio dar-lhes a oportunidade de, a partir dele, conseguirem em Lisboa o que não tinham conseguido com o terrorismo no Ultramar.

(...) As Forças Armadas, por outro lado, estavam na sua quase totalidade, nos territórios ultramarinos. Na Metrópole estavam sobretudo generais na Reserva, oficiais instrutores e recrutas.

Vejamos o que nos diz um órgão da imprensa estrangeira, sobre esta franja não operacional das Forças Armadas.

"Resta apenas o problema da NATO: Spínola promove o contacto com o próprio Secretário da Nato, Joseph Luns, [através] de um dos seus amigos da Finança — o Director dos Estaleiros Navais Portugueses, Lisnave, Thorsten Anderson — que participa em Megève, França (de 19 a 21 de Abril) numa misteriosa reunião de importantes homens da política, da diplomacia e do mundo dos negócios internacionais reunidos num igualmente misterioso clube: o Clube de Bilderberg. 

De 19 a 21 de Abril, Megève é zona vigiada pela polícia francesa como se o visitante fosse um Chefe de Estado. De facto, no Hotel Mont Arbois, propriedade de Edmond Rothschild, reúne-se a flor e a nata da política e das Finanças ocidentais. A reunião é discreta, à porta fechada: os jornalistas não falarão dela; mas é ali que será decidido o destino do mundo ocidental. Desde 1954, e do dia da primeira reunião no Hotel Bilderberg, na cidade holandesa de Oosterbeek, sob a presidência do Príncipe Bernardo da Holanda, que os homens mais influentes do Ocidente se reúnem anualmente para estudar a situação 'política e financeira e estudar ou aprovar programas para o futuro'. 


Bastam os nomes dos participantes daquele ano na reunião do Clube para que possa compreender-se a sua importância. São os seguintes: Nelson Rockefeller, Governador do Estado de Nova York; Frederick Dant, Secretário Norte-Americano do Comércio; General Andrew Goodpaster, Comandante das Forças Aliadas na Europa; Denis Healey, Ministro da Fazenda inglês; Joseph Luns, Secretário Geral da NATO; Richard Foren, Presidente da General Electric na Europa; Helmut Schmidt, Ministro da Fazenda alemão, actualmente chanceler, após a demissão de Brandt; Franz Joseph Strauss, definido como homem de negócios alemão; Joseph Abs, Presidente do Deutsche Bank; Guido Carli, Governador do Banco de Itália; Giovanni Agnelli, Presidente da Fiat; Eugénio Cefis, Presidente da Montedison e além destes Thorsten Anderson, homem de negócios português que sonda Joseph Luns sobre as possíveis reacções da NATO perante a possível mudança de regime em Lisboa. 








Joseph Luns




1.ª reunião do Clube de Bilderberg, realizada entre 29 e 30 de Maio de 1954.





A resposta de Luns, certamente positiva, vem a ser confirmada pelo comportamento, já citado no início, dos navios da NATO defronte da capital portuguesa durante as primeiras horas do golpe de Estado. A sua presença actuou como um silencioso dissuasor contra quem, entre os generais ultras, tivesse tentado opor resistência a Spínola. Os generais sabem da presença dos navios e sabem muito bem interpretar a sua saída de Lisboa na madrugada de 25 de Abril. É evidente que a NATO julga saber quem são os iniciadores do movimento, conhece o seu programa e aprova-o. A reunião do Clube de Bilderberg cumpriu os seus objectivos e neste momento Spínola tem o caminho livre". 

O Poder político, por outro lado, estava nas mãos de um homem fraco, hesitante e pressionado pelos que viam na Europa do mercado comum a solução para todos os problemas pessoais e nacionais, dominados por uma estranha mística de Terra Prometida, donde esperavam que um fácil maná viesse alimentar os seus apetites, insuficiências e vaidades. Para todos eles os territórios ultramarinos eram o único obstáculo à realização dos seus sonhos europeus. Muitas vezes me disseram que entre os marcelistas se afirmava que era preciso abandonar o Ultramar a qualquer preço. Não me surpreende que tenham vindo a desempenhar um papel de relevo na descolonização exemplar, como, impudicamente, alguém chamou ao vergonhoso e sangrento abandono do Ultramar.

Não me surpreende, na verdade, porque quando o chefe é fraco, tudo à sua volta enfraquece. Por isso mesmo não foi necessário derrubá-lo. Apenas caiu.

(...) Tive conhecimento, em Madrid, através de um oficial que na altura prestava serviço no Quartel do Carmo, que o Prof. Marcello Caetano, logo que entrou, se dirigiu ao Gabinete do Comandante, que ocupou, dando ordens terminantes para que, em circunstância alguma, o interrompessem, tendo fechado a porta à chave. Esteve horas ali dentro, sem contactar com os ministros que o tinham acompanhado, até ao momento em que o General Spínola chegou ao quartel para o proteger de arruaceiros a soldo, que na rua o ameaçavam.

Soube depois, por outra via, que o Comandante Geral da Legião Portuguesa, General Castro, fora uma das pessoas por ele contactadas, tendo-lhe dado ordens para desarmar e dispersar o batalhão que estava no momento a ser municiado. É de presumir que tenha contactado outras entidades militares, dando-lhes instruções para não intervirem. Nesta altura ainda devia estar convencido de que o movimento se fazia a seu favor, o que lhe iria permitir libertar-se do Ultramar, ideia antiga que o obcecava e não conseguira até ali levar a cabo.

Mais tarde, em Espanha, viria a saber pelo Eng. Santos e Castro, que o Presidente do Conselho, quando o convidou para desempenhar as funções de Governador Geral de Angola, lhe dissera que ia com a missão específica de preparar, o mais brevemente possível, a independência do território, informando-o de que igual incumbência fora cometida ao Dr. Baltasar Rebelo de Sousa em relação a Moçambique.

Não tenho dúvidas de que na sua intenção estava a preparação de independências inspiradas no modelo da África do Sul.

Simplesmente o projecto do Professor não estava de acordo com o plano americano-soviético, aprovado na Conferência de Bilderberg, pelo que não passou de um ingénuo útil, mais um, a servir interesses hostis aos de Portugal.

Pelo que ficou dito poderá o leitor melhor avaliar da importância que certamente teve aquela reunião do Clube de Bilderberg na eclosão e desenvolvimento do 25 de Abril e sobretudo tomar consciência das vezes sem conta, quando insuficientemente informados, em que tomamos a aparência pela realidade. Por isso não deve ter sido difícil ao embaixador do CFR, Carlucci e seus ajudantes, aconselhar os nossos aprendizes de feiticeiro a seguir-lhes as sugestões de que dependiam os seus futuros políticos que talvez se possam reduzir a uma só: não façam nada que contrarie o projecto do Governo Mundial, porque nele está a Esperança e fora dele a Tragédia.
















Costa Gomes, Gerald Ford e Henry Kissinger. Ver aqui



Costa Gomes nos jardins da Casa Branca, com Gerald Ford, Henry Kissinger, Mário Soares, Hall Themido, entre outros (Outubro de 1974).

O Partido Comunista, por outro lado, o único com quadros bem preparados, apesar da massa militante ser de terceira categoria, o que o impediu de ir mais longe na destruição do País, conseguiu, no entanto, em curto espaço de tempo, ocupar posições-chave que lhe permitiram lançar a confusão generalizada, utilizando técnicas bem conhecidas dos especialistas na manipulação de massas. 

Tudo estava bem estudado e planeado para preencher com a desordem, a intimidação e a arbitrariedade, o vazio do poder.

Surpreenderam-se muitos comentaristas da imprensa internacional que num País com uma História tão antiga e tão rica como a portuguesa, fosse possível a desordem manter-se durante tanto tempo e durante ela os portugueses assistirem impassíveis à sua auto-destruição, se não mesmo a aplaudi-la».

Fernando Pacheco de Amorim («25 de Abril. Episódio do Projecto Global»).


«E o meu último erro, também antes do "25 de Abril", foi certamente o de ter acreditado nos militares de alta hierarquia com quem havia concertado a actuação de tropas da sua linha de comando, no próprio dia do golpe revolucionário de "25 de Abril"».

Kaúlza de Arriaga («Guerra e Política. Em Nome da Verdade. Os Anos Decisivos»).


«Kaúlza De Arriaga c'est un caractère et une légende. Pour ses adversaires il fait figure de "Massus" portuguais. A dire vrai, cet homme de cinquante-six ans, cultivant avec beaucoup d'art le sens des relations publiques nous a paru plus fin, plus intelligent que Massu. Géneral victorieux dans le nord, n'ayant pas encore forcé et scellé la décision à Tete, à Kaúlza de Arriaga pourrait s'appliquer le mot e Barrès: "Il y a toujours de la cervelle dans le pommeau d'un sabre».

Luc BEYER de RYKE, le 25 septembre 1973 (in «L'Outre-Mer Portugais en Procès»).


«Para Almeida Santos o documento de Mombaça "continha o essencial do texto, só formalmente não acabado, que viria a converter-se no acordo assinado na Cimeira do Alvor". Fora apenas submetido a um "simples ajustamento de forma". O papel dos negociadores nacionais tinha sido tão irrisório que até se poderia dizer que a "participação dos responsáveis políticos nas negociações do Alvor" tinha sido "uma participação chancelar": a delegação portuguesa limitara-se "a pôr em bom português o texto que de Angola veio". O Acordo tinha sido o que os líderes angolanos "quiseram que fosse" e a "pressa com que foi negociado" demonstrara "a urgência" que tinham "em se verem livres de nós". Tinha havido pouco tempo "para tudo fazer", o que "levou a que praticamente se não tivesse chegado a fazer nada". Gonçalves Ribeiro não considera que o texto do Alvor seja um mero decalque do Acordo de Mombaça porque (como as actas atestam) ao longo das reuniões "foi sendo sucessivamente ajustado às sensibilidades, percepções, vontades e credos de cada uma das partes".


Acordo do Alvor: delegação 'portuguesa'


(...) Os mais satisfeitos com o Acordo eram os militares portugueses em Angola: estavam orgulhosos do trabalho feito por Rosa Coutinho, para o qual auguravam, num futuro próximo, um papel proeminente em Portugal. As críticas ao Almirante, tanto por parte dos brancos como dos negros, estavam indubitavelmente ligadas ao favorecimento do MPLA, embora o diplomata [Tom Killoran] considerasse ser impossível a qualquer mortal cumprir aquela missão "sem ofender alguém". Rosa Coutinho rechaçara "as intenções golpistas que se tinham formado nas cabeças de meia dúzia de extremistas brancos", mas nem sempre respeitara os direitos dos próprios compatriotas: "Certamente terá violado os direitos civis de alguns brancos e poderia até vir a ser processado judicialmente por tê-lo feito, mas como era 'uma raposa velha' não se preocupava com tais minudências".

(...) O Acordo do Alvor tinha sido publicado (na íntegra ou parcialmente) pela Imprensa nacional e estrangeira, mas em 16 de Janeiro de 1975 o embaixador português nas Nações Unidas ainda não o tinha recebido: Veiga Simão solicitava que Lisboa lho enviasse urgentemente "a fim de ser imediatamente divulgado", senão acabaria por ser primeiro distribuído pelos representantes angolanos. Em Angola, as previsões mais cépticas ou os comentários menos alinhados com o triunfalismo ostentado pelas partes subscritoras do Acordo não eram bem-vindas. Os meios de comunicação eram uma poderosa arma de propaganda e (como a FNLA já adquirira um jornal) o governo de Rosa Coutinho impôs restrições à liberdade de informação. A decisão, justificada pela desejada paz social, era uma forma de silenciar opiniões divergentes da "linha justa". As transgressões consagradas na nova Lei de Imprensa incluíam a difamação do chefe de Estado, de ministros e diplomatas, a agressão ideológica a princípios democráticos legais ou ao processo de descolonização, violações ao Direito Civil e o incitamento à revolta popular ou à greve (que em Portugal viria a ser um direito constitucional). A coima mínima era de 200 contos e a mais pesada correspondia à suspensão do orgão noticioso por um período mínimo de 30 dias.

Durante uma conversa informal com Tom Killoran (antes de partir de Luanda), Rosa Coutinho disse-lhe que o Acordo do Alvor era "um acordo desajeitado", não crendo que "o espírito de cooperação entre os três Movimentos fosse muito sincero". Anos depois mantinha a opinião expressando-a através de uma típica metáfora gastronómica bem nacional: o Alvor tinha sido "uma 'caldeirada à portuguesa'", mas não se negasse o mérito de ter juntado os líderes angolanos à mesa com Portugal, de ter fixado a data da independência e de ter mantido Cabinda anexada a Angola. Para Mário Soares, a Cimeira assemelhou-se mais a um "jogo viciado". O ministro - que teve início pretensões de "cavalgar a questão africana", julgando que "poderia solucioná-la melhor do que os outros" - percebeu ao chegar à Penina que "os dados estavam lançados e o jogo praticamente feito". "A visão dominante naquela sala era pró-MPLA", diria. A leitura de Savimbi era semelhante: "As forças gonçalvistas" pretendiam "entregar o Poder exclusivamente ao MPLA" e Rosa Coutinho, que tinha sido "introduzido 'a martelo'" na Cimeira, como observador, não tinha parado "de manobrar nos corredores do hotel". Depois de se conhecerem as actas das reuniões pode aferir-se de que forma os ministros socialistas foram relegados para um lugar secundário nas conversações, como alegaram posteriormente. Almeida Santos referiu ter sido um mero escrivão e o MNE [ministro dos Negócios Estrangeiros] que ambos se limitaram a desempenhar um papel quase decorativo: "Tanto o Almeida Santos como eu estávamos um pouco à margem desses esquemas e a nossa contribuição na Cimeira, para dizer a verdade, foi mais do tipo 'chá e simpatia', limando algumas arestas mais vivas que já se desenhavam, claramente, entre eles". Para o fundador do PS, o Alvor foi "o compromisso possível", não crendo que houvesse outra estratégia que pudesse ser seguida: "Não tinha uma visão claro do que se poderia fazer de diferente e a minha capacidade de intervenção era reduzida. Não havia grandes saídas ou outras opções a tomar, com êxito".







Cimeira do Alvor







O 'Almirante Vermelho': Rosa Coutinho



Pedro Pezarat Correia



Os líderes angolanos dos três movimentos terroristas na Cimeira do Alvor: Jonas Savimbi (UNITA), Agostinho Neto (MPLA) e Holden Roberto (FNLA).







(...) Rosa Coutinho, Mário Soares e Almeida Santos não acreditaram, logo após a assinatura do Acordo que este fosse posto em prática devido à direcção tricéfala do governo com um primeiro-ministro mensal. Mas como "vinha de Mombaça, tinha sido acordado por eles e não havia nada a fazer", justificou Pezarat Correia. Na verdade, o executivo angolano viria a revelar-se absolutamente disfuncional desde o início, mas o maior óbice à paz e ao cumprimento do Alvor foi a coexistência de três exércitos rivais, cuja manutenção foi permitida. Não foi imposta qualquer restrição ao poderio militar ou ao número de efectivos das tropas nacionalistas e essa lacuna contribuiu para o caos gerado em Luanda, quando nem 30 dias tinham decorrido sobre a assinatura do Acordo.

Para Melo Antunes, o "calcanhar de Aquiles" de Portugal foi a incapacidade de obrigar os líderes angolanos a cumprirem o Acordo. O Alvor não previa qualquer punição eficaz em caso de incumprimento pelos Movimentos e a única forma de o fazer respeitar seria recorrer à coacção pela força militar, o que era inevitável. Em Angola tinha começado a desmobilização dos soldados africanos das FAP e dos brancos recrutados na Província; o tempo de serviço das tropas fora reduzido e o Exército abdicou das Forças Auxiliares. Força militar era algo que Portugal já não tinha em Angola e também não poderia contar com eventuais reforços da Metrópole.

Havia ainda a intervenção em Angola das grandes potências mundiais (China incluída) que Lisboa não controlava, mas que para Melo Antunes poderia ter sido neutralizada, se as autoridades em Luanda tivessem meios para travar a corrida aos armamentos e as hordas estrangeiras (de zairenses, cubanos, russos) que dissimuladamente se foram infiltrando nos campos de treino disseminados pelo território. Como escreveu Savimbi: "A nenhum observador atento passava despercebido o desejo de supremacia que cada um dos ML procurava obter sobre os restantes. Daí a uma corrida ao armamento foi um abrir e fechar de olhos". Melo Antunes acreditava que, se Portugal tivesse sido capaz de obrigar à obediência do Alvor, "a influência das grandes potências pouco se poderia fazer sentir". Mas perante o "vazio de Poder da potência colonial", ficou dependente "da capacidade de os Movimentos levarem por diante a aplicação dos acordos e, portanto, dependentes apenas da sua boa-fé".

(...) O primeiro embaixador soviético em Portugal também não foi uma escolha casual. Formado na escola diplomática de Moscovo (o Instituto Estatal das Relações Internacionais) ainda na presidência de José Estaline, Arnold Kalinin desembarcou em Lisboa em 1974, proveniente de Havana, onde era conselheiro da Embaixada da URSS, desde 1969. Kalinin possuía no seu currículo duas competências muito recomendáveis à missão que lhe tinha sido destinada: falava "brilhantemente espanhol e português" e teve um papel relevante nos contactos entre militares do MFA e as Forças Armadas de Cuba, a partir do primeiro trimestre de 1975. Também não terá tido um contributo de somenos importância nos contactos que antecederam a intervenção cubana em Angola, onde foi embaixador da União Soviética a partir de 1983, um ano após deixar Lisboa. Falecido no início de 2012, Kalinin terminou a carreira diplomática em Havana, onde a iniciara. Como refere Vasco Vieira de Almeida: Ouvira falar "antes de ir para Angola de uma possível ajuda de cubanos ao MPLA. [...] Os intermediários estavam em Lisboa. Os primeiros contactos foram com o embaixador cubano que estava cá na altura...".







Luanda: 3 de Junho de 1975, início da ponte aérea.






Para Pinheiro de Azevedo, "a descolonização, tal como se processou", só poderá ser entendida tendo em conta "as decisões dos grandes centros mundiais sobre África", embora Lisboa pudesse ter feito mais para se opor às ingerências directas de Moscovo e de Washington: "Portugal teria podido orientar a descolonização por forma a salvaguardar os seus interesses e antes de mais os interesses dos portugueses radicados em Angola e em Moçambique, se o povo português e os seus dirigentes tivessem reagido violentamente à entrega daquelas colónias a Movimentos comunistas. Não teria havido interferência das superpotências, apesar de estarem de acordo quanto a essa entrega. Mas essa reacção não foi possível porque as forças da Esquerda determinaram três factos fundamentais: primeiro, impediram a saída de soldados para as colónias, a partir de certa data depois do 25 de Abril; segundo, "lavaram o cérebro" e mentalizaram os que de facto partiram, de tal maneira que, em vez dos esplêndidos combatentes que tivemos de 1961 a 1974, seguiram para África transformados em cobardes; e terceiro, provocaram entre as nossas forças um ambiente de derrotismo e abandono tão pronunciado que não mais se pôde contar com elas, o que tornou impossível que negociações políticas diferentes fossem apoiadas pela força"».

Alexandra Marques («Segredos da Descolonização de Angola»).


«O Partido Comunista mostra, desde a primeira hora, enormes aptidões para comover oficiais menos seguros de si. A sua arte consiste em pôr-se, na aparência, atrelado ao carro do MFA. As fortalezas melhor se tomam do interior. Com a vantagem de o MFA ser uma casa de vento.

Prestáveis, envolvendo os oficiais em celofane e cantos de sereia, os comunistas fazem uma colagem ao MFA. O sentido último é o da osmose com a estrutura partidária e sindical.

Na sua vasta finura, Álvaro Cunhal socorre-se de um trato pessoal bem cultivado. Põe todo o seu talento nessa operação de charme, e os cuidados de um jardineiro da Babilónia.

"Nunca lhes prodigalizei", afirma Mário Soares, referindo-se aos militares, "os sorrisos aliciantes de um Cunhal, jamais avaro de superlativos para qualquer oficial no activo".

O Partido Comunista delegava as suas obrigações revolucionárias nos oficiais devotos. Os militares eram os procuradores da sua revolução.

O gonçalvismo, para além de uma excessiva mácula pessoal, não tem assim qualquer marca de pecado original. É umsubsistema político, derivado da estratégia do Partido Comunista.

