Lourenço do Rosário defende uma saída militar negociada
O Reitor da Universidade
A politécnica e mediador
do diálogo político entre
o governo e a Renamo,
Lourenço do Rosário, considera
que o recurso à via militar para
resolver assuntos políticos resulta
da falta de entendimento entre
as partes na sede do diálogo, com
destaque para debate sobre a desmilitarização.
O académico acredita
que há pessoas de ambos os
lados que acham que a via militar
é a mais viável. Nos últimos dias
é defendida, em alguns círculos
belicistas da Frelimo, a chamada
“solução angolana”, para acabar
com a crise que o país atravessa.
Confrontado com esta questão,
Lourenço do Rosário alerta que é
preciso ter cautelas com soluções
desta natureza.
“A questão é: será que as forças residuais
da Renamo neste momento
foram cooptadas também para
se poder negociar a sua integra-
ção nas FDS ou não. Para quem
defende a solução angolana, tem
de ter em conta este aspecto. Não
ter combates até atingir o último
homem da Renamo. Não é por aí.
É efectivamente ganhar as forças
residuais da Renamo de modo
que os seus generais sejam forçados
a negociar a sua integração”.
Em menos de 15 dias a comitiva
do líder da Renamo sofreu dois
ataques. Como olha para a situa-
ção, na qualidade de um dos mediadores
do diálogo político entre
as partes?
Estamos perante duas situações
que podem ser vistas de formas
diferentes. O lado político da
questão e outro militar. Do ponto
de vista político: pode se dizer
que este é o culminar de todo um
processo de degradação do diálogo
que estava a decorrer no Centro
de Conferências Joaquim Chissano
(CCJC). Houve impasses que
levaram ao aumento do fosso das
desconfianças que existiam entre as
partes. Entrou-se num impasse de
tal forma que nós próprios, como
mediadores, consideramos que o
diálogo no Centro Joaquim Chissano
já tinha morrido. Já não tinha
hipóteses de sobreviver. Aquilo
que estava a acontecer no Centro
Joaquim Chissano já não era viá-
vel, não dava esperança à sociedade
moçambicana.
A questão militar:
É uma questão nebulosa que tem
as suas raízes quando se assinou o
acordo de cessação das hostilidades
militares e a chegada da EMOCHM.
Estava claro que o roteiro
da EMOCHM era de monitorar
o processo de desmilitarização
da Renamo. Quando se assina o
acordo, houve uma flexibilização
da parte do governo no sentido de
permitir que o líder da Renamo,
Afonso Dhlakama, viesse da parte
incerta para se recensear, participar
da campanha eleitoral e viabilizar
as eleições.
Surge o conflito pós-eleitoral, depois
volta-se a Joaquim Chissano e
coloca-se esta componente de partilha
dos postos de chefias nas FDS
que não consta do acordo. Faz-se
renascer um problema invocado
em 1992, no acordo de Roma. É
isto que veio a degradar a componente
política da questão e come-
ça-se a virar o foco, sobretudo, para
questões de natureza militar. De tal
forma que mesmo quando se discutiu
e se chegou a um consenso
sobre a despartidarização do aparelho
do Estado, não se deu grande
enfâse a esta questão, porque o que
estava na mesa era este impasse.
Quando se verificou que não havia
nenhuma saída surge aquilo que as
pessoas de ambos os lados (Governo/Frelimo
e Renamo) acham que
a melhor solução é mesmo militar.
Daí essa confusão toda. Eu como
académico não tenho dados para
poder analisar o que se passou em
Manica com frieza e dizer qual é o
significado daquilo.
Que consequências isso pode trazer?
Há dois tipos de consequências:
pessimista e optimista.
Pessimista: É o país entrar de novo
numa situação semelhante a de
Muxúnguè. Instabilidade, confrontos
aqui e acolá e, no meio disso
tudo, há vítimas civis. Ou podemos
dizer que se foi o governo que tomou
essa iniciativa não conseguiu
atingir os seus objectivos. Se foi
a Renamo que tomou a iniciativa
disto, então atingiu os seus objectivos
que passam por forçar o
governo, através da instabilidade
governativa, voltar a sentar-se à
mesa negocial com arma apontada
à cabeça. Esta é a minha visão
pessimista.
Quais é que seriam os objectivos
do governo nesse caso?
Atingir objectivos seria desbaratar
e ter uma vitória militar. Agora
se a iniciativa foi da Renamo, ela
sabe o que está a fazer, que é voltar
a forçar o governo a sentar-se à
mesa para com arma apontada ter
ganhos.
