Thursday, October 1, 2015

Construir o dia da vitória (2)

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Seguro que as deserções de Lázaro, Simango, Murrupa e a morte de Nungu enfraqueciam a causa libertadora, confiando nas informações dos traidores, o Comandante-Chefe das tropas coloniais em Moçambique General Kaúlza de Arriaga acreditou que poderia aniquilar a FRELIMO.
Retirou forças de Tete e doutros locais, concentrou cerca de quarenta e cinco mil homens em Cabo Delgado, reforçou com helicópteros e aviões a sua força aérea, mobilizou diversos tipos de blindados e desencadeou a maior ofensiva das tropas coloniais em todas as frentes em que Portugal combatia a causa libertadora. Nem Angola, nem a Guiné (B) nem Moçambique ainda haviam testemunhado este tipo de acção.
A movimentação colonial alertou a FRELIMO a tempo e horas. A movimentação dos camiões e blindados forçosamente que todos viam e ouviam, populações e combatentes.
As bases não estavam construídas em alvenaria, claro que havia trincheiras e abrigos, tal como nas povoações das zonas libertadas. Fácil movimentar a base e a povoação e com ruído e furor, o inimigo apenas encontrava posições abandonadas. O alarido que ocupara a base X ou Y não passava disso, um barulho para justificar a operação.
Samora instruíra os comandantes para atacarem os flancos das tropas que se movimentavam. Estas saíam de uma emboscada e caíam numa mina, as próprias populações mesmo com os chamados canhangulos iam matando os soldados infelizes.
As tropas coloniais sofreram baixas pesadas em homens e equipamento. Mais grave ainda, desguarnecendo Tete permitiram que fizéssemos a travessia do Zambeze e começássemos a operar na margem Sul e abríssemos o caminho para a Zambézia, Manica e depois Sofala. Igualmente iniciou-se o apoio à ZANU transportando o seu material e levando os seus homens para a fronteira com a Rodésia.
Nó Górdio tornou-se na maior derrota da guerra colonial portuguesa. A apregoada Base Beira que o inimigo ocupou e fortificou e até aí construiu uma pista de aviação e onde se instalara uma companhia reforçada, rendeu-se sem um tiro nos inícios de Agosto de 1974.
Em Junho de 1972, pelo décimo aniversário da criação da FRELIMO, depois da vitória contra Kaúlza, os comandantes reuniram-se durante dez dias e enviaram ao Comité Central uma proposta com o título de Nova Década Novos Combates. O CC durante todo o mês de Dezembro analisou a proposta e a situação do país e internacional, aprovou a proposta dos comandantes e proclamou: Ofensiva generalizada em todas as frentes. Ofensiva política, militar, extensão do combate para novas zonas, purificação das fileiras investigando infiltrados e colaboradores do inimigo.
Um ano depois o General Costa Gomes, Comandante-Chefe das Forças Armadas portuguesas visitou Moçambique. Costa Gomes informou Marcello Caetano que o exército estava à beira de um colapso, que a FRELIMO já levara equipamento para o sul do Rio Save e iria atacar numa região bem maior que Portugal e onde só dispunha no todo de oito batalhões. Caetano prisioneiro dos ultras, nada fez.
Em finais de Janeiro de 1974 Costa Gomes decide tomar posição, prefaciando o livro do seu adjunto Spínola, Portugal e o Futuro, onde se defendia a solução política e não militar para as guerras coloniais. Caetano demitiu ambos.
Formara-se entretanto o Movimento das Forças Armadas (MFA). Nascera da querela contra a tentativa do Governo de fazer ingressar no quadro da carreira os chamados oficiais milicianos (licenciados das universidades que cumpriam o Serviço Militar Obrigatório). Rapidamente a discussão integrou as questões da guerra e da derrota portuguesa.
Não se tratam de palavras quaisquer as primeiras linhas do Manifesto de 25 de Abril: «Após treze anos de guerra o Governo de novo quer transformar o exército no bode expiatório da sua política».