E o general Vasco Gonçalves é simultaneamente um rosto e uma máscara.

O rosto de um médio burguês idealista, um engenheiro cambista no socialismo da velha escola soviética.

A máscara do partido que o empurrou e o manteve politicamente à tona.

Assim pagou também Vasco Gonçalves o odioso atribuível a outras personagens menos expostas.



Vasco Gonçalves e Costa Gomes



Costa Gomes conferindo posse a Vasco Gonçalves como primeiro-ministro do III Governo Provisório (Setembro de 1974).



Melo Antunes nas Nações Unidas



Melo Antunes nos Açores







Não tardaram as turras entre os militares. O contencioso entre os oficiais na orla do Partido Comunista e os moderados data, com gravame, de Novembro de 1974. O diálogo de Vítor Crespo com Vasco Gonçalves começou a ser espinhoso. O major Melo Antunes esboçara já um temível perfil de social-democrata.

Tudo por falinhas mansas.

Mas a ofensiva a oeste foi lançada na noite de 11 de Março. O MFA é institucionalizado no Centro de Sociologia Militar, no meio de grande exaltação.

Oficiais exigem a pena de morte para Spínola e os seus amigos. Listas de militares a eliminar, tivessem ou não a ver com o 11 de Março, foram brandidas por gonçalvistas em cólera.

A caça às bruxas começava. Chegara a hora, aproveitando a limpeza geral, de varrer os moderados. Nessa noite ia tudo na corrente. Em triunfo, agradecendo a Spínola a dádiva celeste que lhes permitia purificar as fileiras do MFA, os gonçalvistas pretendem excluir, do Conselho da Revolução, Vítor Crespo, Melo Antunes e Vítor Alves.

A perversão tinha início. Mas Crespo, ao tempo alto-comissário em Moçambique, não se deixou enrolar. Meteu-se no primeiro avião e apareceu no Conselho da Revolução, à hora marcada. Sentou-se no seu lugar com cara de poucos amigos.

Rosa Coutinho, porta-voz dos gonçalvistas, assegurou-lhe que teria assento no CR logo que acabasse a sua missão em Lourenço Marques. Crespo, porém, não foi no engodo. Ele e Sousa e Castro só deixaram de batalhar quando ficou claro que os três expurgados teriam no CR cadeira própria e sem favor.

Os moderados rejeitavam a primeira camisa de forças. Os gonçalvistas encolhiam ligeiramente as garras. Crespo, Antunes e Alves reagiram como quem está a perder o pé. Mas também já com a noção de que o 25 de Abril se afunilava sem eles.

Começou aqui, para nove conselheiros, um demoníaco jogo de poder. Meses depois, no pino do Verão, os cartoons no matutino gonçalvista O Século retratá-los-ão a conspirar na praia com o embaixador Frank Carlucci. Eram os fiéis servidores da reacção mais negra.

A Assembleia do MFA, num tempo em que a fogosidade do verbo substituía a competência militar e a qualidade humana, transformou-se num inamovível parlamento.

Duzentos e quarenta activistas das Forças Armadas, saídos em golpe do vazio de poder numa noite de Março, erigiam-se em orgãos de soberania. O País não lhes passou procuração.

(...) Mas que faz correr Vasco Gonçalves?

A fé no socialismo de modelo soviético, a que outros chamam capitalismo do Estado monopolista.












Álvaro Cunhal







A tese central é a do atraso da consciência das massas. A maioria do povo não possui a elucidação e a maturidade políticas para construir o socialismo por suas mãos.

Sendo assim, a construção do socialismo carece de um aparelho de vanguarda, teoricamente dotado e clarividente, que agregue a capacidade doutrinária e o poder militar.

A construção do socialismo passa ainda por uma revolução cultural, que dilate a base social e dê às massas incultas a noção do seu próprio dever histórico.

A vanguarda auto proclamada defenderá, a todo o transe, os interesses mais profundos das massas adormecidas.

Os meios de produção são entretanto apropriados pelo Estado, máquina que dilata as suas malhas burocráticas, age com as suas polícias e tem sempre razão.

A apropriação dos meios de produção deixa de ser individual, como nos países capitalistas, e passa a ser feita pelo Estado, ou seja, por uma nova burguesia burocrática que controla os orgãos do Estado e representa o povo.

Esta vasta felicidade colectiva parece ter sido criada, segundo os devotos, na União Soviética, na Checoslováquia ou na Polónia. Tratava-se agora de aplicar o esquema a Portugal.

Construir o aparelho de vanguarda, eis a prioridade que o gonçalvismo põe em marcha após o 11 de Março.

O estado-maior dos pró-comunistas nas Forças Armadas é o próprio staff do general Vasco Gonçalves, que Álvaro Cunhal articula com mãos de mestre.

As malhas são estendidas com eficácia meticulosa. O domínio da 2.ª Divisão do EMGFA (Informações Militares) e da 5.ª Divisão (Relações Externas) são os focos de onde irradia a revolução ao vento leste.

O COPCON, dirigido por Otelo, surgira como forma de apaziguar fricções entre o general Spínola e a comissão coordenadora do MFA. Contraponto do poder militar do general, o COPCON foi também o preço que Spínola pagou pela crise Palma Carlos e pela ida de Tomás e Caetano para o Brasil.



Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Gonçalves































Mas os cargos de chefes dos estados-maiores do Exército, da Armada e da Força Aérea, ocupados por oficiais graduados do MFA, escapavam igualmente ao presidente Spínola e ao general Costa Gomes, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.

staff de Costa Gomes servia para as ligações à NATO, e pouco mais.

Por estas frestas passou a carga de cavalaria dos gonçalvistas. Na sequência do 11 de Março, Almada Contreiras tomou conta da 2.ª Divisão e Ramiro Correia instalou-se na 5.ª Divisão.

Contreiras chefia o Serviço de Direcção e Coordenação das Informações. O SDCI tem o raio de acção de uma polícia política. E utiliza-o bem.

Correia dirige a Comissão Dinamizadora Cultural do MFA, espécie de Superministério da Cultura. A CODICE vai empenhar-se em galvanizar os cépticos para a empresa da Revolução.

Na Armada, os gonçalvistas edificam uma estrutura centralizada por células de tipo "leninista". Têm a cobertura total do CEMA, almirante Pinheiro de Azevedo.

Colocam Eurico Corvacho na Região Militar do Norte. Infiltram o COPCON para "segurar" Otelo. Tentam controlar o Conselho da Revolução. Empenham-se em que as assembleias do MFA não lhes escapem das mãos.

O gonçalvismo liga-se, no plano civil, a muitas autarquias locais. Controla-as o MDP, rosto domingueiro do PCP. Os quadros do MDP, partido com 4 por cento dos votos, detêm um poder desproporcional ao seu eleitorado. Povoam zonas consideráveis da administração pública.

O gonçalvismo apoia-se na Intersindical e no ministro do Trabalho, Costa Martins. Numa notável sincronia, ministério e central sindical agem como bombeiros dos conflitos laborais.

É o tempo do Partido Comunista como partido da ordem, ferozmente antigrevista, que atribui o clamor operário às influências da CIA.

O gonçalvismo serve-se da comunicação social e cria entre as redacções dos jornais e a 5.ª Divisão um cordão umbilical.

A RTP e a Emissora Nacional, o Diário de Notícias e O Século destilam um noticiário tendencioso e panfletário. Rui Montês, Faria Paulino, Sobral Costa, são alguns dos oficiais encarregados do controlo.

Correia Jesuíno é o ministro da Comunicação Social. Duran Clemente o telegénico educador do povo.

No SDCI coordenam-se escutas telefónicas. A coacção torna-se frequente. Gente há que age sob ameaças veladas. Na Comissão da Extinção da PIDE/DGS, controlada pelo tenente naval Judas, fabrica-se a chantagem com os dossierspoliciais e escondem-se passados não inteiramente meritórios.

(...) A 5.ª Divisão é a oficina ideológica.

Coordena a intoxicação do público e difunde um arremedo de marxismo que nada tem a ver com Marx. Produz textos com ansiedade e mau gosto, em trejeitos juvenis de queimar etapas.

Com perseverança, a 5.ª Divisão torna-se um Estado dentro do Estado e arvora-se em 5.ª força dirigente do aparelho militar.

Fixa antenas nos quartéis, os grupos de dinamização de unidades, destinados à "educação política" dos soldados.

Elabora e distribui, gratuitamente, o Boletim das Forças Armadas, com tiragens superiores a 100 000 exemplares.

Promove estágios para quadros do "futuro MFA", à laia de escolas para comissários políticos.

















Coliseu (1974): os comunistas cantantes, Zeca Afonso e companhia.































Lança campanhas de dinamização cultural no Norte, de um conteúdo paternalista, medíocre e deslocado que pouco mais consegue do que irritar as populações camponesas.

Cria e domina as comissões nacionais de sargentos, nos três ramos militares.

Faz tudo isso de forma apressada.

Num documento exemplar, divulgado em Maio, a CODICE explicava que nas democracias populares o povo é que estava no poder.

"Socialismo proletário é o mesmo que democracia popular. Há socialismo proletário na União Soviética, na Hungria, na Alemanha Oriental, na Bulgária, em Cuba", afirmava-se no texto.

A abertura de espírito da 5.ª Divisão não chegava à Jugoslávia, à Roménia ou à China, países demasiado heterodoxos para o seu gosto.

Em Portugal, garantia a 5.ª Divisão, o 11 de Março tinha criado condições para a democracia popular.

"Uma democracia burguesa é só democracia de nome, de fachada", dizia o texto.

A 5.ª Divisão tinha igualmente ideias sobre a composição do "povo". Segundo os seus ideólogos, pertenciam ao "povo" os operários, os camponeses, os empregados de escritório e os empregados do comércio.

Mas já não pertenciam ao "povo" os "administradores", os "gerentes" e os "encarregados", que eram, sem dúvida, "verdadeiramente lacaios dos exploradores".

A generosidade da 5.ª Divisão ia até aos empregados do comércio.

Mas a 5.ª Divisão ia ainda mais fundo no seu pensamento. Falava do "comunismo" como derradeira etapa do socialismo proletário em construção depois do 11 de Março.

"Então entra-se no comunismo. Aí as riquezas serão abundantes e os trabalhadores estarão educados para não terem exigências supérfluas, pois as suas necessidades nunca visarão o supérfluo, mas sim o essencial.

Saímos então do 11 de Março rumo ao comunismo.

Delirante discurso, o da 5.ª Divisão, num país de camponeses que amam sobretudo a terra e aspiram à sua posse.

Mas a mensagem da 5.ª Divisão era a palavra oficial do tempo.

Diário do Minho, temeroso, registava as intenções do MFA quanto à sovietização do País. E citava, a medo, discursos de Mário Soares em que o dirigente socialista negava ao modelo de Leste a condição de libertador do homem.












Reunião do Partido Comunista saído da clandestinidade.





















Legalização do Partido Comunista (1975).























Ver aqui










Mas onde vinha esta obra teórica da 5.ª Divisão?

Era, nem mais nem menos, do que a transcrição, sem indicação da fonte, de uma brochura eleitoral do Partido Comunista. Essa brochura foi distribuída pelas comissões concelhias de Alenquer, Sobral de Monte Agraço, Mafra e Torres Vedras.

A 5.ª Divisão copiara-a integralmente, acrescentara-lhe um lead, e toca a andar.

(...) O Partido Comunista visava efectivamente a conquista do poder. Não é outra a sua vocação, e para a cumprir lutou meio século, com o seu património de heróis e mártires, os quatrocentos anos de cadeia evocados como troféu.

Mas cometeu um erro crasso: aliou-se aos esquerdistas, como quem reúne filhos tresmalhados, e subestimou o peso social da pequena e média burguesia. A aliança com os esquerdistas implicou uma dinâmica de afogadilho que assustou as classes médias.

Numa primeira fase, o PCP queria utilizar os radicais para deteriorar, para desorganizar e para agredir. Numa segunda fase, tinha em mente ceifá-los, tirar-lhes o tapete debaixo dos pés na altura própria e tomar o poder com a face lavada de um partido responsável.

As sereias esquerdistas são fatalmente pequenos capatazes do alarido.

O Partido Comunista é a única organização política capaz de desenhar o ataque aos pontos nevrálgicos e a ruptura nos momentos cruciais. É impossível aos esquerdistas aliarem-se ao PCP sem fazerem o papel de bobos.

O fracasso comunista entre as classes médias deveu-se ao delírio triunfal, ao espírito de igreja fechada, ao aventureirismo ávido dos teóricos de encomenda da 5.ª Divisão, à falta de perspicácia de dirigentes com uma fidelidade sem quebra a Moscovo.

A incompreensão da realidade portuguesa, a falta de respeito pelos valores das classes médias, a intoxicação permanente, tornaram o Partido Comunista extremamente odiado.

A reacção era também necessária para compor esse cenário de papel pintado em que Álvaro Cunhal imaginou o País. Mas essa reacção foi o Partido Comunista que a criou em grande parte, que a estimulou com os seus desvarios de novo-rico.

Ademais, a maioria dos portugueses sem atraso de consciência não pensa que o socialismo da Checoslováquia ou o socialismo da União Soviética sejam empolgantes paradigmas de liberdade humana.

Mas, como em todos os galopes, a prática do Partido Comunista não foi cronometrada, nem isenta de acidentes de percurso.

Houve divergências na sua direcção quanto à utilização da FUR, por exemplo. Em certos momentos, o PCP parecia colhido de surpresa, ultrapassado pelos radicais e sem outro remédio que entrar na barca para tentar domar a onda.

Num primeiro instante, o PCP parecia dirigir e marcar o timing do assalto. Num segundo instante, o PCP pensa em refrear os esquerdistas e lançá-los pela borda fora. Seria assim no 25 de Novembro.

Só que, no 25 de Novembro, o Partido Comunista não teve um segundo instante. Viu que a relação de forças lhe era desfavorável, que do outro lado havia um comando organizado e uma vontade política de lutar - e retirou-se candidamente da cena, como se não fosse nada com ele.








Como diz Melo Antunes, toda a prudência de Álvaro Cunhal, o tacto frio de animal político, não o impediram de, por instantes, ter perdido a noção da realidade portuguesa e acreditado numa ruptura violenta que reeditasse o Outubro de 1917.

A União Soviética, porém, nunca acreditou. Não queria também: ao repartirem o globo como uma melancia, nas novas Tordesilhas de Vladivostoque, o Kremlin e a Casa Branca acordaram na permanência de Lisboa na esfera ocidental.

Os Soviéticos esperaram para ver. E deram a cumprir ao Partido Comunista uma tarefa estrategicamente mais importante do que um duvidoso Belém vermelho: Angola.

A partir da batalha de Luanda, o PCP e os militares afectos boicotaram os acordos de Alvor. E a investida cubana e soviética em Angola, essa fulminante quão inovadora forma de exportar o socialismo, beneficiou da desastrosa actuação de Henry Kissinger.

Melo Antunes, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, avistou-se três vezes com o secretário de Estado norte-americano: e encontrou um homem apostado sobretudo nos acordos SALT, disposto mesmo a dar alguns peões a comer à União Soviética, e descrente numa invasão militar de Angola.

Como toda a Administração Ford, Kissinger não percebia África, e somou malogros sobre malogros.

(...) O Partido Comunista tinha um plano sistemático de desorganização das Forças Armadas.

São os radicais do Exército que se apoderam de postos-chave, que fazem a propaganda da insurreição, que enquadram milícias armadas. Mas é o Partido Comunista que colhe os lucros desse trabalho.

O fim último do desgaste é a paralisação do Estado. Pelo caminho, usa-se o terror, a intimidação, a conversão de ateus e o folclore radical. Uma bela manhã, o País surgirá esgotado, minado até à medula, sem oferecer resistência - e sobre o caos constrói o Partido Comunista a nova ordem.

Cunhal dirá mais tarde, depois do vendaval:

"Se o PCP tivesse ido a reboque do radicalismo esquerdista e do desejo de uma aventura de tipo insurreccional, como pretendiam alguns irresponsáveis, o movimento operário iria para um desastre incalculável que abriria as portas ao fascismo".

Está certo. Mas o álibi de Cunhal é mais para consumo interno e está carregado de má consciência. Não foi o secretário-geral do PCP que garantiu a Oriana Fallaci a inviabilidade de uma democracia parlamentar em Portugal?

A partir daí, quem é irresponsável?».

José Freire Antunes («O Segredo do 25 de Novembro»).















«Veio de longe e traz-nos novas de amigos distantes. A meio da conversa, cita uma frase de Lenine. Mais ou menos isto: “Sempre que se faz uma revolução, devemos ser nós a organizar a direita antes que a direita se organize a si própria”.

Logo me lembro de, há anos, Henrique Ruas me haver contado de como o convocaram para ir à “Cova da Moura”, nos primeiros tempos da revolução comuno-socialista, quando Spínola era o dócil Presidente da República. Henrique Ruas compareceu, foi conduzido a uma sala onde já se encontravam umas tantas pessoas que, como ele, não sabiam para que ali tinham sido convocadas. Esperaram. Entrou um oficial do MFA, um coronel, Vasco Gonçalves, que se tornaria em breve famoso como Chefe do Governo comunista de 1976/77. Sobraçava um grosso “dossier”, sentou-se a uma mesa e informou os presentes de que, estando instaurado o regime democrático, não havendo democracia sem Partidos Políticos e apenas se encontrando organizados os Partidos Socialista e Comunista, eles haviam sido escolhidos como as personalidades mais capazes para organizar os Partidos que ainda não existiam. Ao ouvir isto, o Sr. Freitas do Amaral levantou-se: “Nesse caso, não estou aqui a fazer nada”. Logo, Vasco Gonçalves o obrigou a ficar: “O Sr. Professor é a pessoa escolhida para organizar o Partido da Direita”. Assim nasceu o CDS. E assim a “direita” chegou ao estado em que hoje se encontra. Lenine bem sabia...

Nota: Depois de publicado este texto no “Diário do Minho”, o semanário “Expresso” elaborou, com elementos fornecidos pelo biografado, uma biografia de Freitas do Amaral. Aí se descreve o que nós descrevemos mas trocando o comunista Vasco Gonçalves pelo comunista Vítor Crespo e colocando-o, decerto para atribuir mais solenidade à carreira do biografado, no centro de um grupo de membros do Conselho da Revolução, organismo que esteve ao serviço do comunismo. A correcção é, deste modo, apenas formal. Nada de essencial altera». 

Orlando Vitorino («O processo das Presidenciais 86»).






«25 DE ABRIL»: A FATAL DERROCADA


ANTECEDENTES REMOTOS - 1941

A PARTILHA DE ÁFRICA



A catástrofe liricamente apelidada de "revolução dos cravos" teve antecedentes remotos: a sua origem longínqua situou-se em 1941, quando Roosevelt e a superfinança americana se conluiaram com Staline.

Num artigo publicado em O Dia (23/3/1980), duma série sobre os Rockefellers, Lourdes Simões de Carvalho transcreveu a carta que Roosevelt endereçou em 1941 ao Kremlin - carta que Le Figaro, de Paris, revelou a 7 de Fevereiro de 1951:

«Quanto à África, será preciso dar à Espanha e a Portugal compensações pela renúncia dos seus territórios para que haja um melhor equilíbrio mundial. Os Estados Unidos instalar-se-ão aí por direito de conquista e reclamarão inevitavelmente alguns pontos vitais para a zona de tutela americana. Será mais que justo.

Queira transmitir a Staline, meu caro senhor Zabrusky, que para o bem geral e para o aniquilamento do Reich ceder-lhe-emos as colónias africanas se ele refrear a sua propaganda na América e cessar a interferência nos meios laborais».









Acrescentou depois a citada articulista:

«Em 1973, esta promessa solene continuava por cumprir. Falha tanto mais embaraçosa para a parte faltosa quanto os soviéticos tinham honrado a sua.

Portugal, três décadas depois da cedência de Roosevelt à URSS das suas possessões africanas, interpunha-se ainda como um escolho inamovível na viabilização do contrato e lutava sozinho conta o condomínio russo-americano e respectivos mecanismos de conquista e anexação.

Os Rockefellers eram especialistas, na América do Sul, a manobrarem através de militares a quem a pala do boné delimita o horizonte das suas abstracções.