Acha que a solução angolana (assassinar
Dhlakama) seria uma solução
a ter em conta?
Agora vou dar a consequência optimista:
Para quem acompanhou a solução angolana, não pode deixar
de tomar em conta que quando
Savimbi é morto em combate, o
governo já tinha filtrado as vontades
das chefias militares da UNITA,
de tal forma que, passados três
dias depois da morte de Savimbi,
Lukamba Gato aparece a negociar
a integração das forças da UNITA
no exército do MPLA e, passadas
duas semanas, já estavam no Parlamento
angolano a assinar o acordo.
Isto significa que aquilo que o
governo quer é integrar as forças
residuais da Renamo.
A visão optimista é que se coloca
uma pergunta que é: será que o governo
conseguiu alcançar este ponto
para que hoje, quando se fala dos
generais da Renamo, concluir-se
que Dhlakama deixou de ser uma
peça importante para que o governo
possa entrar numa acção destas
considerando que pode desarmar
a Renamo com Dhlakama vivo ou
morto?
Do ponto de vista de estratégia militar,
naturalmente essa é uma visão optimista da parte do governo.
Mas será que ganhou os generais
da Renamo? Houve um trabalho
feito previamente? O importante é
acabar com a componente militar.
Esta é minha leitura com os dados
que estão na mesa. Agora não importa
dizer quem começou com os
ataques, se são militares, civis ou
homens da Renamo. Quem está
no terreno dando a cara é a polí-
cia e não o exército. E se for um
plano bem programado o governo
não quer militarizar isto, porque
seria considerado uma declaração
de guerra. O assunto está sendo
tratado como um caso de ordem
pública.
As multidões não são nenhum
perigo
Se é um caso de ordem pública
pretende dizer que os ataques
visam acabar com as caravanas
do líder da Renamo ou prevenir-se de um levante dos banhos de
multidões que aderem aos discursos
de Dhlakama sobre a governação
das seis províncias?
A Frelimo está no poder há 40 anos, e há um certo desgaste. A governação
não é isenta de muitos erros
que trazem alguma deseuforia
no que diz respeito à aceitação ou
não por parte do governo.
Dhlakama esteve quase um ano na
parte incerta até às vésperas das
eleições, depois sai em plena campanha
eleitoral e aqui temos “ um
mito de renascimento de messias”
o que não significa necessariamente
em termos de votação. Não quero
discutir neste espaço se houve
ou não fraude. Essa não é a questão.
Significa que Dhlakama tem
aquela mística de popularidade de
alguém que diz aquilo que as populações
gostariam de ouvir, o que
não se traduz necessariamente em
voto. As pessoas vão ouvir alguém
a dizer algo que gostariam de ouvir.
Este é que é o cerne da questão. É
política. As multidões não são nenhum
perigo para o seu adversário
ou para o governo. O que interessa
é que o governo veja isto como um
sinal importante de que há muita
gente que gostaria de exprimir aquilo que Dhlakama diz, sobretudo,
naquelas regiões em que regista
banhos de multidões. Mas, não me
parece que foi por aí que se definiram
estes últimos acontecimentos.
Não foi por causa disso.
Então a que se deveu?
A minha questão continua a ser sobretudo
militar. O desarmamento
da Renamo era uma questão crucial,
porque se a Renamo não fosse
um partido militarizado a discussão
política seria feita de outra maneira
e Dhlakama poderia ter até
esse banho de multidões.
Acha que o desarmamento forçado
pode ser a melhor via?
Aqueles ataques não podem ser
vistos dessa maneira. Falávamos de
Savimbi, que também esteve num
combate e morreu. Mas também
podia não ter morrido ou podia ter
sido preso. A questão é: será que as
forças residuais da Renamo neste
momento foram cooptadas também
para se poder negociar a sua
integração nas FDS ou não. Para
quem defende a solução angolana,
tem de ter em conta este aspecto.
Não ter combates até atingir o último homem da Renamo. Não é por
aí. É efectivamente ganhar as for-
ças residuais da Renamo de modo
que os seus generais sejam forçados
a negociar a sua integração.
A partir daí há necessidade de facto
de se encontrar outras vias. Será
que as FDS fizeram o trabalho de
casa antes, para terem a tal solução
angolana ou não. Eu não sei e ninguém
saberá.
