sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Aprender democracia


23.10.2015
DAVID PONTES
A verdade é que já é cansativo evocar os 48 anos de Estado Novo para justificar o comportamento dos portugueses quando vêm ao de cima uns tiquezinhos de apreço pelo autoritarismo e algum défice de entendimento sobre os mecanismos da democracia. A verdade mesmo é que 41 anos após o 25 de Abril já é tempo do prato da balança começar a pender para uma relação saudável com aquela que é "a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos a tempos", na definição de Winston Churchill.
Mesmo que tenhamos em linha de conta o omnipotente Estado, uma presença asfixiante que vem muito antes do golpe de 28 de maio de 1926, e que sempre foi de molde a reduzir aos mínimos a capacidade de ação da sociedade civil, já é tempo de assumirmos plenamente a nossa liberdade de cidadãos eleitores, que bem podem ser críticos da "partidocracia", mas têm de perceber corretamente as regras de funcionamento do sistema político que regula a nossa vida em sociedade.
Por isso é absolutamente absurdo ouvir falar de "golpe de Estado" sobre a possibilidade de entendimento entre três partidos que perfazem uma maioria parlamentar, mesmo não estando entre eles a força política mais votada. Pode parecer estranho, pode até ser politicamente um suicídio para os intervenientes, mas é uma possibilidade absolutamente constitucional fundada no princípio de que o voto de cada português tem exatamente o mesmo valor.
A abertura do PCP e do BE a participarem, nem que seja indiretamente, nas responsabilidades da governação é um sinal de que também eles estão a melhorar o seu entendimento da democracia e de que o nosso sistema está a amadurecer. Nos próximos dias, ou até nos próximos meses, perceberemos se este enterrar do PREC é meramente conjuntural ou se tem solidez para alterar estruturalmente o nosso sistema partidário.
Um entendimento também correto do que é a nossa democracia fez ontem o presidente comunicar ao país que irá deixar para a Assembleia da República a decisão final sobre a viabilização ou não do Governo de Passos Coelho. É o momento da "responsabilidade dos deputados" em toda a sua liberdade, em todo o esplendor da democracia. Resta esperar que, ao contrário do que insinuou, Cavaco Silva esteja também disponível para fazer a leitura correta daquilo que irá ser debatido e votado no Parlamento.

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