No dia 25 de Abril de 1974, capitães convictos de salvarem o povo das garras dos exploradores, apoiados por comunistas primários, estudantes analfabetos e intelectuais muito eruditos sobre o imperialismo dos EUA investiram contra a última barreira existente na Europa a esse mesmo imperialismo.

Ao largo, na costa, uma esquadra americana velava pronta a intervir em favor dos revoltosos marxistas para que as promessas de Roosevelt fossem honradas. A África foi partilhada de harmonia com o esquema habitual: ideologia redentora primeiro; depois, financiamentos saneadores e divisão equitativa dos lucros entre os parceiros sociais. O agente de confiança de Nelson Rockefeller, Frank Carlucci, posando como embaixador dos EUA em Lisboa, com o seu homólogo da KGB, Kalinine, sob travesti semelhante, destacados para consolidar mais esta etapa, desempenharam-se com discrição e eficácia desta missão especial.

Os expoentes máximos do Round Table Business, organismo Rockefeller que agrupa os 178 maiores capitalistas do mundo, consideram hoje Portugal como uma das melhores coutadas europeias, tendo o caminho facilitado pela desertificação dos empresários nacionais, liquidados e afastados da competição pela aguerrida matilha comunista. Chase, Morgan, Ford, Rothschild e o Kremlin tinham vencido juntos mais um lance».


NA DÉCADA DE 70


a) As três internacionais. - Carlos Camposa, no prefácio do seu opúsculo "Salazar respondeu a Afonso Costa", tem esta curiosa observação de que o "25 de Abril" foi a sinistra obra de três internacionais:

- a vermelha (comunista e socialista);

- a capitalista ou doirada (América do Norte e plutocracia do Norte da Europa, em especial da Holanda e da Suécia);

- e a negra (clerical progressista), lembrando a propósito a acção dos "padres brancos" em Moçambique e de outros, as calúnias do Pe. Hastings, etc.




b) Em 1973: o Acordo de Paris - Se bem que ainda sem revelação de todos os pormenores, têm surgido referências concretas ao "Acordo de Paris" firmado em Maio de 1973 entre o PC e o PS. Perante a crescente dificuldade de vencer militarmente Portugal no Ultramar, a União Soviética promoveu esse acordo prometendo financiar a organização de um golpe de Estado em Lisboa, comprometendo-se o PC e o PS a conceder a "independência" imediata às Províncias Ultramarinas portuguesas entregando-as aos movimentos pró-soviéticos: PAIGC (Guiné e Cabo Verde), MPLA (Angola) e FRELIMO (Moçambique).

Sobre este acordo, ver: Jornal de Economia e Finanças, números 357 e 392; África - Vitória Traída, pelos generais Luz Cunha, Kaulza de Arriaga, Bethencourt Rodrigues e Silvino Silvério Marques, página 27; Angola - Os Vivos e os Mortos, de Pompílio da Cruz, página 149; A Rua, de 6/2/77, transcrição de uma notícia de Santana Mota publicada no diário O Estado de São Paulo, Não lhes perdoais, Senhor, de Rebelo Cotta; a página 28 diz que o tenebroso Rosa Coutinho e outros chacais do seu séquito executaram fielmente o plano gizado "em Moscovo, Paris e Lisboa"».

É sobretudo no opúsculo Liquidação do Ultramar (Jornal de Economia e Finanças, 1980) que o Acordo de Paris aparece mais estudado:

«Nos princípios de 1973 ter-se-ia realizado, em Paris, uma conferência convocada pelo Partido Comunista onde, elementos heterogéneos da esquerda portuguesa, se comprometeram a levar a cabo uma revolta em Portugal, o mais tardar até 1975. Estiveram presentes, além do PCP convocante, a Acção Socialista Portuguesa, uma dezena de militares, católicos progressistas e representantes da maçonaria. Não era a primeira conferência ali realizada, com maior ou menor participação das chamadas esquerdas oposicionistas e mesmo de simples descontentes. Mas o facto do PC russo ter enviado uma pequena delegação, com instruções claras e poderes precisos para assumir compromissos financeiros, conferia-lhe particular importância.

A revista Faits et Idées que a chamada "Frente Portuguesa de Libertação" publicava em França, afirmou em Agosto de 1976 que, nessa conferência - para a qual teria sido convidada - fora decidido o reforço da infiltração marxista nas forças militares portuguesas e elaborado um plano para intensificação do terrorismo nas províncias africanas. O sucesso da revolução implicaria a instalação na Metrópole de um regime "democrático a caminho do socialismo" que poria termo à "guerra colonial". A independência da Guiné, Angola e Moçambique seria concedida aos movimentos terroristas de obediência comunista, sem condições políticas e económicas nem indemnizações. Os colonos deveriam ser repatriados a expensas de Portugal. 

Embora nos meios políticos afectos à esquerda a conferência de Paris tivesse tido ampla repercussão, a sua realização e o clausulado suscitaram interrogações a que nunca foi dada resposta convincente.

Em primeiro lugar para quê uma conferência em Paris entre os PCs soviético e português? A linha de conduta dos comunistas portugueses foi sempre, fora de questão - mais na altura, se possível, do que hoje - fixada autoritariamente pelo Kremlin; a Acção Socialista Portuguesa não tinha qualquer implantação no país e os seus dirigentes careciam de prestígio. Nestas condições para quê a conferência? Teria sido convocada para provocar a presença e comprometimento de meia dúzia de militares e outros tantos ex-militares desertores que formavam o grupo de Argel? Dir-se-ia gente desprezível demais para justificar um tão grande interesse como então se afirmava ter-se verificado por parte da delegação russa.


Grupo fundador do Partido Socialista em BadMünstereifel, na Alemanha Federal, em 19 de Abril de 1973.


Parecia mais fácil acreditar que Moscovo, com essa conferência, procurasse obter cobertura civil a uma operação militar já em preparação e, provavelmente, em estado mais adiantado do que então se julgava.

Nos princípios de 1973 o interesse da Rússia pela sorte de Portugal metropolitano era restrito demais para justificar a presença de uma delegação na conferência de Paris. Só o Ultramar lhe interessava e só em função desse interesse as questões portuguesas vieram a ser tratadas por essa delegação.

A "guerra colonial" ao tempo dominada em Angola, controlada em Moçambique e, em condições de ser ganha na Guiné, podia terminar em meia dúzia de meses. Se assim acontecesse Moscovo teria deixado perder uma rara oportunidade para se instalar em Angola e Moçambique sem levantar protestos internacionais. Na política portuguesa passaria a oportunidade para adquirir por um prato de lentilhas, a uma minoria ávida de honras e benesses, uma herança de quinhentos anos de história.

O montante posto pela Rússia em Paris, à disposição da esquerda portuguesa, para financiar a revolução, foi objecto de muitas conjecturas. Na altura falou-se em cinquenta milhões de dólares; não parece, porém, que tão pouco chegasse para satisfazer tantos encargos, mesmo tendo em conta que as despesas com as tropas mercenárias cubanas desde logo ficara assente serem pagas directamente por Moscovo.

O governo russo não estava interessado em economizar rublos e, naturalmente, menos ainda, em poupar copeks [Aliás, como refere Faits et Idées, ficou assente que o governo saído da revolução deveria pagar integralmente todos os dinheiros recebidos. O que fez com a compra de açúcar a Cuba a preços superiores aos do mercado internacional e, à Rússia, compra de madeira de pinho e sardinhas, e venda de vinho a dois escudos o litro e sapatos a cem escudos o par]. Na guerra todas as economias são sempre dispendiosas. O que interessava ao Kremlin era levar os sectores democratas tradicionalistas da primeira República - ou pelo menos uma parte representativa -, a maçonaria e elementos progressistas católicos, tipo Capela do Rato, a alinhar com os socialistas e comunistas no apoio a um grupo de militares que se propusesse transferir a solução do problema ultramarino do plano militar para o plano político onde o Kremlin estava seguro de poder impor os seus pontos de vista.

Esse apoio, ainda que fosse confuso e mal definido, teria acção decisiva no clima revolucionário que dominaria as semanas posteriores à eclosão do movimento militar. Com ele seria possível proceder a uma descolonização sem complicações "democráticas", passando as províncias ultramarinas directamente da soberania portuguesa, sem ouvir as populações, para o controlo de forças dependentes de Moscovo. Sobretudo se os meios de comunicação fossem habilmente utilizados para desviar a atenção do país dos problemas africanos, onde o destino de Portugal estava em jogo, para a ameaça de comunização imediata do quadrilátero europeu que Moscovo, na altura, não tinha, por certo, a menor intenção de levar a cabo.

A partir da conferência de Paris os acontecimentos pelos quais se traduziu a escalada de subversão no nosso país, sucederam-se em rápida cadência. 























Em Maio a Acção Socialista Portuguesa transformou-se no Partido Socialista que, desde logo se declarou "radicalmente anti-colonialista" pronto a bater-se pelo "direito à autodeterminação dos povos coloniais"; em Setembro o PC e o PS subscreveram um comunicado em que afirmaram ser objectivo das forças "democráticas portuguesas" pôr termo à "guerra colonial" propondo "imediatamente negociações com vista à independência dos povos de Angola, da Guiné-Bissau e de Moçambique". Entretanto em Julho, em volta de questões de ordem profissional, formou-se o chamado "movimento dos capitães" que, no Outono, tendo relegado para segundo plano as suas reivindicações iniciais, tinha dado aos seus objectivos um nítido cariz político, pretensamente democrático mas, na realidade, de inspiração marxista. 

Os milhões de dólares do Kremlin não tinham caído em terra sáfara». 

Também na revista Newsletter de Boston (Agosto de 1976, Vo. I, n.º 2), se afirma (reportagem de John C. Wahnon):

«Os Secretários-Gerais do Partido Comunista Português (PCP) e do Partido Socialista (PS), juntamente com outros membros dos Partidos, reuniram-se em Paris em Maio de 1973 para estudarem as possibilidades de canalizarem o descontentamento então evidente em certos sectores das Forças Armadas Portuguesas no sentido de estruturarem um movimento capaz de derrubar o Governo Português. Desde o início, o PCP provou ser tão altamente organizado e conhecedor da situação que maravilhou e convenceu o PS a juntar-se ao movimento. 

O PCP tinha fichas detalhadas de todos os oficiais portugueses e contava com um número surpreendente de membros e simpatizantes nas Forças Armadas e nos sectores de Serviço Público. O Secretário-Geral do PCP decidiu, contudo, por razões óbvias, que não se aventuraria em certas actividades para evitar que arriscasse a posição que tinha adquirido. Portanto, delegou no PS, então praticamente desconhecido e por consequência menos susceptível de causar suspeita, a responsabilidade de fazer o trabalho sujo. O PS atacou as medidas do Governo Português enquanto o PCP generosamente financiou as operações. Moscovo, a fonte desses fundos, só impôs uma condição: 

"Independência imediata a todas as colónias portuguesas e transferência das respectivas soberanias, sem eleições, aos movimentos pró-russos". 

O acordo final, respeitante às condições impostas pela Rússia, foi assinado numa reunião a que compareceram cinco comunistas e quatro socialistas, no primeiro andar de um restaurante de Paris adjacente à Farmácia da Ópera. Há quem afirme que o PCP ou o PS, mas não ambos, assinou o acordo final com a Rússia. Seja como for, o acordo tinha duas cláusulas: 

1 - Entrega de dinheiro: a Rússia contribuiria com dois milhões de dólares para financiar a organização do golpe de Estado que derrubaria o Governo Português. 

2 - Compromisso: o PCP e o PS comprometiam-se a dar independência imediata às Colónias Portuguesas representadas na Reunião, para a ocasião, pelo PAIGC, MPLA e FRELIMO. 

O que sucedeu em Moçambique, Guiné, Cabo Verde e Angola foi de tal forma vergonhoso que os responsáveis pela concessão da independência só se atreveram a cobrir a sua traição a Portugal, e às populações locais, com loucas generalidades de óbvio cultivo soviético. Os partidos opostos à FRELIMO em Moçambique, ao PAIGC na Guiné e Cabo Verde e ao MPLA em Angola, foram perseguidos e por decisões totalitárias e fascizantes proibidos de defender os ideais que sustentavam».


O «MOVIMENTO DOS CAPITÃES»


Amorim de Carvalho, no capítulo O Processo da Traição do seu livro póstumo «O Fim Histórico de Portugal», escreveu em resumo:

«Em 9 de Setembro de 1973 surgiu o "movimento dos capitães", de início apenas de tipo mercenário (de exigência de maiores vencimentos) e depois de tipo elitista (contra o acesso dos oficiais milicianos ao quadro permanente). Só a partir de 24 de Novembro desse ano se deu a viragem para um comportamento político, com a ideia de um golpe de Estado».








Esta última fase deve ter correspondido à estada do PC nesse Movimento.

(...) Pela resenha que se segue - extraída do excelente trabalho do eng.º Luís Aguiar O Livro Negro da Descolonização - pode apreciar-se o calendário e a forma directa e imediata da entrega do Ultramar aos movimentos terroristas pró-soviéticos, como havia ficado estabelecido no Acordo de Paris, com indicação dos nomes daqueles que por tal traição foram responsáveis. Na parte respeitante a Timor foram também considerados os depoimentos do arqu.º Rui Palma Carlos e do dr. Cravo Cascais, nos seus livros adiante referidos.


GUINÉ


Acordo de Argel: No dia 26 de Agosto de 1974 e na cidade de Argel, foi assinado o acordo entre o PAIGC e o Governo Português, firmando-o em nome deste: Mário Soares, Almeida Santos, Vicente de Almeida Eça, capitão-de-mar-e-guerra, e Hugo Manuel Rodrigues dos Santos, major de infantaria. O acordo foi aprovado no dia 29 seguinte pelo então Presidente da República, general Spínola, «depois de ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório».

Dizia-se no n.º 17 do Anexo ao Acordo que «as forças portuguesas obrigam-se a desarmar as tropas africanas sob o seu controlo».

Eram largos milhares de soldados guinéus que lutavam por Portugal, armados e encorajados pelo exército português - que depois os desarmou, vindo muitos deles a ser fuzilados pelo PAIGC! - e talvez mesmo enquanto as forças portuguesas lá estavam, segundo acusação da «Frelig», os oficiais e soldados guinéus dos comandos africanos, fuzileiros e milícias foram fuzilados após Fabião os ter abandonado.

O PAIGC era de franco alinhamento pró-Rússia.

Segundo o artigo 1.º daquele Acordo, a data de independência foi marcada para 10/9/74.

E Fabião ficou sendo o Encarregado do Governo até essa data.


ANGOLA


No «25 de Abril», Angola vivia uma época de intensa prosperidade económica e social.

E nenhum dos três movimentos - FNLA, UNITA e MPLA - conseguira sequer embaraçar a vida em Angola.

Mas destes três movimentos, era com o MPLA (pró-Rússia) que, antes do «25 de Abril», Mário Soares tivera especialmente contactos - e foi este MPLA que Rosa Coutinho grandemente favoreceu.

Acordo de Alvor: No seu artigo 1.º foram reconhecidos três movimentos «como únicos e legítimos representantes do povo angolano». Que mentira!

O acordo foi concluído em 15 de Janeiro de 1975 e preparado por Rosa Coutinho  - e em nome do Estado Português foi assinado por: Melo Antunes, Almeida Santos, Mário SoaresSilva Cardoso, Fernando Reino, Passos Ramos, Gonçalves Ribeiro e Pezarat Correia; e foi aprovado por Costa Gomes, como Presidente da República.










MOÇAMBIQUE


No «25 de Abril» também Moçambique prosperava, económica e socialmente.

E como atrás se referiu, caminhava-se para a vitória das Forças Armadas Portuguesas.

Acordo de Lusaka: Os responsáveis portugueses foram logo negociar com a FRELIMO (pró-Rússia); conforme oDiário do Governo, 1.ª série, de 9/9/74 (2.º suplemento), diz-se no Acordo:

«1. O Estado Português, tendo reconhecido o direito do povo de Moçambique à independência, aceita por acordo com a FRELIMO a transferência progressiva dos poderes que detém sobre o território nos termos a seguir enunciados.

2. A independência completa de Moçambique será solenemente proclamada em 25 de Junho de 1975, dia do aniversário da fundação da FRELIMO».

Que vergonha!

Pelo Estado Português assinaram: Melo Antunes, Mário Soares, Vítor Crespo, Almeida Santos, Antero Sobral, majores Lousada Santos e Casanova Ferreira e capitão-tenente da Armada Vasco Leote de Almeida e Costa.

O acordo foi aprovado por Spínola, como Presidente da República, depois de ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório.

Veio a ser Alto-Comissário no período transitório Vítor Crespo.


CABO VERDE - SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE - TIMOR


Têm de comum estas três ex-províncias ultramarinas portuguesas:

1.º - Em qualquer delas não chegara a haver luta armada contra Portugal; 

2.º - As respectivas populações tinham forte amor a Portugal, sobretudo Cabo Verde e, de forma muitíssimo particular, Timor, onde a bandeira nacional era quase [ou melhor, efectivamente] adorada;

3.º - Em nenhuma delas houve consulta às populações sobre o seu próprio destino, como impunha tanto o Programa do MFA como a mencionada Lei Constitucional 7/74 (só em S. Tomé houve simulacro de eleições).


CABO VERDE


No dia 18 de Dezembro de 1974, foi assinado um acordo em Argel com o PAIGC, entregando-lhe Cabo Verde.

No mesmo dia 18 foi publicada a Lei n.º 13/74 promulgada por Costa Gomes e que empurrava Cabo Verde para a independência, em 5 de Julho de 1975.

Nesse período foi Alto-Comissário em Cabo Verde o comodoro Vicente Manuel de Moura Coutinho de Almeida D'Eça.

A partir daquela data, os partidários dos partidos locais - UPICC e UDC - foram humilhantemente presos por esbirros do PAIGC, armados até aos dentes com armas das Forças Armadas Portuguesas.

Um ano após a independência, dizia-se num comunicado distribuído na cidade da Praia (do Livro Negro da Descolonização, pág. 499):

«A nossa terra, mercê de uma dádiva, foi entregue a um grupo de lacaios da Rússia, a pretexto de uma luta de libertação, que nunca houve em Cabo Verde, sem auscultar nem o povo cabo-verdiano nem o povo português. Fomos entregues a "ineptos, incultos", "sem qualquer autodeterminação ou eleição livremente expressa pelo povo».








Ver aqui



S. TOMÉ e PRÍNCIPE


O acordo da independência de S. Tomé e Príncipe foi celebrado em 26 de Novembro de 1974, em Argel.

Também verdadeiramente não houve consultas à população e muito menos plebiscito sério: só o MLSTP foi autorizado.

No art. 1.º da  Lei 7/74 foi decidido que este território seria independente em 12/7/75.

Muitos negros fugiram para o Gabão, em embarcações desprovidas de condições para a travessia, pelo que muitos morreram.

A descolonização deu-se sendo Alto-Comissário o coronel António Capelo Pires Veloso.


TIMOR


Não é demasiado salientar o «portuguesismo» das populações de Timor e a quase [ou melhor, a efectiva] adoração da bandeira nacional - de tal forma que até Almeida Santos se comoveu, quando em meados de Outubro de 1974 lá foi de visita.

Há que distinguir dois períodos:

- Até à chegada de Lemos Pires, em 18 de Novembro de 1974: em 25 de Abril desse ano era governador o coronel Alves Aldeia, depois exonerado em meados de Julho seguinte, ficando a substituí-lo o tenente-coronel Níveo Herdade: embora um e outro sofrendo as naturais dificuldades do momento, ambos se conduziram muito acima do que viria a passar-se;

- Em 18 de Novembro de 1974, chegou Lemos Pires e o seu «grupo de colaboradores»... - e pouco a pouco começou a ser privilegiado o partido pró-Rússia FRETILIN, em prejuízo dos outros dois principais: UDT (visando uma independência voltada para Portugal) e APODETI (integração, mas não anexação à Indonésia).

Não houve eleições; morreram dezenas de milhares de portugueses; e muitos dos nossos soldados foram«abandonados como prisioneiros» (ver o livro do arq.º Rui Palma Carlos Eu fui ao fim de Portugal).

Lemos Pires... «cavou»!

O que se veio a passar em Timor quanto ao comportamento de certos responsáveis militares é verdadeiramente espantoso, segundo o relato do dr. Cravo Cascais, no seu livro Timor - quem é o culpado?, no qual indica como responsáveis:

- Major Arnão de Metelo e sua «equipa»;

- Majores Rodrigues e Reis Marques;

- Lemos Pires e a sua «equipa».