O porta-voz do Comando-Geral
da PRM disse que já foi aberto
um processo crime contra todos
os elementos da Renamo que estavam
na comitiva. Estamos ou
não a tentar resolver um problema
político nos tribunais?
Isso não é nada. Os deputados da
Renamo também submeteram na
PGR uma queixa-crime. Isto não
vai dar em nada do meu ponto de
vista. Isto é fait divers político. Da
mesma forma como a gente não
sabe em o quê acreditar, se foi emboscada,
se foi a Renamo que primeiro
assassinou um motorista, foi
a população que queimou aqueles
carros. Essas coisas não são absolutamente
nada. São episódios e factos
diversos, que estão para barrar
o fumo daquilo que está por detrás
do que está a decorrer.
O presidente da República
disse nos Estados Unidos da
América(EUA), cidade de Nova
York, que está aberto ao diálogo
com o líder da Renamo que está
em parte incerta. Então esta situação
vai acabar em diálogo. Não há
nenhum conflito que não termine
em diálogo. E a minha questão é:
com quem se vai dialogar?
Acho que isto vai modificar a situação
a partir deste momento. Das
duas uma: Ou foi uma operação do
governo mal planificada ou falhan-
ço total ou é algo muito bem planificado
e nós vamos ter surpresas.
Mas que tipo de surpresa podemos
esperar?
Do ponto de vista optimista é que
a Renamo vai se desmilitarizar.
Afonso Dhlakama advertiu que
não pretende mais ser usado para
apagar fogo...
O líder da Renamo está na parte
incerta e não sabemos se vai assinar
mais um acordo ou não. Questiono-me
se a Renamo continuará
sendo a mesma? Continuo a dizer
que esta é uma hipótese que eu coloco,
se efectivamente aqueles que
defendiam o plano angolano estudaram
muito bem, que tinham que
ganhar os militares.
O presidente da República, Filipe
Nyusi, elegeu Unidade Nacional
e inclusão como suas principais
bandeiras de governação. Numa
altura em que estavam em curso
contactos para um novo encontro
e manifestações em prol da paz
surgiram estes ataques. Será que
não colocam por terra esta pretensão
ou é sinal de contradição
entre o discurso e a prática?
Insisto que é preciso perceber o
significado político de banhos de
multidão. Estes são sinais para chamar
atenção ao governo de modo a
olhar aquelas multidões que
querem dar uma mensagem,
do que uma manifestação
propriamente dita para o governo. Esta é a minha interpretação.
Porque se fosse um sinal de
ruptura da Unidade Nacional, os
próprios políticos da Renamo teriam
visto isto.
Os conselheiros dos líderes polí-
ticos da Renamo também teriam
visto e dito isto. O governo, por
sua vez, teria percebido que isso ia
contra a Unidade Nacional e não
me parece. A Renamo aparece no
Parlamento a pedir a revisão da
constituição, porque não há perigo
neste momento relativamente à
Unidade Nacional.
O que podemos esperar?
Haverá um redesenhamento do
mapa político nacional. Os partidos
devem prestar muita atenção
nisto, porque o redesenhamento do
mapa significa que se se conseguir
desmilitarizar a Renamo, se se conseguir
despartidarizar a administração
pública, como foi consensualizado,
vai ser discutido na AR. Se
estas coisas forem efectivamente
executadas de uma forma clara e
transparente, a luta política vai ser
verdadeira. O que significa, portanto,
que qualquer partido estará
em condições de ganhar ou perder
eleições.
Passadas duas décadas após a assinatura
do AGP, a Renamo mantém-se
com armas. Acha que agora
pode se livrar delas num abrir e
fechar de olhos?
Terceira leitura: o facto de o líder
da Renamo ter voltado à parte incerta
não será o princípio do fim
de Afonso Dhlakama como líder
incontestável da Renamo? Esta é
uma pergunta retórica.
Não é por acaso que o Ministro da
Defesa disse neste jornal (NR: entrevista
publicada na última edição
do SAVANA), que a natureza vai
tomar conta de Dhlakama. Temos
de estar muito atentos a estes sinais.
Ele foi um elemento importante
durante muito tempo para
moderar o nosso sistema democrático,
agora a partir do momento
em que ressurge o elemento militar
como importante para conseguir
certos ganhos, evidentemente que
a componente política sofre desgastes.
A pergunta que me coloco é esta:
se esta questão evoluir será que
Dhlakama vai surgir de novo como
um líder incontestável. Há ou não
possibilidade de se desmilitarizar a
Renamo e redesenhar-se politicamente
a Renamo num jogo político
que pode levar a Frelimo a moderar
as suas posições autoritárias.
