“Não somos um país de grandes revoluções”
“Pneu em chamas” é o mais recente livro de Jorge de Oliveira, no qual o autor tece uma leitura sobre a sociedade onde vive, confessando que Moçambique não é um país de grandes revoluções. Do “Pneu em chamas”, o ex-Secretário-geral da AEMO espera que se levantem discussões sobre os assuntos retratados.
Uma pergunta iniciática. Há vários anos que as letras fazem parte da sua vida. Porquê as escolheu e porquê persiste neste percurso cheio de obstáculos?
Quando escrevi os meus primeiros textos, sobre ficção e várias matérias, há mais de vinte anos, alguém chamou-me e disse-me que o mundo das artes e letras é muito cão, “sacana” e com muitos obstáculos. Mas eu pensei, que profissão não tem obstáculos? Resolvi continuar a escrever sem ter medo dos pequenos e grandes embates que a vida nos traz.
A emigração é um dos temas que envolve os autores da sua geração e que, em “Pneu em chamas”, aparece bem vincada. Que alcance pretende dar a este fenómeno numa altura em que a onda de emigrantes assalta a Europa?
O moçambicano, tendencialmente, não é muito de se aventurar pelo exterior. É verdade que temos compatriotas nossos nas minas da África do Sul e outros que foram trabalhar na Alemanha, os “madjermanes”, mas, por natureza, o moçambicano não sai. No caso de “Pneu em chamas”, também temos um emigrante que vai trabalhar para as minas sul-africanas. Essa personagem representa o moçambicano que emigra à procura de melhores condições de vida, no entanto, vincando que, como povo, continuamos agarrados às nossas raízes e ao nosso chão. Quanto à onda de emigrantes que assalta a Europa, encaro esse fenómeno como o percurso natural do ser humano, adaptar-se a novas realidades.
Ao mesmo tempo que o livro configura uma sociedade anémica e histérica até, tece um quadro semelhante sobre algumas entidades. Que almeja projectar através da sua escrita?
A minha primeira intenção é que os assuntos abordados no livro sejam debatidos, porque entendo que da discussão nasce a luz. Temos de discutir para que tenhamos soluções. E, ao retratar momentos em que o país registou duas convulsões, quis combater o dogma de que os melhores livros deste país são aqueles em que retratam o período colonial. Penso que como autor não poderia estar alheio ao que se passou nas nossas ruas há alguns anos.
Não podia estar alheio ao presente… Acha que os autores da sua geração estão a conseguir adaptar-se à contemporaneidade?
Tenho algumas dificuldades em responder a esta pergunta. Mas há um movimento literário neste país. Depois da Charrua tivemos alguns solavancos e engasgamo-nos um pouco em termos literários. Inclusive, falou-se da morte da literatura moçambicana. Houve um ponto morto, mas voltamos a ter um movimento. Agora, se nós estamos a adaptarmo-nos à contemporaneidade, não consigo responder. Estamos a fazer o papel que compete a nossa e qualquer geração.
E os novos autores?
Faremos uma melhor avaliação e balanço mais a frente – agora pareço um político a falar: iremos avaliar… o impacto… – porque
este movimento é recente, com mais ou menos 10 anos. Precisamos de mais tempo.
“Uma sociedade assim estruturada é um barril de pólvora à espera do dia da explosão”. É um excerto do livro. A que estruturação se refere e como reestruturá-la?
Essa estruturação é a desestruturação... Nós, muitas vezes, pensamos que juntar um moçambicano do Norte e do Sul é “unidade nacional”, o que nos faz julgar que estamos todos bem. Isso é uma plástica que não resolve os nossos problemas e é um pouco disso que estamos a sofrer neste momento. Para resolvermos esta situação, antes temos de perceber como é que a nossa sociedade está estruturada.
Em “Pneu em chamas” mexe nas enfermidades do país. Acredita que um livro da actual literatura moçambicana pode suscitar debates de maneira a criar uma revolução de ideias susceptíveis de iluminar os cidadãos e políticos que ameaçam a nossa paz?
Lembro-me que tive um dilema quando mostrei o projecto deste livro a algumas pessoas. Disseram-me que não podia escrever sobre uma situação tão actual. Enfim… Nós não somos um país de grandes revoluções e nem de grandes convulsões. O “Pneu em chamas” é o retrato de dois momentos registados em anos diferentes, que foram incómodos. Quem for a ler o livro vai reviver esses momentos e vai perceber que ambos precisam ser analisados – nenhum deles pode ser esquecido.
Que metáforas estão aqui no livro e que espera serem entendidas até pelo leitor humilde?
A grande metáfora é o pneu, a personagem principal do livro. Penso que o leitor perceberá com muita facilidade que a grande metáfora é o pneu. Quando escrevia o livro percebia que o pneu ia atravessando a vida das personagens como atravessou a vida dos moçambicanos durante os acontecimentos que aqui retrato.
Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?
Sugiro “De medo morreu o susto” e “Gatsi Lucere”, ambos de Aurélio Furdela.
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