Há um relatório oficial há anos entregue ao Presidente da República; quando será conhecido?



BALANÇO DA DESCOLONIZAÇÃO






Ver aqui


- Custos em vidas

Em defesa da Pátria no Ultramar, entre Março de 1961 e Abril de 1974, morreram 4788 portugueses de todas as cores e raças, enquanto que na Grande Guerra (e nas duas frentes morreram 7 908 (do livro A Vitória Traída).

E com a «descolonização exemplar»?

Não está feita a estatística, mas só em Timor se fala em 90 000! E em Angola mais de 100 000!

Houve largas centenas de milhares de mortos e de vítimas de violações e torturas!

Não se pode deixar de acrescentar o drama - quantas vezes a tragédia - de cerca de 2 milhões de refugiados!

- Custos em despesas

Segundo O Tempo de 4/3/76 o país gastou 178 milhões de contos com a sua entrega - e só até àquela data.

E depois?

E agora? Não se continua a conceder empréstimos (?) e dádivas e «ajudas» a quem insulta Portugal?

Quem informa o povo de quanto se gastou? E de quanto se continua a dar ou a «emprestar»?

- Investimentos perdidos

Segundo Pompílio da Cruz, no livro Angola - Os Vivos e os Mortos, no qual faz pormenorizada publicação dos respectivos números, os portugueses deixaram em Angola, em investimentos privados e públicos, 1 bilião e duzentos milhões de contos!

Com Moçambique e o restante Ultramar a perda rondará os 2 biliões de contos!

Isto é: cada«descolonizado» ficou a ter direito a cerca de 200 contos por cabeça o que dá 1 000 contos por família média de 5 membros.

Para a Metrópole a solução tem sido a inversa: os portugueses estão endividados já em perto de 100 contos por cabeça, ou seja cerca de 500 contos por família média de 5 membros...



ACTOS VERGONHOSOS





Com a coragem que é seu apanágio, o prof. António José Saraiva escreveu um artigo publicado no Diário de Notíciasde 26/1/79:

«Os militares, sem nenhum motivo para isso, fugiram como pardais, largando as armas e calçado, abandonando portugueses e africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer-Quibir».

No dia anterior, na televisão, classificara a descolonização como «debandada em pé descalço».

Muitos foram os actos vergonhosos no Ultramar após o «25 de Abril», sobretudo a partir da nomeação dos «Altos-Comissários» (com excepção para Silva Cardoso dado que por isso foi chamado a Lisboa e substituído por Rosa Coutinho, para este fazer o jogo do MPLA) [Correcção: quem foi chamado a Lisboa foi Silvino Silvério Marques e nãoSilva Cardoso - este é que, por sua vez, sucederia o Almirante Vermelho].

E a esses homens deu-se-lhes o mesmo título de «Altos-Comissários» que fora tão prestigiado por ilustres Portugueses defensores do Ultramar...

Mas têm surgido livros com relatos vividos de actos de vergonha e traição, que é preciso recordar e que convém ler. Por exemplo:

O de Clotilde Mesquitela, Moçambique; 7 de Setembro; sobre Timor já citámos alguns; em relação a Angola vários também já foram publicados, além da obra de Pompílio da Cruz já referida, e apareceu recentemente o livro de Rebelo Cotta Não lhes perdoais, Senhor. Mas faltam obras que narrem o que se passou na Guiné, em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe. Recordaremos ainda o livro de Melo Machado Aviltados e Traídos e o de Neves Anacleto A Iventona do 28 de Setembro. Mas eis alguns casos especiais:

- Guiné. Centenas de «comandos» fulas foram desarmados e entregues ao PAIGC, sabendo-se perfeitamente que iriam ser trucidados por terem defendido a pátria comum, sob o comando de Carlos Fabião - o próprio que depois os entregou à morte, sendo Encarregado do Governo!

- Angola. Ainda a província era Portugal e já estava ocupada por soldados cubanos. Veja-se o prefácio do tenente-coronel comando Santos e Castro ao livro Angola - Comandos Especiais contra Cubanos, de Pedro Silva, Francisco Esteves e Valdemar Moreira. A independência deu-se a 11 de Novembro de 1975, e no Verão desse ano o exército cubano  desembarcou em Angola. Quem autorizou esse desembarque? Quem autorizou que os aviões escalassem as Lajes? Quais os responsáveis que colaboraram com os cubanos em Angola e os apoiaram? Costa Gomes negou o facto numa entrevista - mas O Diabo replicou: «Costa Gomes mente».









- Moçambique. Disse Samora Machel em Nampula, ainda antes da independência: 

«Enfrentámos generais portugueses corajosos como Caeiro Carrasco e Kaúlza de Arriaga, que nos teriam derrotado.

Mas não queremos em Moçambique, depois da independência, esses oficiais e soldados que se renderam cobardemente, nem sequer defenderam aquilo por que morreram tantos dos seus».

Ainda quanto a Moçambique, Jaime dos Santos Teixeira (de Moscavide), em O Diabo de 17/5/77, conta ter visto na África do Sul:

«...um filme (por um português de nome Ramos) intitulado Moçambique - um documento vivo»; e resume assim o filme:

«Vê-se o acordo de Lusaca a ser celebrado. E aparece também o ministro Almeida Santos a discursar e a afirmar que agora, sim, é que iria existir paz e sossego em Moçambique. Também se vê Álvaro Cunhal sorrindo, em grande plano, na altura em que uma bandeira portuguesa era substituída pela da Frelimo. E vê-se e ouve-se Mário Soares. E Samora a discursar - o que só por si é espectáculo incrível - afirmando ter terminado o fascismo e o colonialismo. E, logo a seguir, o casamento de Samora com a sua 5.ª mulher e companheira de militância, numa cerimónia absolutamente ao estilo fascista e colonialista, desde as alianças ao banquete, às indumentárias e ao beijo na boca.

O povo em bichas para água, para pão, e esgaravatando o lixo.

E vê-se - suprema vergonha - soldados tanzanianos a ser transportados para Lourenço Marques, em barcos de guerra portugueses, e a desembarcarem naquilo que é hoje o Maputo.

É bem um documento vivo. Não permitirão certas forças que ele seja projectado em Portugal, para maior e melhor elucidação dos portugueses».

- Timor. Muitos foram os actos de vergonha ali cometidos, designadamente o abandono de um grupo de soldados portugueses. Ver o livro de um deles, arq.º Rui Palma Carlos, Eu fui ao fim de Portugal.

E as ofensas à bandeira nacional e aos monumentos públicos, a mulheres, crianças, na presença de soldados metropolitanos?

Quando serão elaborados relatórios oficiais sobre o que verdadeiramente se passou em cada um dos antigos territórios do Ultramar? Quando será dado a conhecer o relatório há bastante tempo concluído sobre Timor?


O SILÊNCIO DOS PARTIDOS POLÍTICOS


Compreende-se o silêncio do PC e do PS quanto ao que se fez em matéria de descolonização, e porque se fez. Mas não tem justificação alguma a colaboração do PPD no governo nem o silêncio mantido pelo CDS - que apenas em campanhas eleitorais se refere, vagamente a «erros cometidos na descolonização»...

Não se condenando os actos de separatismo do Ultramar, como se podem condenar as incitações ao separatismo da Madeira e dos Açores formuladas por Kadhafi? O que o chefe líbio disse foi precisamente o que portugueses (só no bilhete de identidade) fizeram antes em relação aos arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe - e de todo o Ultramar, afinal? Todo o Ultramar que tinha, como a Madeira e os Açores, cinco séculos de história portuguesa.

Mas outras vergonhas devem ser lembradas. Cala-se o «Caso Angoche» e deixam-se vinte trabalhadores portugueses apodrecerem na Tanzânia (ver O Diabo de 28/2/78). Cala-se o que foi a dramática odisseia das traineiras regressadas à Metrópole sem o menor apoio oficial em contraste com o que aconteceu com as que se dirigiram ao Brasil, a que não faltou o auxílio das autoridades daquele país.




Ver aqui








O PROCESSO DA TRAIÇÃO


Esta parte sobre a «descolonização exemplar» finda com um brevíssimo apontamento sobre o processo corajosamente intentando por um grupo de patriotas contra os principais responsáveis.

Já Amorim de Carvalho, no seu livro O Fim Histórico de Portugal, deu a um dos capítulos o título de O Processo da Traição. Este poderia muito adequadamente ser a designação dessa causa posta nos tribunais - embora desta primeira vez sem êxito. No final deste livro, aliás, vai sugerida uma sanção talvez mais expressiva do que a da cadeia: o Juízo da História.

Resumo desse processo:

a) - Data da queixa à Polícia Judiciária: 28 de Dezembro de 1979;

b) - Síntese da queixa:

- Prática do crime previsto no art.º 141.º do Código Penal, punido pelo art.º 55  do mesmo diploma, crime consubstanciado em documentos de que os acusados foram signatários, em pareceres dados no exercício de funções oficiais, e em declarações prestadas publicamente, usando assim de meios fraudulentos com vista à separação de parcelas do território português, objectivo que conseguiram alcançar em directa colaboração com os que pretendiam por acções violentas a apropriação das províncias ultramarinas, como eram designadas na Constituição então vigente.

c) - Despacho do Juiz do 3.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, de 23/2/80, ordenando o arquivamento do processo com o fundamento de que, ainda que fossem provados os factos denunciados, eles deixaram de ter relevância jurídica em face do art.º 5 da actual Constituição.

d) - O recurso para a Relação de Lisboa foi negado por acordão de 23/4/80, porque os factos participados estavam amnistiados, nos termos do n.º 1º da Lei n.º 74/79, de 23 de Novembro.

e) - O Supremo Tribunal de Justiça, em acordão de 20/1/82, entendeu que: «De qualquer modo, a Constituição de 1976 ratificou expressamente a descolonização levada a efeito nos anos de 1974 e 1975». A terminar lê-se: «Se porventura houve erros ou desvios no processo da descolonização, a História não deixará de fazer sobre eles o seu Julgamento».

Foram participantes:

1. Silvino Silvério Marques, general na reserva;

2. Leonel Luís Nunes Vieira de Aguiar Câmara, engenheiro agrónomo;

3. Gilberto de Santos e Castro;

4. António Augusto dos Santos, general na reserva;

5. João Diogo Alarcão de Carvalho Branco,editor;

6. Adriano Augusto Pires, general na reserva;

7. Rodrigo Emílio Alarcão de Melo, jornalista;

8. António da Cama Ochoa, professor;






9. Fernando Alves Aldeia, tenente-coronel na reserva;

10. Pedro Alexandre Brum de Canto e Castro Serrano, brigadeiro na reforma;

11. Zarco Moniz Ferreira, bancário;

12. Eduardo Luís de Sousa, Gentil Beça, coronel de artilharia na situação de reserva;

13. Duarte Amarante Pamplona, major na reforma extraordinária;

14. Manuel Almeida Damásio, professor universitário;

15. José Pinheiro da Silva, inspector superior ultramarino;

16. Vasco António Martins Rodrigues, oficial da armada na reserva;

17. Miguel Ângelo da Cunha Teixeira e Melo, economista;

18. Camilo Rebocho Vaz, coronel na reserva.

Foram acusados:

1. Dr. Mário Soares, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros ao tempo em que ocorreram os factos denunciados e Secretário Geral do Partido Socialista;

2. Dr. António de Almeida Santos, que foi ministro da Coordenação Interterritorial ao tempo em que ocorreram os mesmo factos;

3. Ernesto Augusto de Melo Antunes, que foi membro do Conselho de Estado ao tempo em que ocorreram os mesmo factos e é actualmente presidente da Comissão Constitucional e membro do Conselho da Revolução;

4. Francisco da Costa Gomes, que foi Presidente da República ao tempo em que ocorreram os mesmos factos;

5. António Alva Rosa Coutinho, que foi presidente da Junta Governativa de Angola ao tempo em que ocorreram os mesmo factos;






6. Vítor Manuel Trigueiro Crespo, que foi Alto-Comissário em Moçambique, ao tempo em que ocorreram os mesmos factos;

7. Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho, que foi Comandante Adjunto do Copcon, ao tempo em que ocorreram os mesmo factos;

8. Mário Lemos Pires, que foi governador de Timor ao tempo em que ocorreram os mesmos factos.

A referida queixa foi apresentada contra todos os indivíduos que tiveram participação activa nos factos criminosos denunciados, e que foram referenciados expressamente no corpo da peça processual, nomeadamente:

1. Coronel Pires Veloso, que foi Alto-Comissário em S. Tomé e Príncipe;

2. Vicente de Almeida d'Eça, que foi Alto-Comissário em Cabo Verde;

3. António da Silva Cardoso, que foi Alto-Comissário em Angola:

4. Leonel Cardoso, que foi alto-Comissário em Angola;

5. Os membros da Junta de Salvação Nacional que se venha a apurar tenham dado pareceres favoráveis aos Acordãos da Descolonização;

6. Os membros do Conselho de Estado que se venha a apurar terem dado pareceres favoráveis aos mesmos Acordãos;

7. Os membros dos Governos Provisórios que se venha a apurar terem dado pareceres favoráveis aos mesmos Acordãos;

8. Os membros do Conselho da Revolução que se venha a apurar sejam autores da Lei Constitucional 7/74 (in José Dias de Almeida da Fonseca, «LIVRO NEGRO DO "25 DE ABRIL"», Edições Fernando Pereira, pp. 13-25; 40-59).








Ver aqui





















Continua


domingo, 10 de maio de 2015


O "Gulag Angolano" (ii)

Escrito por Miguel Bruno Duarte







«Tem a Rússia, desde os tempos dos seus grandes doutrinadores, uma política igualmente definida quanto à África: a sua subversão como meio de contornar a resistência da Europa. O trabalho de subversão e desintegração africana tem sido sistemática e firmemente conduzido pela Rússia e nesta primeira fase, que é apenas expulsar a Europa de África e subtrair quanto possível os povos africanos à influência da civilização ocidental, estão à vista os resultados obtidos.

Ora, talvez por força do seu idealismo, talvez também por influência do seu passado histórico que aliás não pode ser invocado por analogia, os Estados Unidos vêm fazendo em África, embora com intenções diversas, uma política paralela à da Rússia. Mas esta política que no fundo enfraquece as resistências na Europa e lhe retira os pontos de apoio humanos, estratégicos ou económicos para a sua defesa e defesa da própria África, revela-se inconciliável com a que pretende fazer através do Tratado do Atlântico Norte. Esta contradição essencial da política americana já tem sido notada por alguns estudiosos, mesmo nos Estados Unidos, e é grave, porque as contradições no pensamento são possíveis mas são impossíveis na acção».

Oliveira Salazar («O Ultramar Português e a ONU»)


Em Agosto, o chefe do MPLA, "Iko" Carreira, desloca-se à URSS, para discutir a recepção de maior volume bélico. Dias depois, uma numerosa delegação de altos militares cubanos chega ao Congo-Brazzaville, onde é efectuada uma conferência com o MPLA. Aí decide-se que os assessores militares ainda em Brazzaville se desloquem para Angola para participar em combates. Cuba promete o envio de mais forças. Numa conferência preliminar dos Não-alinhados, que se efectua no Perú em finais de Agosto, o conselheiro cubano Isidoro Malmierca pede aos membros que actuem a fim de acelerar a descolonização em Angola. A 20 de Agosto, o Presidente dos Estados Unidos, Gerald Ford, autoriza uma verba de 10,7 milhões de dólares para a FNLA e UNITA, elevando o total da ajuda concedida por Washington para 24,7 milhões de dólares, a fim de manter o equilíbrio militar face à presença cubano-soviética, pelo menos até à data da independência, procurando assim a negociação entre os três movimentos angolanos.

Os soldados cubanos pertencentes às unidades de artilharia apoiam a "gendarmerie" catanguesa na ofensiva do MPLA sobre Quibala, Novo Redondo e Benguela. Aqui ocorre um feroz combate entre a UNITA e as forças do MPLA apoiadas por cubanos. As tropas da UNITA capturaram dois soldados cubanos.

Em Setembro, as tropas cubanas dirigidas pelos general Diaz Arguelles, apoiadas por tanques e "orgãos de Stalin", instalaram-se no Caxito. O exército colonial português estacionado em Angola, recebe instruções do seu Alto-Comissariado para facilitar o apoio estratégico ao MPLA, sobretudo às unidades aéreas e navais. Deste modo, o MPLA enterra o governo de transição nascido dos Acordos de Alvor. Começa a cristalizar-se a intrusão militar cubano-soviética em Angola de uma maneira alarmante, pelo menos antes da data da independência.

Lançador de foguetes Katyusha durante a Segunda Guerra Mundial 





































União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)






Cuba






Congo-Bazzaville





Guiné-Conacry









Em Setembro, o Presidente do Congo-Brazzaville viaja até Havana, com representantes do MPLA, para precisar os detalhes de uma escalada militar cubana, uma vez que Portugal cederia o aparelho administrativo do país ao movimento angolano antes da sua independência.

O Presidente de Brazzaville, Ngouabie, concorda em dar ao MPLA e ao general Diaz Arguelles o arsenal bélico do seu exército, especialmente o material bélico de reacção que os soviéticos prometem substituir. Utilizar-se-á o território do Congo-Brazzaville como local de trânsito para os soldados cubanos. O Presidente guineense, Sékou Touré, confirma o aeroporto de Conakry como ponte de trânsito e de reabastecimentos dos aviões "Britannia" e IL-18 que Cuba utiliza como transporte militar. O Yémen do Sul oferece o aeroporto de Aden para a transferência de vitualhas provenientes da URSS.

Um oficial do exército cubano, que esteve desde o início em Angola, relata-nos como se efectuou esse triângulo militar entre a URSS, Cuba e Angola:

"Eles (os soviéticos) enviaram tropas e armas para Cuba para compensar os envios de Fidel para Angola. Para este efeito os 'assessores' russos do regime cubano forneceram dois aviões quadrimotores da União Soviética que equiparam com depósitos adicionais para garantir a provisão de combustível indispensável para a grande travessia. Devido ao peso destes depósitos, a capacidade para as tropas teve de ser limitada a 45 pessoas por avião, cada qual com as suas armas e demais equipamento bélico necessário e incluindo ainda dois canhões.

Estes 90 homens desembarcaram em Luanda sob o fogo cruzado das hostes de Savimbi e [Holden] Roberto que haviam cercado e fustigavam as tropas de Neto..."

O governo português encabeçado pelo general Vasco Gonçalves, ordena às tropas coloniais portuguesas em Angola que apoiem o MPLA, oficializando o que já era uma prática consumada. A este respeito diria Holden Roberto:

"...podemos verificar a presença de tropas cubanas e portuguesas nessas batalhas de Luanda que terminaram com a derrota temporal da FNLA e provocaram a evacuação da capital. Tudo fazia parte de um plano cuidadosamente preparado com a assistência das forças expedicionárias cubanas..."












Vasco Gonçalves e Costa Gomes




Vasco Gonçalves, Álvaro Cunhal, Costa Gomes e Pinheiro de Azevedo no 1.º de Maio de 1975



Vasco Gonçalves, Costa Gomes e Pinheiro de Azevedo



































Ver aqui. Ver também Portugal e os Americanos
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A TAP antes do 25 de Abril de 1974 (Margarida Rouillé na entrada de ar do reactor dum Boeing 707, Aeroporto da Portela, 1968).



Ao centro, da esquerda para a direita: Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Gonçalves



Ver aqui































Ver aqui



















Ver vídeos 1,  2,  3 4 5 e 6











Vasco Gonçalves


































Ver aqui
















Ver aqui



Jornal A Rua, n.º 70, 4 de Agosto de 1977, Ano II

















Sem dúvida, o factor decisivo para a escalada Castro-soviética a favor do MPLA deve-se ao facto de que em Setembro, o governo de esquerda português, liderado por Vasco Gonçalves, cai, pondo em perigo o apoio que Neto vinha a receber das autoridades portuguesas em Angola, em especial, os desembarques impunes de material de guerra soviético e soldados cubanos.