Não podemos esquecer que a Frelimo
tem muitos defeitos e, neste
momento, justifica os seus defeitos,
porque doutro lado está alguém
que desestabiliza o país. Mas se
isto se modificar, a Frelimo tem de
entrar de peito aberto na luta polí-
tica para ganhar as eleições.
Diálogo militar
No seu discurso de tomada de
posse, o PR assegurou que não
deixaria nenhum moçambicano
matasse o outro (confrontações
armadas). Como olha para estes
pronunciamentos?
Samora Machel dizia que se você
tem um furúnculo e quer curar furúnculo,
você tem de rebentá-lo,
sangrá-lo e ele vai curar.
Se a solução para desmilitarizar a
Renamo não é a via política, tem
de se encontrar uma solução militar
rápida, que não seja a guerra
Qual seria exactamente a fórmula?
Ganhar os generais da Renamo.
Elias Dhlakama, recentemente
patenteado, não é da Renamo. Os
da Renamo são aqueles que estão
com o seu líder. Aqueles é que vão
negociar a sua reintegração se é que
a solução angolana foi uma lição
para Moçambique.
A solução angolana não passava
por matar o líder em primeiro lugar.
Para aqueles que tem memória,
devem se lembrar que o presidente
José Eduardo dos Santos, um mês
antes, fez um discurso em que dava
três hipóteses a Savimbi. Sentar
para negociar, ser preso militarmente
ou ser abatido em combate.
O que significa que as coisas já estavam
cozinhadas. A solução é que
o próximo diálogo não seja diálogo
político apenas, mas sim um diálogo
militar.
O diálogo político não trouxe
resultados, e diversos segmentos
da sociedade defendiam que um
encontro entre as lideranças podia
resolver os problemas de instabilidade.
Comunga da mesma
opinião
No princípio, defendia que o encontro
dos dois líderes era a via
mais eficaz para se encontrarem
algumas saídas, depois passei a não
acreditar que o mesmo viesse a resolver
alguma coisa.
Porque?
Porque a situação política de con-
fiança mútua estava de tal forma
degradada que não era um encontro
entre Nyusi e Dhlakama que
iria criar bases de confiança. Era
necessário fazer-se muito trabalho
de modo que quando os líderes
viessem a se encontrar pudessem
ter alguma coisa de reconstrução
da confiança. Aqui você faz emergir
aqueles que defendem soluções
finais que são muito violentas, mas
rápidas.
Mas qual é essa solução violenta,
mas rápida?
O furúnculo dói, mas você sabe
que vai curar, então não pode picar
um pouco tal como foi em Muxúnguè.
Enquanto se tentava resolver o
problema politicamente foi se deixando
infectar. Se a via militar for
a melhor, a solução para resolver o
problema tem de ser rápida. Implicaria
isto ter a certeza de debater a
questão militar com os generais da
Renamo e isso não pode implicar
guerra, mas pode haver desestabilização,
mas guerra não.
Fala de negociar com os generais
da Renamo, será que o governo
pode aceitar paridade exigida pela
Renamo nas FDS?
Os políticos exigiam isso para satisfazer
os seus militares, mas agora
os militares saberão se vale a pena
ou não. Mas também não é inconstitucional.
É mais grave do ponto
de vista constitucional exigir que a
Renamo nomeie governadores nas
províncias onde ganhou, do que o
PR nomear membros da Renamo
para cargos de chefia militares.
Desde os ataques da última sexta-
-feira já falou com o líder da Renamo?
Ainda não.
E com os membros do partido?
Já tivemos para nos anunciarem
que o seu líder está de boa saúde
e em parte segura. Informaram-
-nos também, como mediadores,
que iam visitar as chancelarias da
União Europeia, americanos e canadianos.
Da mesma forma que
tivemos contactos com o governo.
O ministro (Oldemiro) Baloi estava
no estrangeiro e queria saber dos
acontecimentos.
Quais as saídas imediatas, uma
vez que o diálogo do Centro Joaquim
Chissano foi encerrado?
Vamos esperar para ver como evolui
a situação depois destes últimos
acontecimentos. Vamos esperar
como se realinha a liderança da Renamo
incluindo o ressurgimento
do seu chefe. Da parte do governo,
que não apareça a ideia extremista
de ilegalizar a Renamo, porque isso
vai fechar as saídas desta situação.
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