Referiam-se com os treze anos, à capitulação das forças portuguesas em Goa diante do exército indiano, em Dezembro de 1961. O então Comandante-Chefe General Vassalo e Silva, sem processo disciplinar, sem inquérito, sem Conselho de Guerra, Salazar ordenou que de General se tornasse soldado raso e mandou igualmente despromover numerosos oficiais, culpados de não disporem de meios para combaterem. Uma fragata no mar contra porta-aviões e couraçados indianos, umas avionetas contra jactos, quatro mil homens se tanto com espingardas da Primeira Guerra Mundial, contra blindados, tanques, canhões de várias divisões indianas. 
Como antes o fizera o Marechal Von Paulus em Estalinegrado, Vassalo e Silva sem meios de combater, optou por render-se e evitar um suicídio. Desobedecera às ordens expressas recebidas de Salazar: soldados portugueses ou mortos ou vitoriosos!
Este pano de fundo explica a reacção e acção do que depois se veio a chamar o Movimento dos Capitães. Curioso de que Zeca Afonso expulso de Moçambique pela PIDE seja o autor do Grândola Vila Morena, difundido na Rádio Renascença por Leite de Vasconcelos, também expulso daqui.
No quadro da ofensiva generalizada abriu-se a Escola do Partido em Nachingweia, abriram-se as frentes da Zambézia, de Manica e de Sofala, estendia-se a preparação para Gaza e Inhambane.
Caetano e o governo renderam-se, mas recusou entregar o poder a Costa Gomes e fê-lo a Spínola. Spínola tentou torpedear a causa das nossas independências. Quando envia Mário Soares a Lusaca em Junho de 74 este só dispunha de um mandato para negociar um cessar-fogo. Um absurdo, pois cessar-fogo separado do reconhecimento do direito à independência total e completa e sem marcar a data desta, não passava de uma manobra infantil.
A guerra continuou e Spínola teve que aceitar as negociações entre o MFA e a FRELIMO (representada no encontro por Óscar Monteiro que se deslocara para tal à Holanda). Aquino de Bragança que Samora enviara a Lisboa contactara os verdadeiros interlocutores.
Em Agosto, Melo Antunes, Victor Crespo, Mário Soares vieram secretamente a Dar-es-Salam onde se concertaram os termos dos acordos que se firmariam em Lusaca no mês de Setembro, dia 7.
Nos acordos firmados (dois) reconhecia-se o direito à independência total e completa, marcava-se o 25 de Junho de 1975, cito «aniversário da FRELIMO», como a data da independência, fixava-se um Governo de transição com 2/3 dos membros e o Primeiro-Ministro designados pela FRELIMO. O segundo acordo, mantido secreto a pedido expresso da parte portuguesa, estabelecia a retirada total das forças estrangeiras do país até 25 de Junho e normava a troca de prisioneiros militares, prisioneiros de guerra. Portugal nenhum entregou declarando que a PIDE os assassinara. A FRELIMO representada por Jorge Rebelo todos entregou ainda detidos e a lista completa dos anteriormente entregues à Cruz Vermelha.
Apoiados por Spínola um bando de ultra colonialistas tomou as instalações da então Rádio Clube de Moçambique, repudiando os acordos firmados. Simango e Joana Simeão encontravam-se neste grupelho facínora e fizeram apelos ao sucesso da conjura. Samora pelo telefone deu um ultimato a Spínola. O MFA tomou conta do assunto e rapidamente dispersou os grupelhos fascistas e a RCM voltou ao normal no dia seguinte. Tentativas dispersas aqui e acolá morreram no ovo. Assim se fez o Dia da Vitória.
P.S. Quarenta moças, oficialmente virgens, morreram num trágico acidente de viação quando se deslocavam para a chamada Reeds Dance, Dança das Canas, onde o rei Suazi escolhe mais uma nova esposa, entre as raparigas seminuas. Tradição ou primitivismo bem machista?
Terminou a farsa do julgamento de Nuno Castel-Branco. Com um pouco de ponderação evitava-se o julgamento de quem emitiu uma opinião, válida para uns e inconveniente para outros. O próprio CC da FRELIMO numa resolução impondo balizas à revisão constitucional impedira que se alterasse o artigo que limitava um Chefe do Estado a dois mandatos. Havia quem o desejasse, Castel-Branco e muitos, eu mesmo, não concordava. Ele foi mais longe ao solicitar que se demitisse. Delito de opinião? Não existe na Lei nem na moral. Um abraço ao bom senso,

SV

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