A meados de Setembro, três navios da frota mercante cubana transformados em transporte de guerra, transportam material bélico e 480 instrutores militares de reforço para Angola, com a máxima urgência. O ex-guarda-costas de Fidel Castro, Rigoberto Milan, oferece-nos de novo uma descrição do transporte de tropas:

"...os navios mais rápidos e com maior capacidade de carga da marinha mercante cubana foram dotados de prateleiras nos porões com toldos onde se instalaram longas filas de camas estreitas, apinhadas e pouco ou nada confortáveis. Isso tornava possível o transporte de nada mais nada menos de 1800 homens por viagem, em condições sub-humanas, como as dos barcos negreiros..."

Em princípios de Setembro, o MPLA lança uma verdadeira ofensiva contra a FNLA, utilizando pela primeira vez a artilharia de 122 mm, cedida pela URSS. Os conflitos sucedem-se através do Caxito até às imediações de Ambriz. Colocadas em camiões, as armas de 122 mm são o elemento mortífero que fazem pender a balança para o lado do bando de Neto. A delicada situação da FNLA faz com que o Presidente do Zaire, Joseph Mobutu, envie com urgência, dois batalhões de reforço a Holden Roberto, que recupera Caxito e avança sobre Luanda e também sobre Cabinda, apoiando a FLEC, precipitando os choques contra os cubanos, no dia 2 de Novembro.

No sul, a UNITA enfrenta os catangueses no Luso e os cubanos no Lobito, de uma tal maneira que os faz retroceder para Nova Lisboa. O secretário de estado norte-americano, Henry Kissinger, pede que a África do Sul "responda" à solicitude da UNITA e dê sinal de presença na contenda.

A África do Sul considera que uma coluna móvel, com um alto poder bélico, apoiada por carros e artilharia, pode inclinar a balança a favor de Savimbi e Holden e, inclusivamente, com o tempo suficiente para abandonar Angola antes do dia da independência.

Jonas Savimbi, aceita a ajuda bélica da África do Sul, ao defrontar-se com uma difícil situação militar, e as pressões da Zâmbia, para que abrisse ao trânsito o caminho-de-ferro de Benguela antes do dia 11 de Novembro. Em troca, Kaunda promete a Savimbi, o reconhecimento diplomático da Zâmbia e não inicia negociações com o MPLA.

(...) A entrada em cena da África do Sul facilita grandemente ao bloco soviético a campanha que então enceta a favor do MPLA, a pretexto da "agressão racista" subjacente à escalada que se está planeando.



Vasco Gonçalves, Otelo Saraiva de Carvalho e o "Almirante Vermelho" (Rosa Coutinho)


A queda de Vasco Gonçalves em Lisboa e a entrada da África de Sul no Cunene podem ser nefastas ao projecto de concentrar o poder nas mãos do MPLA. Contra essa eventualidade, a União Soviética envia mais armamento e Cuba mais soldados. As forças cubanas pretendem derrotar e liquidar a FNLA e a UNITA como organizações militares, e aumentar o mais possível a influência do MPLA. Avançando para o norte, as tropas cubanas desarticulam a FNLA, enquanto barcos de guerra soviéticos tipo KARA abrem fogo contra as forças anti-MPLA nos arredores de Luanda.

A União Soviética apoia o plano de uma acção de maior envergadura enviando mais barcos, aviões e armamento. As unidades regulares cubanas são enviadas com mais frequência em apoio do MPLA, tornando cada vez mais possível o regime marxista de Neto em Luanda e empurrando Holden Roberto para o interior.

Havana e Moscovo estão convencidos que as potências ocidentais não dispõem de "forças de acção rápida" para contra-atacar em território africano, sobretudo por se estar tão perto do processo eleitoral norte-americano e por Washington pretender apenas uma "contenção" em África.

As forças sul-africanas movimentam-se para o norte, atacando a coligação MPLA-Cuba. O dispositivo combinado UNITA-África do Sul avança sobre as forças cubano-catanguesas, e em Novembro pouco falta para a queda do MPLA no sul.

É controverso o facto de as tropas cubanas, congolesas, moçambicanas e armamento soviético terem chegado a Angola anteriormente à insurreição em Pretória.

As tropas da África do Sul avançam contra Sá da Bandeira, Benguela, Lobito, Gabela e Novo Redondo, que haviam sido ocupadas em Agosto, por destacamentos cubanos.

Com excepção de Pequim, poucos são os que, nessa altura, denunciam publicamente a intervenção militar de Fidel Castro em Angola, a favor do MPLA.

A partir de Cabinda, Holden Roberto lança uma ofensiva contra a capital, com o objectivo de reforçar as suas forças, que ali lutam contra o MPLA, em condições desfavoráveis. Do Lobito também Savimbi envia, cautelosamente, forças suas.











Ao centro: Holden Roberto

Na noite de 25 de Setembro o barco cubano "Vietnam Heróico" chega a Pointe Noire, transportando 20 carros blindados, 30 camiões e 120 soldados cubanos, sendo aí tudo e todos transferidos para o navio angolano "Lunda-Luanda", com destino a Caxito, onde se espera uma ofensiva. Em princípios de Outubro, chega outro contingente de Castro para as forças armadas do MPLA, em barcos cubanos. A 6 de Outubro, as unidades de combate cubanas enfrentam as sul-africanas, em Norton de Matos, mas a artilharia anti-tanques de Pretória detém-os. As forças dizimadas pelos sul-africanos pertencem às "famosa" divisão "50", uma unidade de elite directamente comandada por Fidel e Raul Castro.

Embora existindo um apoio directo dos EUA, Zaire e África do Sul aos movimentos anti-MPLA, este é inferior quantitativa e qualitativamente ao ministrado pela União Soviética ao movimento de Agostinho Neto (400 milhões de dólares). Por outro lado, Fidel Castro expressa a intenção de ampliar a presença cubana face a um abrandamento da posição de Pequim. A 8 de Outubro, o porta-voz cubano na ONU, Ricardo Alarcon, afirma:

"...perante a escandalosa interferência dos imperialistas, colonialistas e racistas em Angola, é dever fundamental de Cuba oferecer ao povo angolano assistência efectiva de que aquele país necessita no sentido de preservar a sua independência e total soberania. Tendo em vista precipitar o processo descolonizador deverá implementar-se uma estratégia coerente com a participação de todas as forças progressistas.

Esta estratégia é essencial para enfrentar os colonialistas e os racistas nas suas maquinações contra os povos da Namíbia e do Zimbabwe, e deverá opor-se ao colonialismo em todas as suas forças e manifestações em cada canto do planeta..."

A 6 de Outubro, além de cerca de 600 soldados cubanos, desembarcam em Pointe Noire, de bordo do navio "Playa de Habana", 3 tanques, 400 camiões e artilharia. Parte das tropas são enviadas para a base de Dolissie, no Congo-Brazzaville, enquanto outros contingentes e armamento seguem para Massabi perto de Cabinda e para Banga. Uma semana depois desembarca uma representação do Partido Comunista de Cuba juntamente com uma delegação militar e mais reforços de tropas. Aquela delegação programa com o governo do Congo-Brazzaville pormenores sobre o pessoal técnico necessário para os MiG-21 enviados pela URSS.



Um dos Mig-17F enviados para Angola (1975)














"...um ou mais barcos cubanos desembarcaram tropas directamente em Porto Amboim, ao sul de Luanda, que partem dali para Benguela a fim de se juntarem às tropas do MPLA que se estendem do Lobito até Nova Lisboa, e que necessitam com urgência de pessoal especializado em tanques".

Nas noites de 16, 17 e 18 de Outubro, dois transportes soviéticos aterram em Brazzaville com 1000 soldados cubanos e uma equipa soviética AN-12, que, juntamente a três barcos cubanos, serão utilizados na ponte aero-naval entre Pointe Noire e Angola. Simultaneamente, pelo Lobito, chagam mais de 500 soldados cubanos com seis tanques. Uma semana depois desembarca outro contingente de 750 soldados de Fidel e grande quantidade de material de guerra, desta vez em plena luz do dia.

A imprensa ocidental denuncia a constante presença de um grupo táctico naval soviético junto do teatro de operações. Mas é Cuba quem arca totalmente com as responsabilidades das operações enquanto a URSS sonda as reacções das potências ocidentais.

Existe a versão de que a URSS empurra Castro para esta operação e que este inicialmente se mostrara reticente. Outros sustentam que a operação é totalmente assumida por Havana e que Moscovo apoiara a audácia de Castro. De qualquer forma a ordem do comportamento das participações não altera o balanço final: Castro decide enviar tropas equipadas pela URSS, o Congo-Brazzaville deixa usar o seu território e como ponte deste tráfico inflamável conta-se SékouTouré, Guiné-Bissau, Barbados e Açores.

Em meados de 1975, o ideólogo do PCUS, Mikhail Suslov, no VII Congresso do Comintern, expressa-se a favor de um apoio mais activo aos "movimentos de libertação", de acordo com os princípios do "internacionalismo proletário". Também P. I. Menchka e R. Ulyanovsky, respectivamente chefe do Departamento de África do Comité Central e vice-chefe do Departamento Internacional do CC, teorizam sobre a importância de uma "estratégia revolucionária" de ajuda material directa ao processo de libertação nacional e insurgem-se contra os defensores de um "evolucionismo".










A 5 de Novembro, dia em que as tropas especiais de Castro são enviadas por via aérea para Luanda, o diário PRAVDA anunciava a decisão soviética por uma solução armada em Angola e, consequentemente, a ruptura com os acordos de Alvor que estipulava a independência negociada:

"...ao proclamarem-se a favor de negociações pacíficas e do abrandamento das divergências os maoístas pretendiam sentar à mesma mesa o povo angolano, vítima da agressão armada, e as forças fantoches treinadas por mercenários especialistas da China e da CIA em conjunto com os racistas sul-africanos e rodesianos..."

O conflito dentro do Bureau soviético entre os que defendem a invasão cubano-soviética e os que procuram uma transição "evolutiva" reflecte-se na imprensa moscovita. Em 3 de Janeiro de 1976 um editorial do diário PRAVDA e outro do EZVESTIA, três dias depois, punham em destaque os pontos divergentes sobre aquela problemática. As divergências ressaltam durante o XXV Congresso do PCUS, em Fevereiro de 1976, evidenciando-se o papel gestor da URSS na invasão de Angola. Na realidade os planos expansionistas e o cometimento militar de Castro com os soviéticos, juntamente ao interesse estratégico e aos interesses do Partido Comunista Português, são os elementos actuantes da invasão de Angola. Em meados de Outubro, quando os sul-africanos tinham entrado em cena, já havia cerca de 7.500 soldados cubanos no campo de batalha.

O MPLA, apesar de contar com a assistência cubana, recua face à pressão das colunas da UNITA e da FNLA. No seu avanço para o norte, a UNITA consegue arrebatar algumas cidades ao MPLA e ao longo da fronteira sul destrói unidades cubanas e limpa a zona entre Pereira d'Eça e Porto Amboim. O MPLA sem a protecção da artilharia e dos blindados cubanos é dominado por Savimbi. No norte, a FNLA inicia a ofensiva a partir de Ambriz, fazendo recuar os cubanos e catangueses até às imediações de Luanda, deixando pelo caminho mais de trezentos mortos. A 23 de Outubro, uma força sul-africana e efectivos angolanos comandados por Daniel Chipenda iniciam o avanço do sul após ter facilmente ganho Sá da Bandeira e derrotado os cubanos quatro dias depois em Moçâmedes.

Estão envolvidos na luta mais de 4000 soldados cubanos, parte deles colocados entre Caxito e Lobito e 2500 estacionados em Luanda e Quifandongo.

Entre 26 e 29 de Outubro transportes aéreos soviéticos chegam à base aérea de Maya-maya, no Congo-Brazzaville, com mais de 1000 soldados cubanos e material bélico procedente da Guiné-Bissau com destino a Angola.














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Bandeira da UNITA




























A coluna UNITA-África do Sul, composta por 2000 homens, inicia uma ofensiva a partir da Namíbia em Outubro e enfrenta forças superiores de cubanos, catangueses e combatentes do MPLA. A 28 de Outubro, a UNITA toma Mocâmedes, a 12 de Novembro, Novo Redondo. Lobito e Benguela caiem a 16 e um dia depois Malange. Outra força da UNITA faz recuar os catangueses, expulsando-os do Luso, para depois se dirigir a Teixeira Sousa, tirando a estação ferroviária das mãos do MPLA. A operação "Zulu" parece conseguir os seus fins. Savimbi prossegue-a até ao norte.

A impossibilidade das tropas cubanas (comandadas pelo general Diaz Arguelles) e dos artilheiros catangueses deterem a coluna móvel UNITA-África do Sul, assim como as grandes baixas que sofrem, determinam a decisão de Fidel Castro e da URSS no que respeita a uma escalada militar em Angola. Numa reunião entre Castro e Henrique dos Santos do MPLA, realizada em Havana, é decidido declarar a independência unilateral que conceda a cobertura jurídico-política à escalada militar soviético-cubana. Nessa altura já todos os actores do drama angolano se acham presentes (Cuba, URSS, África do Sul, Zaire, EUA) para ajudar o "seu" protegido.

Na primeira semana de Novembro as forças de Holden Roberto aproximam-se de Luanda atravessando as planícies de Quifandongo apoiadas por peças de artilharia sul-africanas. O MPLA conserva uma estreita franja costeira ao norte e sul de Luanda e os seus dirigentes começam a evacuar a capital. Entre Caxito e Luanda os cubanos e os soldados do MPLA preparam a defesa. Há notícias da presença de Mig-21, tanto no Congo-Brazzaville, como em Luanda. As forças cubanas e do MPLA são colhidas por uma pinça mortal do norte ao sul. A coluna sul-africana, depois de derrotar os agrupamentos do MPLA no sul, corre para Benguela, onde choca com a artilharia cubana, que leva de roldão até Lobito, subindo depois para Luanda, ao longo do caminho-de-ferro de Benguela.


Ver aqui

A rapidíssima ajuda das unidades cubanas que formam as tropas especiais de Fidel Castro (saídas de Cuba a 5 de Novembro, via Cabo Verde) com o apoio das forças do general Diaz Arguelles, dificultam primeiro e imobilizam depois o avanço desta coluna sobre a capital, enquanto em Cuba se preparam outros meios de transporte para completar um primeiro contingente.

Rigoberto Milan, oficial do exército cubano e ex-guarda-costas de Fidel Castro revela que o dirigente cubano mantinha comunicação permanente com Angola mediante as instalações facilitadas pelos soviéticos:

"...os serviços de informação cubanos advertiram o general Diaz Arguellez que várias colunas de guerrilheiros e civis provenientes de Cabinda, num total estimado entre oito e dez mil pessoas avançavam sobre Luanda. Havia também sido detectado outro grupo, mais pequeno mas melhor organizado, formado pelos homens de Savimbi, que vinha do Lobito. O alto-comando cubano compreendeu que a capital ficaria entalada numa operação-pinça entre as colunas de Holden Roberto, pelo norte, e os homens de Savimbi, pelo sul. O seu papel de espectador havia terminado. Começava agora a verdadeira batalha de Luanda.

Era preciso conservar a qualquer preço o controlo da capital, até chegarem os primeiros navios com reforços. O general Diaz Arguellez comunicou a situação a Havana: a capital seria atacada dentro de poucos dias e os homens de Neto eram incapazes de manejar o armamento moderno que haviam recebido. Em resposta à sua mensagem, anunciaram-lhe a partida imediata, por avião, de especialistas em artilharia pesada de 122 mm. Por outro lado, os comandantes dos cargueiros cubanos que transportavam mais tropas receberam ordens para acelerar a marcha..."

Como bem observa Juan Vives na sua passagem sobre a invasão angolana, o bloco soviético retira dividendos da retirada norte-americana no Vietname, portanto os EUA limitam o seu apoio a Angola com a contribuição de 32 milhões de dólares para a UNITA e a FNLA, o que também se manifesta insuficiente face às injecções soviéticas. Esta limitação norte-americana no plano financeiro resulta da recusa do senado em Washington de ampliar em mais de 28 milhões a magra ajuda.

A rapidez e o segredo destas operações impedem inicialmente qualquer reacção ocidental, ou o reforço do campo contrário. Conhecedor deste detalhe táctico, Castro cuida apenas de não irritar os franceses no que respeita ao Zaire ou ao Gabão.








A decisão de intervir em Angola promete mais vantagens do que possíveis desvantagens a Castro. Além de aumentar o seu prestígio aos olhos dos soviéticos, Fidel sabe que Cabinda se apresenta como uma fonte petrolífera e que Angola é rica em minérios. Castro abranda o seu pesado aparelho burocrático, aplica a profilaxia ideológica e paralisa o processo descentralizador que evidentemente reduziria o seu poder.

Uma vitória em Angola significa uma base estratégica cubano-soviética no flanco sul-africano e a eventualidade de pressionar, com a sua presença militar, o Zimbabwe e a Namíbia. Por esta altura, o governo norte-americano estuda a possibilidade de desenvolver um programa com a FNLA e a UNITA a fim de modificar a situação no plano militar, considerando o envio de mísseis terra-ar "Redeye", anti-tanques, artilharia pesada, apoio aéreo táctico, etc. Ao mesmo tempo é também considerada a presença de assessores e unidades militares norte-americanas, o envio de um dispositivo naval e a realização de intimidações militares sobre Cuba para limitar Castro. Mas a administração não acolhe a ideia.

Sob a cobertura portuguesa em Angola, as forças de Castro são abastecidas por via aérea, a partir da URSS, em AN-22 que sobrevoam o espaço aéreo africano pelo corredor Argélia-Mali-Guiné, saindo para o Atlântico para fazer a escala final em Brazzaville. Como expressaria Mário Mesquita acerca do valor estratégico dos Açores:

"...No inverno de 1975-76, o aeroporto de Santa Maria, onde aterravam os aviões comerciais da Cubana Airlines, ao abrigo do acordo bilateral de navegação aérea entre Portugal e Cuba (assinado em Junho de 1951), terá servido de escala ao transporte de tropas cubanas e material de guerra rumo a Angola com paragem na Guiné-Bissau ou Cabo Verde. Reconhece-se no entanto que a maior parte do transporte de homens e armamento para reforço do MPLA se processou por via marítima...

...Enquanto os cubanos aproveitavam as infra-estruturas aeroportuárias de Santa Maria, na vizinha base das Lajes reabasteciam-se aviões americanos em trânsito para a África com auxílio militar à FNLA e à UNITA. Este exemplo, de dupla utilização dos Açores para intervenções militares antagónicas em Angola demonstrou a relevância estratégica do arquipélago na perspectiva do confronto soviético-americano em África..."

Em Novembro de 1975, a URSS incrementa o volume do material de guerra que armazena em Porto Amboim e Quizama. Por outro lado, intensificam-se esforços para formar uma pequena força aérea. No dia 24 desse mesmo mês o Departamento de Estado norte-americano afirma que há em Angola 15.000 soldados cubanos.








Arkady N. Shevchenko, o alto funcionário soviético que rompe com Moscovo em 1978, quando desempenhava as funções de secretário das Nações Unidas, oferece o seu testemunho sobre o problema angolano a partir de conversações com altos funcionários da "Nomenklatura" soviética sobre os assuntos africanos. Shevchenko revela que Moscovo considera a África o ponto mais débil e vulnerável do Ocidente. Shevchenko confirma o envolvimento da URSS com o grupo pró-soviético do MPLA muito antes de estalar a guerra. Assinala que Moscovo procedeu ao transporte das tropas cubanas e que juntamente com elas seguiam especialistas militares soviéticos. Revela ainda que no Outono de 1975 Neto solicitou a Moscovo mais ajuda militar.

De acordo com Shevchenko a operação militar do final do ano efectua-se pelo entendimento entre Moscovo e Agostinho Neto, pela ajuda em equipas militares, assim como pela informação de Castro à URSS quanto à sua disposição de enviar tropas para Angola. Segundo a mesma fonte, a URSS utiliza Castro no seu expansionismo em África.

Shevchenko relata a versão de Vasili Kuznetsov (alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros soviético) segundo o qual Agostinho Neto, apesar de estar totalmente controlado pela URSS, não oferecia o perfil ideal como dirigente de Angola, pelo que havia sido decidido escolher um melhor candidato, possivelmente "Iko" Carreira. Kuznetsov informou ainda Shevchenko de que os grupos pró-soviéticos no interior do MPLA tinham anteriormente, e segundo parece a instâncias do KGB, tentado eliminar Neto.

Face à escalada cubano-soviética, a CIA continua a pressionar no sentido de uma acção conjunta com a África do Sul, apoiando os pedidos de Pretória quanto ao envio de armamento sofisticado, aviões e combustível para desencadear um ataque surpresa através do Zaire, sobre Teixeira de Sousa. O receio de uma escalada internacional e o síndroma do Vietname paralisam a máquina do poder norte-americano, que deixa isolada a África do Sul.

A 10 de Novembro de 1975, o Alto-Comissário português para Angola, Leonel Cardoso, transfere oficialmente as funções governativas para o MPLA que, em Luanda, declara unilateralmente a independência. Por seu lado a FNLA e a UNITA declaram também a independência do país. Como explicaria Álvaro Vasconcelos:

"...No período que antecedeu a data fixada para a independência de Angola, 11 de Novembro de 1975, o PCP, através de uma sistemática campanha de desestabilização, torna o governo e as forças armadas portuguesas completamente inoperantes para impor, a quem quer que seja, o respeito pelos acordos de Alvor. É o período da Frente Unida revolucionária (FUR) e da aliança do PCP com a extrema-esquerda, que levaria à tentativa de golpe de 28 de Setembro de 1975..."

(...) Sem a logística, os serviços secretos e o consentimento soviético, Fidel Castro não se teria lançado numa operação militar de tão grande envergadura como a de Angola. Apesar de velada a profunda implicação de Moscovo existem provas de que o Alto-Comando militar soviético desenhou os planos estratégicos executados por ordem cubana, na sua ofensiva contra a FNLA. Posteriormente, tornou-se mais visível o papel da União Soviética, a qual ordenou por duas vezes uma paragem na ofensiva cubana contra a UNITA, visto que os seus serviços secretos, via satélite, mantinham informado o comando militar cubano e determinavam o rumo das operações no sul, tentando evitar confrontos com as forças da África do SUL.



Gabriel Garcia Marquez e Fidel Castro








Saragago e Gabriel Garcia Marquez


A versão oficial cubana dos sucessos em Angola está explícita num extenso artigo, escrito pelo Nobel da Literatura, Gabriel Gárcia Márquez, amigo íntimo de Castro, a quem o próprio Fidel forneceu os detalhes. Consciente ou inconscientemente, Márquez escreve um artigo desinformativo sobre a acção cubana em África, que serviu não só para aumentar a confusão cronológica, o número verdadeiro de soldados postos em Angola antes de 1975, os objectivos da operação, como também a natureza da ligação, que existia desde 1974, com a URSS:

"...O acto de solidariedade de Cuba com Angola esteve longe de ser um acto impulsivo ou casual, foi até ao fim, o resultado de uma contínua política em relação a África pela revolução cubana...

...Os Estados Unidos tinham acabado de se libertar do Vietname e do escândalo Watergate. Tinham um presidente que ninguém tinha eleito. A CIA encontrava-se sob fogo e muito por baixo na opinião pública. Os Estados Unidos precisavam de evitar parecer (não só aos olhos dos países africanos, especialmente aos olhos dos Negros Americanos) ter-se aliado com a racista África do Sul. Além do mais, encontravam-se no meio de uma campanha eleitoral, no seu bicentenário...

...A pedido de Neto, Castro tinha mandado previamente um contingente de 480 especialistas, os quais tinham seis meses para instalar quatro centros de treino, organizar dezasseis unidades de infantaria, e reunir vinte e cinco morteiros e baterias anti-aéreas. Uma brigada médica, 115 veículos, e uma equipa de comunicações faziam parte do primeiro contingente, o qual deixou Angola em três improvisados navios de carneiros..."»

Juan F. Benemelis («Castro, subversão e terrorismo em África»).


«Dizem que Agostinho Neto anda por aí, pela boca dos seus fiéis, a protestar contra os que "injustamente" falam mal dele; contra os que o acusam de graves violações éticas cometidas no período de luta de emancipação nacional e por sistemáticos atentados ao direito e à legalidade enquanto chefe de Estado. Dizem ainda que a mais aberrante das acusações com que o pintam é a de ditador, uma vez que destruiu os últimos resquícios de liberdade existentes em Angola antes da Independência e que instituiu uma cultura totalitária e de violência sobre os cidadãos.

De acordo com a razão dos seus sectários, nenhum destes absurdos resiste à contraprova da história que mostra o presidente desde muito cedo [nos tempos de estudante de Coimbra e em Lisboa] um activo paladino dos valores democráticos e um defensor das causas da paz no mundo, pelos quais, de resto, veio a expiar às mãos da PIDE. Mercê da sua coerência de pensamento, mercê do seu elevado grau de humanidade para com os companheiros de luta, a quem sempre reservou uma palavra de alento, e mercê especialmente da sua certeza na vitória final, foi possível chegar ao glorioso dia da Independência nacional.



















[Em] A Sacralização de um Déspota, julgo ter exposto com a máxima clareza e com factos históricos concretos o verdadeiro rosto deste político. Os seus glorificadores, ao invés, vão mais longe e repudiam as minhas asserções, carimbando-as de meros equívocos ditados, segundo eles, pelo ressentimento que me vai na alma por causa do 27 de Maio. É lícito perguntar: que equívocos escrevi eu que não possam ser testemunhados por ex-dirigentes que lidaram de perto com o "rei" e vieram a ser alvo de expurgos ao tentarem contestar a excessiva concentração dos seus poderes?

(...) que argumentos aduzi eu que não possam ser histórica e documentalmente confirmados sobre o que foi a conduta do "grupo de amigos" e áulicos de Neto que, com inteiro conhecimento deste, reduziram outros militantes, desde os tempos da guerrilha, a processos inquisitoriais, os mais ignóbeis? Que disse eu estar em contradição com o falar de milhares de cidadãos anónimos de Luanda, Malange, Carmona, Moxico, Bié e Benguela que, a seguir à Independência nacional, foram brutalizados e ainda hoje se calam por medo? Se houve o 27 de Maio e se fuzilaram tantas pessoas inocentes e se mantiveram outras ilegalmente encarceradas em campos de trabalho e em prisões, como poderia eu declarar o contrário sem mentir?

Alguns desses campos serviram, como é sabido, de depósitos de morte. Os métodos de assassínio aí praticados revelaram-se, é certo, pouco dispendiosos na medida em que bastava crivar as vítimas de balas e regar os seus corpos com amoníaco antes e a seguir enterrá-las. Um dos maiores campos foi o de Kalunda, no Moxico [distante da capital da província 800 km], inicialmente concebido como campo de trabalho. Era circundado por uma alta vedação de arame farpado, por guaritas e holofotes. Segundo testemunhos recolhidos, ao centro ficavam

[...] os dormitórios e a cantina, a cozinha, a sanita ao ar livre, o cheiro nauseabundo dos esgotos [misturava-se] com o odor forte dos cadáveres em decomposição. Depois, um pouco separado do resto do campo, a casa do chefe e do seu adjunto, que dispunham [...] de poder [...] de vida e de morte [sobre os presos].

Para despejar os intestinos ou a bexiga os prisioneiros iam ao ponto de se humilhar, tinham de pedir licença aos guardas; estes autorizavam ou não consoante o seu estado de humor. As matanças ocorriam diariamente, às dezenas. Abatiam-se as vítimas a tiro ou enterravam-nas vivas dentro de valas abertas por elas próprias. O principal agente carniceiro era um tal Mainga, responsável do campo, que se fazia acompanhar nessas orgias de sangue pelo seu adjunto, João Negro. Calcula-se terem perdido a vida em Kalunda cerca de 15.000 pessoas, entre civis e militares, todos do MPLA. Até adolescentes se sacrificaram, sendo de recordar a figura de António Ambriz, de quinze anos de idade -, o qual, segundo os seus assassinos, se tornara culpado em virtude de, num comício, não ovacionar Agostinho Neto com o necessário fervor.































Mas adiante mais uma vez: que disse eu da destruição económica do país que possa estar em contradição com o que os economistas mais abalizados e probos não tenham já analisado?

(...) No fim de contas o que restou dessa deificação revolucionária - de confisco e expropriação de terras, fábricas e outros bens dos antigos colonos - traduzia-se em menos direitos para a colectividade humana, que se via assim acorrentada, sem nenhuma opção individual de escolha, a um cabaz de compras garantido todos os meses pelo Governo. A quantidade de comida distribuída beneficiava toda a gente por igual, quer se tratasse de uma família de duas pessoas, quer de oito, situação que trazia a população presa aos aguilhões da fome.  De posse de uma ração tão escassa, os consumidores eram obrigados a recorrer ao mercado negro, ao passo que os principais dirigentes políticos, e até ministros e comissários, recebiam nas suas casas todas as semanas provisões opulentas de carnes, peixe, ovos, frutas importadas, verduras e vinhos de mesa das melhores marcas, além de whisky e bebidas licorosas. Recordo-me de entrar um dia na residência de um governante em Benguela e, perplexo, não saber se me encontrava numa sala de estar ou numa adega, tal a profusão de garrafas de whisky [da melhor qualidade] espalhadas pelo aparador e outros móveis. Comia-se à tripa-forra. Lá fora o povo formava filas intermináveis para conseguir um pedaço de pão.

Além disso, a deificação revolucionária na Angola de Neto traduzia-se numa maior concentração da propriedade privada dos meios de produção e de troca nas mãos dos novos senhores vindos da guerrilha. A fim de zelar por esta apropriação e esbater o alcance de tamanho crime contra o interesse público, criou-se um sistema rígido de controlo sobre toda a sociedade; aparelhou-se o Estado com uma burocracia tentacular cuja função era espiolhar os mínimos gestos dos cidadãos. A melhor caricatura desta burocracia e do seu papel omnipresente repousa no seguinte exemplo: ninguém podia deslocar-se de uma província para outra ou de uma cidade para outra, a menos que estivesse superiormente autorizado e munido de uma guia de marcha. Infringir tal norma acarretava prisão.

(...) Ao maquilhar-se Neto com as cores de um novo "revisionismo" pós-estalinista, pretende-se apresentá-lo como um construtor exemplar do Estado pós-colonial, um estadista preocupado com as "camadas mais exploradas" e ainda um amante da liberdade e da democracia. Ou seja, um indivíduo de esquerda e inspirador de políticas impregnadas de princípios humanitários.


Chegada de um contingente de cubanos a Angola


(...) Esta liturgia em torno das suas qualidades superiores é falsa e, acima de tudo, imoral quando se tenta humanizar a sua figura e o seu regime. Como é possível colar a Neto a imagem de humanista quando sob o seu império, e em nome da utopia socialista, se pulverizaram todos os axiomas de justiça e se ofereceu ao país o espectáculo da morte, da ruína e da barbárie? Pelos vistos, os seus aduladores desconhecem ou desprezam deliberadamente o que aconteceu no segundo semestre de 1976, quando um corpo de expedicionários cubanos, auxiliado por tropas angolanas, devastou povoações inteiras no Huambo, no Moxico e no Bié e sacrificou cerca de 150.000 pessoas. Esta acção militar ficou conhecida pelo nome de código Operação Tigre. Matar em Angola, como lembra o jornalista cubano Ulises Carbó Yániz, equivalia a uma façanha desportiva:

Aldeias inteiras desapareceram alegremente passadas a ferro e fogo pelos chamados "neocolonialistas" cubanos, representantes dos interesses pan-africanos da União Soviética, que ocasionaram o saque e o assassinato colectivo mais intenso e silencioso de que há memória na história do Continente. Ali também se experimentaram as primeiras armas bioquímicas. Às mais remotas aldeias arrasadas pelos castristas sequer chegaram os repórteres. Nem a CNN, nem a Associated Press, nem os serviços internacionais da Reuters ou da Interfax. Só a morte campeava. Um genocídio quase oculto, que terá de passar à história. Os generais de Castro apoderaram-se das minas de diamantes, do marfim e dos elefantes desmembrados [...].

Isto não é tudo: contra inúmeras aldeias usou-se o napalm, confirma o etnólogo cubano Carlos Moore, e foi tanto o sangue vertido por civis inocentes que milhares de soldados caribenhos enlouqueceram. Lamentavelmente, estes crimes de lesa-humanidade não estão certificados pela Amnistia Internacional e por outros grupos internacionais defensores dos direitos humanos.

(...) Neto descuidou da sua missão primordial que seria governar para a pluralidade, ou seja, para todas as vertentes do país e não para os da sua família partidária. Uma das suas primeiras disposições foi abolir todas as formas de associação sindical livre e impor um sindicalismo de cunho partidário. As estruturas da Igreja Católica em todas as arquidioceses, dioceses e paróquias foram atacadas pelo MPLA, sendo os seus padres molestados e as suas instalações e oficinas confiscadas.

Veja-se o caso da Rádio Ecclesia. O seu silenciamento ocorreu em 1978. Para a Igreja Católica angolana este facto representou inegavelmente um dos momentos mais fatídicos nos dezasseis anos a seguir à Independência nacional, já que durante este largo período ela viveu desterrada num "silêncio forçado e vigiado" e privada de meios para fazer ouvir a sua voz a favor da paz. O processo de devolução das suas estruturas, que incluía tipografias, só viria a ter lugar na década de 1990, se bem que até hoje ela continue a ser objecto de tácticas intimidatórias por parte do regime do MPLA.












(...) O MPLA, com efeito, colocou-se nos antípodas de tudo quanto havia proclamado no tempo da luta de emancipação, isto é, de que "[...] na Angola independente haveria lugar para todos os credos religiosos". Uma promessa indecorosa que os altos responsáveis do Movimento à partida não se dispunham a cumprir; somente os movia a preocupação de mobilizar as massas rurais e "[...] destruir nelas os preconceitos e os mitos". Destruição, entenda-se, exercida por métodos de força. Nem a actividade missionária nas aldeias, nomeadamente a assistência aos camponeses necessitados, escapou à cegueira do regime político, ao submeter as populações à sua "verdade" e ao seu pétreo controlo ideológico. Além de ameaçar, prender e espancar sacerdotes, a polícia secreta de Neto também os raptava. Idênticas violências se moveram contra outras confissões religiosas distintas do catolicismo. E também contra os grupos de consciência.

As Testemunhas de Jeová são, porventura, dos exemplos mais marcantes de uma minoria que experimentou sofrimentos inauditos. Por defenderem uma posição ética de rejeição da guerra e se negarem a alistar nas Forças Armadas, as instituições do poder perseguiram-nas implacavelmente, não lhes reconhecendo o direito à protecção física cidadã nem à liberdade de crença. As atrocidades cometidas pela DISA, a polícia secreta, e pelos demais corpos policiais, incluindo as milícias da ODP, são inenarráveis. Cada vez que esta última corporação descobria um prosélito daquela comunidade cristã não-trinitária, golpeava-o com facas e catanas e lacerava-lhes as carnes e as vestes. Em 1977 a penitenciária de São Paulo, em Luanda, acolheu uma centena e meia destes presos de consciência que foram submetidos às mais bárbaras condições carcerárias. Em menos de vinte e quatro horas despojaram-nos de toda a sua humanidade: torturaram-nos com uma malvadez insana e reduziram-nos a sangue e a farrapos. Além de os obrigarem a comer em latas imundas, impediam-nos de cuidar da higiene corporal. Pareciam espectros, tal a imundície que os cobria. Por fim, uma noite embarcaram-nos em camiões da Polícia de Fronteira e levaram-nos para a morte.

(...) Apenas a Igreja metodista Unida se salvou destas perseguições. Sem qualquer dúvida, uma benevolência do regime. Primeiro, devido à formação protestante de Neto; segundo, devido ao auxílio prestado pelas igrejas protestantes dos Estados Unidos ao MPLA no período da luta armada; terceiro, devido aos gestos de servilismo do seu bispo, Emílio Júlio Carvalho, naturalmente propenso a deleitar o ego do príncipe.

Os poucos jornais que sobreviveram depois da Independência acabaram por ser encerrados e apenas sobrou o Jornal de Angola, de imediato transformado em orgão de propaganda do aparelho do Partido e do Governo. A delação e a vigilância sobre os mínimos gestos dos cidadãos tornaram-se traumáticos e todos os dias a televisão e a rádio expeliam ameaças contra os que apelidavam de "reaccionários" e"bandidos ao serviço do imperialismo internacional". Vivia-se um clima social de permanente intimidação e censura a todos os níveis, bastava pronunciar uma palavra tida por oficialmente heterodoxa para se ser crismado de "inimigo do povo" e preso. A ração de terror era tal que até, em assembleias alargadas do MPLA, os militantes [mesmo discordando de directivas superiores] se calavam por medo. Um dia, um alto dirigente tentou espicaçar este medo, dizendo: "Falem, falem que ninguém vos prende".

Passividade e resignação perante todo o tipo de desumanização, eis numa palavra o que se sentia no reino de Neto. (...) O terrorismo de Estado, com todo o cortejo de prepotências e homicídios, trazia os súbditos escravizados ao jugo do MPLA; possuídos de um espírito maligno, os dirigentes tentavam reduzir ou alterar a consciência dos homens.













Ver aqui







































Umas das lições primordiais de Nelson Mandela está condensada no seguinte pensamento: "um nobre desígnio não se pode almejar por meios ignóbeis. Processos práticos, sim, venais, nunca"».

Carlos Pacheco («Angola. Um gigante com pés de barro e outras reflexões sobre a África e o mundo»).


«O historiador angolano Carlos Pacheco escreveu numa obra publicada em 2000:

Com efeito, no campo da Kibala, no Kuanza-Sul, chegou a preparar-se naquele ano [1977] com valas previamente abertas, o extermínio de quadros técnicos angolanos - médicos, engenheiros, professores e outros -, todos partidários activos do MPLA. Outros jovens passaram também por esse campo, alguns deles portugueses, que não sendo embora militantes daquela facção política, tomaram partido por outros grupos de esquerda, aparentemente autónomos. Também eles suportaram sofrimentos indescritíveis até serem libertados em 1980, sem que jamais as autoridades portuguesas tivessem esboçado qualquer gesto para os resgatar ou minorar a sua situação.

Conheci-o num calabouço infernal angolano. Falei com ele num dos piores períodos da minha permanência nas prisões angolanas, aquele em que fui violenta e repetidamente interrogado e torturado. Recordo bem aquele dia em que estava a conversar com Carlos Pacheco à porta da cela quando apareceu um grupo de soldados gritando com ar de gozo o meu nome. Pensei tratar-se de uma brincadeira, mas o Carlos avisou-me de que aquilo era para ser tomado a sério.

Fui levado para uma sala de interrogatório onde estava o agente Carmelino e o torturador Limão. O cenário era brutal. Ainda estavam lá o Manuel Campos e o Fernando Correia. O calibre da pancadaria era tal que as suas cabeças feridas pareciam agora ter o dobro do tamanho. Tinha chegado a minha hora. Foi uma hora eternizada de agressões múltiplas com um cano estriado. Cada golpe inundava o meu corpo de sangue e hematomas - a camisa azul que o Costa me tinha dado ficou em farrapos.



Américo Cardoso Botelho na prisão



Fiquei em tal estado que já só pude falar com o Carlos Pacheco no dia seguinte. A propósito do que me tinha acontecido, Carlos Pacheco referiu-se a um episódio da sua estadia ali na Cadeia de São Paulo. Chamaram-no ao Comando. O capitão Carlos Jorge estava lá para o receber. Carlos Pacheco pensou que a gentileza do acolhimento o livrasse do pior, mas bastou uma resposta não esperada para o verniz estalar. Carlos Jorge ordena a violência. Os torturadores de serviço despejaram-lhe nas nádegas e nas costas violentos golpes com uma barra de ferro. Deixaram-no descansar um pouco, para depois avançarem com um cavalo-marinho, vergastando todo o seu corpo.

Estas narrativas de violência, mesmo se as razões da nossa prisão correspondiam a histórias diversas, irmanavam-nos no juízo de que estávamos perdidos nas entranhas de um regime que repetiu durante anos crimes contra a humanidade.

O Natal de 1978 coincidiu com um período de encruamento das acções repressivas. O famigerado Pitoco veio a São Paulo tratar, pessoalmente, do caso de alguns ocas. Soube que nesses interrogatórios estiveram presentes: o Pereira, o Gunga, o Inácio e Onambwe. O insuportável começou no dia 23 de Dezembro, mas a noite de 24, véspera de Natal, foi a das maiores barbáries. Vi regressarem às celas corpos de jovens com o tronco cilindrado pela mais indescritível violência, a carne viva, banhada em sangue; os rostos amassados pela violência torpe dificilmente se podiam identificar; alguns traziam os testículos com marcas de queimaduras.

E ali ficavam pelas celas, gritando as suas dores, sem qualquer auxílio. Da vizinhança não podiam esperar ajuda pois, em muitos casos, os próximos padeceriam do mesmo. Aos outros, situação em que estava incluído, estava vedada a possibilidade de entrar naquele corredor da morte. Como tinha a porta da minha cela aberta (Vasconcelos, enfermeiro que dormia ao meu lado, tinha convencido o Comando de que sofria de claustrofobia) pude, no entanto, ver as vítimas carregadas pelos "conduzes". Vasconcelos ao meu lado, não se atrevia sequer a voltar a cabeça na direcção da porta, paralisado de medo.

(...) No dia 4 de Março de 1978, chamaram ao Comando todos os portugueses que estavam em São Paulo. Os agentes queriam comunicar a nova acerca da próxima libertação dos portugueses, em consequência de um acordo entre o Estado angolano e o Estado português. Queriam por isso identificar-nos com precisão e conhecer a relação dos nossos bens em Angola. O fito era claro, a apropriação. Mas estas intervenções junto dos portugueses mudavam frequentemente de tom.























Luanda (1971). Ver aqui



Luanda (Avenida dos Combatentes)

Não muito tempo depois, também em São Paulo, no dia 23 de Março de 1978, mais uma vez, as minhas notas quase me condenavam definitivamente. Os soldados tinham sacado às suas celas praticamente todos os portugueses. Empurraram-nos até ao Comando para renovar um recado já conhecido: "Vocês não podem escrever papéis... ouviram? E não se esqueçam que quando forem embora ainda cá ficam outros portugueses!", vociferava o tenente Miranda.

Um outro agente, cujo nome não sabíamos, acrescentou: "O Mário Rui, o português que saiu daqui de São Paulo há pouco tempo, foi um ingrato. Aqui foi tratado com todos os privilégios, mas quando chegou a Portugal foi logo dizer mal desta merda". Um riso surdo atravessou os nossos olhares, porque estas palavras finais nos pareciam bem expressivas.

Em causa parecia estar a circulação em Portugal de informações sobre as cadeias angolanas, mas não chegámos a apurar o conteúdo dessas notícias e onde teriam sido publicadas. Temi que a vigilância sobre as escritas se tornasse mais apertada.

(...) Kundi Payama teve à sua responsabilidade os Ministérios da Segurança e do Interior. Nessa qualidade visitou, no dia 15 de Dezembro de 1979, a Cadeia de São Paulo. Naquela época, São Paulo era uma espécie de Babel onde se cruzavam proveniências muito distintas: portugueses, ingleses, americanos, sul-africanos, um italiano, zairenses, tanzanianos, nigerianos, são-tomenses, entre outros. Ao todo, posso afirmar com segurança ter conhecido nas prisões angolanas presos de vinte e oito países.

(...) Todo este livro fala de uma geografia do terror. As prisões angolanas tinham-se tornado um microcosmo onde se encontravam os rastos de um holocausto que incinerou o território angolano. Algumas províncias por razões estratégicas e étnicas foram particularmente violentadas.

Visitei Cabinda, pela primeira vez, em 1961. A província de Cabinda, abrangendo todo o enclave de Cabinda, era habitada, na altura da independência, por povos banto da tribo Bakongo, provenientes do antigo Reino do Congo. A sua riqueza, num território de 7283 quilómetros quadrados, era bem conhecida, o petróleo, a floresta do Maiombe. Foi pela mão dos padres do Espírito Santo que conheci o Sr. António Manuel Zebi Madeka, pai do Bispo Resignatário de Cabinda, D. José Paulimo Madeka, ao tempo padre em Landana. O "pai Madeka", assim o chamavam, era o melhor conhecedor da sabedoria cabinda, como se reconhece na obra Sabedoria cabinda, símbolos e provérbios (1968).

Mas este povo de tão ricas tradições conheceu de forma muito particular as agressões da política do MPLA, apoiada na força cubana. Hoje, não há um cabinda que não tenha na família um caso de perseguição política, de desaparecimento, de atentado, ou de prisão.

O MPLA e as forças militares que o apoiavam assaltaram o Quartel-General do governo colonial, em Cabinda, no dia 2 de Novembro de 1974. Foi aliás necessário enviar de Luanda um avião para libertar o brigadeiro Themudo Barata, sequestrado em tais circunstâncias. Como conta João Coito em crónica jornalística, a despedida do brigadeiro teve, entre as emoções, qualquer coisa de profético:

"Como não sentir o abraço final que lhe deu Gaspar, serviçal do palácio com nome de rei mago, a murmurar-lhe ao ouvido: 'Não vá, não vá, senhor general, que nos matam a todos, não vá, salve-nos...' Súplica profética que deixou os dois homens de lágrimas nos olhos".








(...) O nome dos cubanos misturava-se também com os acontecimentos ligados às represálias do 27 de Maio. Neste caso a notícia vinha pelo português Oliveira e dizia respeito a um Major cubano, o Gamboa. Tinham chamado de urgência o Oliveira ao Comando para fazer uma qualquer reparação. Foi nessa altura que foi confrontado com a cena: o cubano tinha as mãos à volta do pescoço do torturado, apertava-o e abanava-o até ao sufoco, enquanto o tenente Pereira carregava de socos o estômago do desgraçado. O Major ficou um pouco hesitante quando viu o português, mas não o suficiente para pôr termo à sessão de pancadaria. Segundo o relato de Oliveira, o preso saiu dali já mais morto que vivo. Foi metido dentro de uma daquelas ambulâncias de má reputação, essas que levavam os presos para os lugares de fuzilamento ou para qualquer outro sítio de execução sumária.

O Rosa descreveu-me várias situações de despacho para a morte. Depois de bem amassados, já quase nus, apenas com umas cuecas, eram enfiados na ambulância (de triste memória, mas ainda assim lembrada até em pormenores como o da marca e da matrícula - Volkswagen, AAI-88-42 -, que bateu certamente o recorde do transporte de condenados ao fuzilamento).

(...) Foi pelas palavras de Rui Castro Lopo que, pela primeira vez, ouvi falar neste enfermeiro do Hospital Maria Pia de Luanda, homem para uns cinquenta anos, filho de portugueses que nunca tinham visitado Portugal, preso e torturado na Casa de Reclusão. Segundo Castro Lopo, os seus bens eram o alvo principal, e já havia destinatário certo: o agente França. Contava-me ele que ainda tinha passado um mau bocado por causa das palavras que usou para tentar defender o que lhe pertencia: "para roubar não é preciso bater".

Muitos destes casos terminavam com a expulsão para Portugal, estratégia usada para que fosse mais fácil repartir os bens mais valiosos e as casas. Depois de expulsos, perdiam os bens, ao fim de quarenta e cinco dias, que tinham deixado em Angola. Como, antes disso, não havia qualquer possibilidade de a Embaixada conceder o visto de entrada, não havia entraves ao saque.

Este caso aconteceu em 1976. Em Outubro desse ano Castro Lopo passou para São Paulo e deixou de ter informações muito precisas acerca daquele enfermeiro: uns diziam que estaria à beira da loucura, outros que já teria sido expulso para Portugal.

(...) A desfiguração do inimigo é, desde há muito, uma estratégia de implementação da violência - é mais fácil agredir alguém que foi desfigurado e a quem se retirou o estatuto de humanidade. A esta observação corresponde um dos casos narrados por Kilombelombe.

No contexto do confronto entre o MPLA e a FNLA, foi divulgada a notícia de que teriam sido encontrados corações humanos nas casas abandonadas pelos membros da FNLA, em Luanda - muitos destes estavam na capital angolana dando cumprimento a alguns dos aspectos dos acordos de Alvor.  O alarme foi dado pelo MPLA, com ampla divulgação, esperando, com a suspeita de antropofagia, horrorizar a população. Ora, a verdade veio a ser revelada pela denúncia que uma médica portuguesa da maternidade de Luanda não pôde calar. Fernanda Sá Pereira - casada com um engenheiro português cuja identidade não descobri - sabia que os corações tinham sido roubados dos frigoríficos dos hospitais, gesto de uma desumanidade impensável, pois, naturalmente, comprometeu o uso desses orgãos para fins terapêuticos.
















A frontalidade de Fernanda Sá Pereira valeu-lhe a prisão e, pouco tempo depois, a morte - foi enterrada no campo da Sapu. No dia 15 de Dezembro de 1979, falei sobre este caso com o Ramos, que conhecia bem o local onde tinha sido enterrada aquela médica e me confirmou a notícia de que tudo aquilo não tinha passado de uma manobra do MPLA, informação igualmente corroborada pelo Vasconcelos.

Pelo que pude anotar, também o padre Leonardo Sikufinde terá tido conhecimento destes factos. Comentava-se que ele tinha protestado de forma clara contra a injustiça que havia conduzido à morte aquela mulher e contra o boato infame que o MPLA tinha fabricado para denegrir os fnlas.

Kilombelombe, por sua vez, adiantou mais informações: que cabia a Hélder Neto - esse alto funcionário da DISA que se suicidou a 27 de Maio de 1977 -, coadjuvado por Carlos Jorge e Pitoco, a responsabilidade desta morte iníqua; mas que a ordem para o roubo dos orgãos humanos teria sido dada pelo próprio Agostinho Neto, mentor de toda a operação».

Américo Cardoso Botelho («HOLOCAUSTO em ANGOLA»).


(...) Apesar de Angola respirar um clima de paz militar, nos últimos tempos passam-se ali coisas tão estranhas que a minha esperança de começar a ver o país a reconciliar-se consigo próprio e em liberdade permanece toldada de incertezas.

(...) Angola, infelizmente, está muito doente nas suas entranhas, em parte talvez por responsabilidade das suas elites políticas e culturais que se revelam incapazes de responder aos desafios vitais de como construir um Estado democrático e moderno. Quando seria de esperar nesta etapa do percurso histórico nacional uma lenta e firme aplicação de políticas liberais tendentes a reforçar e a tornar coesas as diversidades societárias [por alargamento da base de partilha de direitos entre os cidadãos], o que se vê é exactamente o oposto. Deparamo-nos com práticas que, de uma forma ou doutra, põem em causa modos de coexistência e de solidariedade entre comunidades e culturas distintas, tendência que, a continuar, acabará por ferir de morte direitos fundamentais dos indivíduos e, acto contínuo, provocará fracturas na possibilidade de unidade nacional.

São responsáveis por esta situação grupos políticos e sociais [com peso significativo na sociedade angolana] que não se cansam de forma subreptícia de apregoar na imprensa, por recurso a porta-vozes especialmente escolhidos, que os nativos de cor negra finalmente detêm a primazia sobre os indivíduos de pele mais clara no preenchimento dos lugares de maior proeminência no aparelho do Estado; e que o acesso às funções de presidente da República e primeiro-ministro deve naturalmente constituir um privilégio reservado aos "angolanos verdadeiros" [entendidos como sendo os naturais dos grupos étnicos dominantes]; enquanto os mulatos, incorporados no Estado [pois de brancos nem se fala], se devem contentar com direitos subalternos.













Estou pessimista e não vaticino nada de edificante nesta cruzada étnica absolutista contra as comunidades minoritárias em que sequer se poupam já figuras históricas da luta de libertação, embora o fenómeno não seja propriamente uma novidade. Depois da Independência nacional esta corrente ideológica - que tem na teoria da raça e da etnia o seu principal pressuposto - ganhou novos matizes e, nos anos mais recentes, cresceu com um ímpeto renovado. Os seus adeptos, talvez menos constrangidos pela política do Partido no Poder que num passado recente impunha algumas censuras a tudo quanto fossem manifestações explícitas de segregacionismo, hoje não escondem querer para Angola uma identidade histórica única, a das maiorias, que consideram ter-se interrompido com a colonização. Ou seja: sonham com um Estado nacional negro, genuíno. De acordo com a sua concepção identitária, a pátria é uma realidade assente na raça negra ou pertença exclusiva do povo negro, razão por que só aos cidadãos desta cor compete arquitectar o futuro do país e estruturar a sua cultura e identidade nacional.

Os gérmens modernos deste "mito narcisista da negritude", para usar o conceito de Homi Bhabha, remontam ao período de insurgência nacional contra Portugal (1961-1974), durante o qual nenhum dos movimentos de guerrilha - MPLA, FNLA e UNITA - ficou imune aos abalos provocados pelos atavios da pureza racial e étnica e pelo preconceito sobre as minorias. A FNLA terá sido porventura a organização que mais sofreu em defecções e perseguições [de mulatos e também de negros], justamente por causa do seu pendor genético fortemente regionalista. A UNITA, por sua vez, desde o início impôs um dique à entrada de pessoas de tez clara e empenhou-se em campanhas de detracção contra o MPLA, classificando este agrupamento de "associação de brancos e mulatos vendidos à URSS".

Ainda assim, nem o próprio MPLA, o mais plural e híbrido na sua composição cultural, deixou de enfrentar verdadeiros focos de agitação étnica e tribal, sobretudo na 3.ª e 5.ª Regiões [Frente Leste]; a tal ponto que as etnias do Centro e Sul de Angola acusavam a direcção de chamar para os cargos de cúpula pessoas de extracção euroafricana ou pessoas de etniabakongo. O próprio Lúcio Lara, figura de topo da estrutura do poder, durante a luta armada foi alvo de forte contestação por parte de chefias guerrilheiras adstritas à Frente Norte [2.ª Região] que intentaram desacreditá-lo, apodando-o de descendente de portugueses e afirmando que ele jamais iria travar a luta de libertação até às últimas consequências em virtude de não estar disposto a virar-se contra os próprios progenitores. Os conflitos interétnicos atingiram, deste modo, uma tal dimensão no final da década de 1960 que o fenómeno acabou por provocar a desagregação da luta armada na Frente Norte e também na 2.ª Região [Cabinda]. Os guerrilheiros do Norte queixavam-se de todo um somatório de injustiças que os atingiam, desde acusarem-nos de serem pouco devotados à causa de libertação nacional, assim como agentes da FNLA».

Carlos Pacheco («Angola. Um gigante com pés de barro e outras reflexões sobre a África e o mundo»).


«Quando a Nação portuguesa se foi estruturando e estendendo pelos outros continentes, em geral por espaços livres ou desaproveitados, levou consigo e pretendeu imprimir aos povos com quem entrara em contacto conceitos muito diversos dos que mais tarde caracterizaram outras formas de colonização. As populações que não tinham alcançado a noção de pátria, ofereceu-lhes uma; aos que se dispersavam e desentendiam em seus dialectos, punha-lhes ao alcance uma forma superior de expressão - a língua; aos que se digladiavam em mortíferas lutas, assegurava a paz; os estádios inferiores da pobreza iriam sendo progressivamente vencidos pela própria ordem e pela organização da economia, sem desarticular a sua forma peculiar de vida. A ideia da superioridade racial não é nossa; a da fraternidade humana, sim, bem como a da igualdade perante a lei, partindo da igualdade de méritos, como é próprio de sociedades progressivas».

Oliveira Salazar («Portugal e a Campanha Anticolonialista», SNI, Lisboa, 1960).








O "Gulag Angolano"


Aliás, note-se que, no 11 de Março de 1975, o PCP já tinha enviado funcionários, quadros e militantes para Angola na sequência de uma situação francamente favorável às forças portuguesas no período anterior à revolução comunista de 74. Por outras palavras, a entrega do Ultramar Português acabou por ser exercida por forças revolucionárias que compeliram à deserção dos militares nas três frentes de combate: Guiné, Angola e Moçambique. De resto, ressaltam alguns elementos particularmente relevantes em Segredos da Descolonização de Angola, de Alexandra Marques. Vejamos alguns deles:

1. O número de mortos em Angola, contabilizados a partir de 4 de Fevereiro de 1961, fora de 3 423, «menos de metade dos quais em combate e, entre estes, a maioria por rebentamento de minas. E não menos importante é o facto de que, após o 25 de Abril de 1974, terem morrido, entre Maio e Agosto do mesmo ano, mais soldados portugueses do que durante todo o ano de 1973 (16).

2. A entrega de armamento português ao MPLA e à UNITA (17) fora autorizada por Lisboa.

3. A entrega de Moçambique dera-se com base numa proposta redigida «pelos dirigentes da Frelimo (Joaquim Chissano e Óscar Monteiro) e por Almeida Costa, na última noite, no seu quarto de hotel com uma garrafa de conhaque». Aliás, Melo Antunes foi quem, efectivamente, delegou em Almeida Costa a tarefa de pôr por escrito a transferência de poderes para a Frelimo prevista e realizada de 7 de Setembro de 1974 a 25 de Junho de 1975 (18).

4. O descontentamento fora bem evidenciado pelos portugueses quanto à descolonização de Moçambique. Segundo o sector de Comando de Huíla das FAP, as «Forças Armadas e membros do governo provisório são repetidas vezes insultados e apelidados de “traidores” e acusados de “estarem a vender Portugal”» (19).

5. A expulsão dos trabalhadores bailundos do norte de Angola tivera por objectivo paralisar a economia e a presença portuguesas (20).

6. Incidentes terroristas no norte e leste de Angola foram cometidos contra a vida e os bens dos portugueses: tiros, catanadas, espancamentos, assaltos a fazendas, vandalização e destruição das fontes de riqueza, dispersão e depredação de instalações, saques, emboscadas, assassinatos, barragens nas estradas e entradas furtivas em residências habitadas, roubos de viaturas, sanzalas saqueadas e destruídas, apedrejamentos, mulheres brancas violadas, pessoas alvejadas, rebentamentos fortuitos de granadas e explosões de morteiro, banditismo e todos os actos de barbárie inimagináveis (21).
































Fila para comprar bilhetes na TAP em Luanda














7. A entrada de movimentos armados em Luanda partira da autorização do almirante Rosa Coutinho: «E autorizei mais: cada um, para se sentir em segurança, se fizesse acompanhar por uma delegação, uma força militar que não poderia exceder 600 homens, o que já era bastante». Despoletara assim o «terrorismo urbano» exemplificado no seguinte trecho: «Chefiada por Wilson dos Santos, a delegação da UNITA chegou (...) domingo (10 de Novembro), sendo esperada por milhares de pessoas, incluindo uma “elevada percentagem de brancos”. A festa começara na véspera “com largas dezenas de automóveis que percorreram a cidade durante toda a noite, precedidos de outras tantas motorizadas, buzinando insistentemente, soletrando com os sons da buzina U-NI-TA”. Quando o avião proveniente do Luso parou na pista, uma mancha humana rodeou o aparelho por todos os lados “transformando-o numa pequena ilha naquele mar imenso de gente, com bandeiras e posters com o rosto de Savimbi”. “Formou-se depois um cortejo imenso que, durante várias horas, percorreu a cidade, agitando bandeiras da UNITA. Antes da chegada da comitiva, os apoiantes da UNITA foram atacados. Na Avenida de Lisboa e em direcção ao aeroporto verificaram-se correrias desordenadas das pessoas em todos os sentidos”. Fugiam das “agressões à catanada e das ameaças” dos que tentavam impedir a multidão de chegar ao aeroporto. Foram ouvidos tiros de pistola, ocorreram “os já rotineiros apedrejamentos de viaturas” e foram erguidas barricadas “na estrada do Catete, do Cucuaco e na Avenida do Brasil”. Nesse dia, Luanda foi submersa por uma onda de violência nunca vista. Tinha havido incidentes “no aeroporto, imediatamente antes da chegada da delegação da UNITA, [...] iniciados por elementos com braçadeiras do MPLA”, que negava serem “elementos seus”. A 365 dias da independência começavam os ventos de guerra que varreriam Angola nos meses seguintes. Desde o dia 10 confirmaram-se 26 mortos e 104 feridos. A violência alastrara a vários pontos da capital: “O clima de tragédia transformou Luanda numa cidade em estado de sítio, com barreiras em numerosas ruas, tiroteio cerrado em vários locais, correrias de ambulâncias, apelos a dadores de sangue, chamadas de médicos e de pessoal de enfermagem, transportes públicos paralisados, bairros isolados por razões de segurança, etc.”» (22).

8. Em encontros secretos e diligências confidenciais, os movimentos armados pediram financimento e apoio bélico aos Estados não-alinhados, aos membros da NATO e do Pacto de Varsóvia. E para «além das armas roubadas dos paióis do Exército português, os Movimentos apoderaram-se das que tinham pertencido à OPVDCA [Organização Provincial para a Defesa Civil de Angola], armazenadas em locais de fácil acesso e cuja localização era conhecida por todos. E foram recebendo quantidades maciças que chegavam por via aérea, terrestre e marítima. O armamento provinha do Congo, do Zaire e da Tanzânia e era destinado ao MPLA e à FNLA. A UNITA, sem apoios externos de relevo, solicitava a Portugal que lhe deixasse o armamento» (23).

9. Agostinho Neto recebia apoio financeiro da União Soviética, da Argélia, das nações árabes, da Escandinávia e contava com «alguns apoios prestados pela Europa do leste e da OUA [Organização de Unidade Africana]» (24).

10. Segundo o director para os Assuntos Africanos no Ministério das Relações Exteriores de Cuba em 1974 – mais tarde exilado nos EUA –, os soviéticos incrementaram o seu apoio ao MPLA nos últimos meses de 1974 (25).

11. Em 1974, Portugal chegara a investir no Ultramar seis milhões de contos «em ajudas não reembolsáveis» (26).


































12. Rosa Coutinho chegou a declarar que dera dez milhões de escudos mensais aos movimentos armados de Angola. «Em 1997, o Almirante justificou a mensalidade concedida nos seguintes termos: “Atribuí a cada um dos três movimentos um subsídio mensal de dez mil contos, equivalente a 200 000 contos actuais. Quem mais beneficiou com isso foi o MPLA, pois não tinha nada”» (27).

13. A existência de um anexo secreto ao Acordo de Alvor previa a detenção, julgamento e punição dos portugueses e angolanos que tivessem pertencido às organizações de segurança e de ordem pública. Por outras palavras, os movimentos armados decidiriam dos «casos merecedores de indulgência e os que simplesmente acabariam em julgamentos sumários, tribunais populares ou esquecidos nos calabouços das prisões» (28). Este acordo, assinado entre o Governo revolucionário de Lisboa e os movimentos terroristas de Angola no Algarve, em Janeiro de 1975, «não era “afinal mais do que a confirmação do protocolo de Mombaça”: traduzia o que os líderes angolanos tinham concertado no Quénia; os portugueses tinham sido vencidos à mesa das negociações» (29).

14. Uma vez desmanteladas as Forças Armadas Portuguesas, entrariam em Angola os armamentos e as hordas estrangeiras de zairenses, cubanos e russos disseminados e infiltrados em campos de treino espalhados pelo território. Aliás, como escreveu Savimbi: «A nenhum observador atento passara despercebido o desejo de supremacia que cada um dos ML procurava obter sobre os restantes. Daí a uma corrida ao armamento foi um abrir e fechar de olhos» (30).

15. O terror e a intimidação – transportes maltratados, acessos aos centros urbanos cortados, rezes esquartejadas, circuitos de comercialização destruídos, assaltos a operários nas fábricas, disparos sobre condutas de águas, ataques a hospitais, fuga de técnicos e saneamento de elementos válidos da administração pública – tiveram por finalidade a destruição total da economia angolana (31).

16. O tiroteio alastrara-se a inúmeras povoações distritais por meio de saques, pilhagens e edifícios destruídos. A cidade de Malange, por exemplo, «tornara-se um imenso cemitério a céu aberto: “Milhares de pessoas mortas, na sua maioria africanos, que estavam ainda insepultas quando se abandonou a cidade. O Batalhão apenas conseguiu enterrar numa vala comum com cerca de 100 metros, cobrir de cal viva ou queimar no local onde se encontravam, umas escassas centenas de mortos”» (32).

17. A tropa portuguesa, por ordens de Lisboa, agia no sentido de fazer o jogo do MPLA (33). A tropa portuguesa era simultaneamente desrespeitada pelos nacionalistas e pelos civis revoltados pela situação criada: «São constantes as solicitações, quer para actuarem como medianeiras, quer para colaborarem na segurança das inúmeras colunas que se formam sempre que há incidentes em qualquer local, para evacuar as populações desalojadas, para proteger a saída dos elementos dos Movimentos dos locais em que os confrontos não lhes foram favoráveis. O mais grave é que [...] são cada vez mais frequentemente vítimas de atitudes hostis que chegam à própria agressão física, o que atendendo à forte desmotivação em relação a um processo que lhes escapa pode ter graves consequências» (34).


Henry Kissinger

18. Os americanos, perante o pedido de auxílio feito por Lisboa para transportar os deslocados angolanos, exigiam a Costa Gomes que, para o devido efeito, pusesse fim ao governo comunista de Vasco Gonçalves. Caso contrário, nada feito, até porque, segundo Kissinger, os Estados Unidos não eram «uma instituição de caridade» (35). Aliás, o director do Gabinete de Informação e Pesquisa Americano, William Hylland, teria sido muito explícito ao afirmar que o «auxílio [americano] deve estar bem amarrado aos objectivos políticos pretendidos tanto em Lisboa como em Angola, do que ser ditado por puras razões humanitárias ou por receio do criticismo dos congressistas» (36).

 19. De resto, a «Associated Press estimava que tivesse morrido em Angola 10.000 pessoas nos confrontos pelo controlo do território antes da retirada das autoridades portuguesas, segundo disse o embaixador americano numa cerimónia do Rotary Club, em Telavive. O repórter polaco em Luanda relatava que a cidade se tornara uma imensa lixeira fétida e pestilenta, onde o calor e a humidade aceleravam a decomposição dos detritos e dos animais mortos. “Não havia médicos nem um único hospital ou farmácia abertos”. E no quartel dos bombeiros não se via vivalma; os bombeiros portugueses tinham partido no final de Setembro [de 1975] e os únicos 30 elementos que tinham ficado embarcariam para Portugal na primeira semana de Outubro» (37).

Enfim, tudo se resumia a uma sangrenta herança que os revolucionários de Lisboa, em conivência com os movimentos terroristas, deixariam para a posteridade com milhares de mortos pelo caminho. E de uma herança que não viera tão-só do 27 de Maio de 1977, como querem fazer crer os co-autores de Purga em Angola. Demais, o retrato que traçavam em 2007 continua em muitos aspectos actual, a saber:

«Luanda apresenta-se aos olhos do visitante, conhecedor da cidade a partir dos postais do tempo colonial, como uma “cidade desfeita”. Nos prédios, os elevadores há muito deixaram de funcionar. E os dejectos, correndo ao longo das paredes dos prédios, abrem estranhos e tortuosos caminhos.

Como que somos transportados para um burgo medieval europeu. As ruas perderam o asfalto. E, em muitos lados, os esgotos correm a céu aberto.

Jovens e idosos vasculham nos caixotes do lixo à procura de restos de comida. Impressiona a miséria desmesurada, num contraste gritante com os carros de luxo dos últimos modelos, a passarem pelo meio de deficientes de guerra, de homens e de mulheres famintos, de dezenas de jovens em idade escolar carregando nas mãos produtos que tentam vender à força a quem passa.

Ilhotas de guardados condomínios de luxo são cercadas por um mar de muceques.

O lixo está por todo o lado, e a cidade parece não poder viver sem ele. No Roque Santeiro, filas dos mais variados produtos erguem-se num mar de lixo.







Angola (1999)























Viana, em tempos um pólo industrial, está abandonada e decrépita. E nos arredores da cidade, Kifandongo, monumento da resistência, alberga pessoas a viverem nos buracos da falésia, numa miséria confrangedora.

Muitos dos “libertadores” sonhavam com a casa, o carro, os privilégios e as posições dos colonos. Conquistaram-nas e tornaram-se piores do que estes.

Desculpar-se-ão com a guerra. Só que a guerra, que tantos matou e estropiou, alimentou um punhado de pessoas, que se tornaram insultuosamente ricas.

(...) Num país com enormes riquezas naturais e com condições agrícolas que permitiriam alimentar toda a África, mais de metade da força de trabalho está desempregada e mais de dois terços da população vive abaixo da linha de pobreza» (38).

E que mais se poderia esperar se tudo já estava, eventualmente, previsto a 10 de Novembro de 1975, quando os chefes militares portugueses, depois de arreada a bandeira «com toda a pompa e circunstância», «entraram depois numa lancha que os levou ao paquete Niassa, onde esperaram pelo anoitecer: “Jantámos a bordo com os navios fundeados e, quando faltava um quarto para a meia-noite, âncoras para cima e começou-se a andar”. Em Luanda os tiros para o ar celebravam a independência, no Quifangongo a derrota infligida ao ELNA. Para Gonçalves Ribeiro era uma “imagem dantesca” a que se observava ao largo: balas tracejantes iluminando o céu de Luanda» (39). Dava-se assim o desfecho inglório da última guerra travada pelos Portugueses (40).



Notas:

(16) Cf. Alexandra Marques, Segredos da Descolonização de Angola, D. Quixote, p. 49. «Segundo a Associação de ex-Combatentes do Ultramar tinham morrido em África 11.000 militares e sido feridos 30.000. Os números oficiais ficavam muito aquém: teriam perecido 7.674 militares, a esmagadora maioria do Exército. Em Angola (entre Maio de 1961 e 30 de Abril de 1974), tinham tombado em combate 4.788 militares, dois terços dos quais naturais da Metrópole. Mais de 1.210 teriam falecido em acidentes e 255 por doença. Quase 28.000 combatentes metropolitanos tinham sido gravemente feridos, 4.472 dos quais em Angola» (ibidem, pp. 374-375). De resto, o major Vítor Alves também referira que «”o número de vítimas provocado desde Março [de 1975] em Angola já era superior ao causado pela guerra colonial naquela ex-colónia”. Ferreira de Macedo falara em 2.000 a 3.000 mortos, mas ter morrido durante três meses mais gente do que em 14 anos de guerra colonial era um termo pouco lisonjeiro para os nacionalistas» (ibidem, p. 320).








(17) Ibidem, p. 18.

(18) Ibidem, pp. 51-52.

(19) Ibidem, p. 69.

(29) Ibidem, p. 69.

(21) Ibidem, pp. 80-87.

(22) Ibidem, pp. 97-101.

(23) Ibidem, p. 141-142. Quanto à UNITA, as FAP chegariam a dar «”1.800 espingardas G-3, alguns morteiros, armas semiautomáticas e uma variedade de outro tipo de armamento, juntamente com tonelada e meia de munições de uma base do Exército nos arredores de Luanda”» (ibidem, pp. 320-321).

(24) Ibidem, p. 146.

(25) Ibidem, p. 150. «O MPLA beneficiava do “apoio de vários países comunistas: União Soviética, Jugoslávia e Checoslováquia através da Zâmbia, Tanzânia e do Congo”, concedido em armamento e em frequentes cursos de especialização: “A necessidade de aumentar a curto prazo a sua capacidade militar, a fim de fazer face à posição de força da FNLA, parece ter determinado uma nova aproximação do MPLA à URSS”, o que era comprovado pelo “recebimento de vários carregamentos de material de guerra provenientes não só da União Soviética como de outros países comunistas”, como a Jugoslávia e a Checoslováquia. A ligação excessiva a Moscovo poderia, no entanto, acorrentá-lo a “um enfeudamento demasiado pesado” e restringir a sua “independência política”, além de poder inibir o auxílio “de outros países que embora progressistas não querem ser aliados da URSS neste tipo de apoio”, referia a CCPA. Brazzaville (que pouco apoio lhe dera durante a guerra) “procurou a partir do 25 de Abril que [o MPLA] transferisse os seus efectivos para o interior de Cabinda”. O Congo continuava “a permitir o desembarque de material de guerra no porto de Ponta Negra” e que tivesse um “importante centro de treino em Dolisie”. A Tanzânia facilitava a passagem “de armamento e equipamento destinado ao Leste de Angola” e a Argélia era “uma espécie de mentor revolucionário do MPLA, proporcionando-lhe apoio político e diplomático”» (ibidem, p. 292-293).

(26) Ibidem, p. 149.







Assinatura do acordo que fixou a data da independência de Cabo Vede. Da esquerda para a direita: Mário Soares, Melo Antunes , Vasco Gonçalves, Pedro Pires, Almeida Santos e outros dois representantes do PAIGC.


(27) Ibidem, p. 160. «Em 1961 [o “Rosa Vermelha”] tinha sido preso pela UPA (liderada por Holden Roberto) e sujeito às mais ignominiosas sevícias. Almeida Santos justifica a “simpatia” do Almirante pelo MPLA não só devido às “afinidades ideológicas” com Agostinho Neto mas pelo profundo desdém que nutria pela FNLA: “Tinha sido aprisionado por soldados de Mobutu e tratado sem o mínimo respeito pelas leis da guerra que protegem os prisioneiros”. Capturado durante uma operação em curso na bacia hidrográfica no rio Zaire, foi passeado completamente despido pelas ruas. Dentro de uma jaula ou nu com uma corda ao pescoço – os entrevistados referem ambas as situações. A humilhação pública dos prisioneiros nativos capturados (despidos, de pulsos amarrados e atrelados por uma corda) era uma prática habitual das autoridades coloniais no Quénia e no Congo Belga. Os combatentes nacionalistas faziam, por isso, o mesmo aos seus prisioneiros. Preso por suspeita de espionagem ao entrar no Zaire sem visto, foi durante o cárcere sujeito a constrangedoras flagelações corporais.“Estive, quatro meses, preso. É claro que por vezes tive receio porque a minha vida esteve ameaçada. Fui exibido quase como uma presa de guerra pelas ruas... Foi humilhante e também foi uma lição que até teve consequências psicológicas”. Esta experiência justificaria (segundo Almeida Santos) que Rosa Coutinho sempre tenha aceitado “mal o risco de uma Angola sob a égide de Holden Roberto, cunhado do ditador Mobutu”. Orgulhava-se “de ter tirado Angola das garras de Mobutu”» (ibidem, p. 75).

(28) Ibidem, p. 210.

(29) Ibidem, p. 212.

(30) Ibidem, p. 218.

(31) Ibidem, p. 359.

(32) Ibidem, p. 388.

(33) Ibidem, p. 397.

(34) Ibidem, pp. 415-416.

(35) Ibidem, p. 419.

(36) Ibidem, p. 422.

(37) Ibidem, p. 482.

(38) Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, op. cit., pp. 184-185. Ainda sobre esta questão atente-se no seguinte: «A 17 de Agosto de 2012, num comício feito semanas antes das eleições, José Eduardo dos Santos admitia percalços na condução do país e fazia promessas. “Sei que a espera por esta Angola que vai crescer mais e distribuir melhor foi longa, mas de uma coisa podem estar certos: agora que vencemos a etapa mais difícil de reconstrução do nosso país, os novos avanços serão muito mais rápidos”.

As boas intenções do presidente de Angola são, contudo, questionadas pelos críticos. Um deles, porventura, o mais notório, tem sido o angolano Rafael Marques, jornalista, activista, director do site Maka Angola e autor do livroDiamantes de Sangue – Corrupção e Tortura em Angola (Tinta da China, Lisboa, 2012), que sem rodeios acusa o MPLA de saquear Angola para investir em Portugal. Numa entrevista publicada na edição de 16 de Setembro de 2011 do Jornal de Negócios, traçou um retrato demolidor do poder angolano. “O que se investe em Portugal não tem retorno em Angola. É um processo mais limpo para o Estado português, que facilita estas operações, embora grande parte delas sejam ilegais. As empresas portuguesas têm sociedades com dirigentes angolanos para investirem em sectores controlados por esses mesmos dirigentes, contra as leis angolanas e portuguesas e não há um caso único de abordagem legal sobre esta promiscuidade. Não há. E fazem-se grandes artigos, na imprensa portuguesa, sobre os luxos de Angola, sem pensar nos milhares de cidadãos que morrem à fome, porque não têm assistência básica ou educação, porque os recursos são desviados”.






Um analista político angolano, sob anonimato, acrescenta outros elementos. “O poder em Angola é unipessoal. Está concentrado em José Eduardo dos Santos, nos aspectos políticos, militares, económicos, sociais e até culturais. A Constituição aprovada em Fevereiro de 2010 veio apenas ratificar em lei o que já acontecia na prática. Trata-se de uma lei feita à medida, só e exclusivamente para José Eduardo dos Santos legitimar o seu incomensurável poder e serve-se do partido que domina sem qualquer oposição visível. Tudo passa por ele: desde os generais que ganharam a guerra contra a UNITA e Savimbi, devidamente recompensados; aos juízes, deputados e governantes. Para controlar tudo isto, constituiu um grupo de colaboradores, conhecidos vulgarmente por 'futunguistas' [antes do Palácio da Cidade Alta, a residência oficial do presidente angolano era na zona do Futungo de Belas], que exercem poderes paralelos, pois são temidos por parecerem ser os olhos e ouvidos do chefe”» (in Celso Filipe, O Poder Angolano em Portugal. Presença e influência do capital de um país emergente, Planeta, 2013, pp. 36-37).

Quanto ao investimento de Angola em Portugal, leia-se: «No primeiro semestre de 2012, de acordo com dados do Banco de Portugal, os angolanos aplicaram em território nacional 130,7 milhões de euros, enquanto os investimentos em Angola se ficaram pelos 118,5 milhões de euros.

(...)A concretização deste poder resulta, em boa parte, da conjugação da fragilidade financeira de Portugal, por contraponto à opulência revelada por Angola. E é assim que se instalam sintomas de uma inversão de papéis: o colonizado transforma-se em colonizador e passa a ser um alvo constante de escrutínio em Portugal. Hoje, os ricos e poderosos angolanos são pessoas sem rosto, que cultivam a discrição e às quais são atribuídas compras astronómicas em Portugal, nas lojas de luxo na Avenida da Liberdade, ou de casas nas quintas da Marinha e do Lago. Uma investigação feita pelo site Maka Angola (maka quer dizer conflito, discussão, problema, no dialecto angolano kimbundu) baptizou o condomínio de luxo Estoril Sol Residence, onde os apartamentos custam entre um e cinco milhões de euros, como o “prédio dos angolanos”. A António Domingos Pitra Neto (que foi ministro da Administração Pública, Emprego e Segurança Social), é atribuída a propriedade de cinco apartamentos. Fátima Giacomety, mulher do general Kopelipa, é dona de dois e o antigo ministro das Finanças, José Pedro Morais, é proprietário de quatro. Entre muitos outros compradores angolanos, destaca-se também Álvaro Sobrinho, presidente não executivo do BESA e irmão de Sílvio e Emanuel Madaleno, sendo o primeiro presidente da Newshold, a empresa que é dona do semanário Sol, tem 15% do capital da Cofina (Correio da ManhãSábadoRecordJornal de Negócios), 2% da Impresa (Expresso, SIC), um contrato de gestão do i e já anunciou o seu interesse em participar na privatização da RTP, entretanto adiada. Sobrinho tem seis apartamentos no Estoril Sol Residence, e os seus irmãos três.

Neste contexto de criação de uma elite financeira e empresarial angolana, as palavras e os actos de José Eduardo dos Santos funcionam como faróis, iluminando o caminho de quem o rodeia, validando ou interrompendo estratégias. “Ele é o árbitro e o jogador. O dono da bola”, afirma quem conhece os meandros de Angola. Apesar do “desgaste do tempo”, o poder continua a gravitar à sua volta e todos os grandes investimentos angolanos em Portugal, o da Sonangol no BCP e na Galp, ou o de Isabel dos Santos na Zon, são debatidos no Palácio da Cidade Alta, a residência oficial do presidente da República, num círculo restrito que integra o actual vice-presidente da República, Manuel Vicente, o chefe da Casa militar, Kopelipa, e o marido de Isabel, o congolês Sindika Dokolo, entre outros, referem em uníssono empresários portugueses e angolanos» (ibidem, pp. 31-32).










(39) Alexandra Marques, op. cit., p. 486.

(40) E com ela, na qual os Portugueses sofreram a dureza da luta, as inclemências do clima, as agruras da vida em campanha, o afastamento da família e a interrupção dos estudos e das respectivas carreiras, o fim da existência histórica de Portugal. E tudo isso devido à deserção de militares dispostos a tolerar e a protagonizar, não obstante o sacrifício e o sangue da juventude já derramado em prol do altar da Pátria, a traição ou a defecção na retaguarda. Em suma: Salgado Zenha, Otelo Saraiva de Carvalho, Melo Antunes, Costa Gomes, Rosa Coutinho e seus congéneres jamais foram, pelos hediondos crimes cometidos, portugueses dignos desse nome.


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